Thursday, March 30, 2017

Ilha do Araújo, Paraty



É possível que as fotos mais interessantes tenham aparecido já na postagem sobre os caiçaras (aqui). Mas achei cumpria escrever um pedaço sobre a Ilha do Araújo, a que chegamos depois de caminhar pela Praia Grande e Prainha e tomar um barco. Procuramos pela Pedra do Espelho, onde de seis em seis horas aparece uma mula-sem-cabeça soltando fogo pelas ventas. Até agora na dúvida se achamos. Mula não vimos, mas talvez não fosse a hora. Dizem também ser a ilha cheia de tesouros. Isso encontramos, por coincidência perto da pedra que julgamos ser a do Espelho e onde nos baixou certo espírito woodstock.

Conhecemos o povoado em torno da igreja de São Pedro, parece que há outro. Da próxima, subo à torre para assistir à pelada dos piás. Se bem que mais privilegiado que meu assento, impossível.













Wednesday, March 29, 2017

Eu, Tarsila

Julio Paraty


Voltar a Paraty é sempre oportunidade de estar próximo de Julio Paraty, o pintor primitivista que, qual Leonardo, incorporou o topônimo ao nome. Julio lembra muito Tarsila, que inclusive viveu longo período em seu ateliê em Corumbê, hoje abandonado e que infelizmente não consegui localizar.

Dia desses voltávamos eu e Dante da Praça Afonso Pena e, contrariando nosso hábito de pegar ônibus, que ele prefere, principalmente o 422, aliás 4doidão, que pula doidamente na Canavieiras, chamei, dado o adiantado da hora, um Uber. Passados 13 minutos, o sujeito cancelou a corrida, embora estivéssemos em via de grande movimento. Fiquei furioso.

Dois dias depois, manhã de domingo, decido levar o pequeno à Quinta da Boa Vista. Chamo o Uber. Passado um tempinho, um motorista, que não é o meu, para, abaixa o vidro e, olhos nos olhos, pergunta-me: Tarsila?

Respondi apenas que não, perdendo a chance de adicionar um 'obrigado'.

E de certo modo fiz as pazes com a Uber.

Bobó de shitake


Estava acertado que o almoço de sábado em Paraty seria a feijoada do quilombo. Viagem de balde: ao chegarmos no Quilombo do Campinho, distante alguns quilômetros do centro, de ônibus sob chuva torrencial, descobrimos que o restaurante estava fechado, devido a um casamento que lá haveria à noite. À noite. Voltamos muito desconsolados em uma van apinhada de gente, ainda sob muita chuva. Salvou-nos a tarde e o humor o restaurante Quintal Verde, que não é propriamente vegano, mas tem uma moqueca de banana da terra e um bobó de shitake de fazer peixe pular do riacho, se é que existe a expressão.

Bem, a moqueca de banana da terra e palmito fizemos na semana passada (aqui); nesta foi a vez do bobó de shitake, que ficou entre o bom e o muito bom. O bobó poderia ter ficado mais grosso. O shitake deveria ter pego mais tempero, antes de mergulhar na mistura. É tornar a fazer, da próxima vez com paris ou portobello.





Tuesday, March 28, 2017

Um Poema Político



Há uma tia que morre
em completa solidão.
Filhos não teve, sobrinhos
todos três muito ocupados
pra tia que morre só
já não sobra tempo, não.
O mais velho é pedagogo
(vinde a mim as criancinhas)
mas pra tia velha e triste
não lhe sobra compaixão
E a tia morre na tarde
olhos cravados no chão.
A do meio é jornalista
combativa e combatente
incansável comunista
Pra tia que morre de noite
nada, logo ela que é tão
tão guerreira e combativa
Viva a justiça social!
Morte cruel ao patrão!
Amigos do facebook,
Façamos revolução!
O caçula é empresário
vende o que lhe cai na mão
Só não vendeu a sua tia
pois lucro não dava, não.
Quem quer uma pobre velha
Desnudada de ilusão?
Que os dias passa remoendo
a casca do coração?
E que trabalho essa tia
nunca deixa de pedir
remédio roupa feijão
Como pode ser assim,
Alienada sem noção?
E é assim que a tia morre
em completa solidão
Roupas rescendem a mijo
o corpo rescende a mijo
o quarto rescende a mijo
e também a solidão
pegajosa imitigada
mais escura que carvão.
A voz da tia gagueja
Nos olhos névoa leitosa
toma tudo de roldão.
Olhos que mais dia menos
dia enfim se fecharão
E os sobrinhos tão sensíveis
Ao enterro acorrerão
(eles, que não tinham tempo
mal pisam seus pés no chão!)
Sonhando com o testamento
Quase tendo uma ereção
Que a boa tia com certeza
lhes deixara algum quinhão!





Monday, March 27, 2017

Cachorra Rosa (de Sarna), de Elizabeth Bishop



Uma coincidência incrível um dia destes. Sentei-me aqui para postar alguma coisa sobre o poema "Pink Dog", da Elizabeth Bishop, mas antes, decido, como faço às vezes, dar uma espiada nos ótimos blogs que sigo. Pronto: no blog Escamandro, dou de cara com uma tradução recentíssima, ainda pingando tinta, do poema, feita pela Nina Rizzi. Mas será o Benedito? Explico.

Domingo retrasado, retornando de ônibus de Paraty, meus olhos cruzam com o Rio da Guarda, aquele afluente do Guandu onde, no começo dos anos 60, Carlos Lacerda gostava de afogar mendigos. Um crime bárbaro, que valeu ao político o epíteto de Mata-Mendigos. E Corvo. Por vezes, o Corvo Mata-Mendigos.

Lembrei-me de que no poderoso poema "Pink Dog", da Elizabeth Bishop, seu último publicado em vida e cuja gestação consumiu-lhe quase quinze anos, há uma referência a (mais) esse episódio brutal da história carioca / brasileira. Referência que, pelo que pude apurar em rápida pesquisa, os críticos norte-americanos deixaram passar.

No poema, num tom tão coloquial, tão matter-of-factly:

Didn't you know? It's been in all the papers,
to solve this problem, how they deal with beggars?
They take and throw them in the tidal river.

Para depois continuar o raciocínio: ora, se fazem isso com mendigos, sejam eles drogados, bêbados ou sóbrios, o que não farão com uma cachorra sarnenta? Cachorra sarnenta que acabou de parir??

O eu-lírico aconselha a cachorra que então vista sua 'fantasia' (assim mesmo, em português, para dar conta dos dois sentido da palavra: o sonho e a veste), pois, afinal, é carnaval!

Carnival is always wonderful!
A depilated dog would not look well.
Dress up! Dress up and dance at Carnival!

Difícil imaginar sarcasmo mais mordaz. Elizabeth, que tinha horror a "poemas políticos" é, aqui, mais política que todos os poetas da Revolução Sandinista.

E eu, de ordinário avesso a críticas biográficas, aqui compro a ideia de Regina Przybycien de que Bishop é também ela uma pink dog, mulher, estrangeira e lésbica, sempre à margem, principalmente depois da morte de Lota. E, gringa que foi no Leme, nunca teria a pele dourada de uma garota de Ipanema. O máximo que chegaria, under the blazing sun and the blue sky, é ao rosa. Que arde.

O poema, escrito em tercetos (outra ironia) e com rimas em AAA, BBB etc (outra ironia), já fora bem traduzido por Paulo Henriques Britto.

A tradução com a qual me deparei no blog segue outra linha. Linha, aliás, muito mais para Imitations, de Robert Lowell (porém ainda mais radical), num caminho oposto às próprias traduções feitas pela Bishop. Uma tradução também ela 'toda errada', toda pink dog, toda marginal, carnavalesca e medoñenta sob céu escaldante. Maravilhosa.

Tradução que pode ser lida aqui.

Saturday, March 25, 2017

Crônicas Sul-Africanas XIV :: Long Street



Para mim, uma ótima livraria e uma cervejaria excepcional são já certeza de que a rua pede visitas, plural por favor. Não bastasse a Clarke's, onde comprei livrinhos infantis em zulu, sotho e xhosa (ver aqui), com direito a uma primeira aula de xhosa, e Camila um Burns completo, é lá que fica a Beerhouse, com seu slogan de 99 cervejas artesanais. Se calhar, tem mais. Só de torneirinhas são 25.

Pois é, não bastassem esses dois paraísos, portos seguros que tão bem se completam (nada como uma artesanal de Woodstock para folhear livros recém-comprados), uma igreja desde sempre frequentada por negros, um punhado de bem conservadas edificações em estilo vitoriano, que hoje abrigam ora uma loja de souvenir ora o icônico restaurante Mama Africa, onde se pode provar o bobotie. Provei, traindo duas décadas longe da carne bovina.

Quando o sol se põe o perfil amigável da rua muda como que dramaticamente. Traficantes circulam livremente e, pior, podem ser bem insistentes.



















Friday, March 24, 2017

Nossos Meninos Vadios :: Filhos Autistas, Pais Esquisitos




Assim como o incomparável Longe da Árvore (aqui), também foi meu pai quem cantou a pedra desta outra obra sobre autismo. Mais do que cantar a pedra, o pai recorta a matéria e me entrega, desta vez em mãos, pois eu estava em Brasília para ajudar-lhe com o desmanche de sua grande biblioteca (*sigh).

Sempre que estou longe do Dante, incluindo quando ele está com a mãe (o que felizmente só ocorre uma vez a cada quinze dias), evito pensar nele. Evito pensar nele para não chorar. Chorar por quê? Não sei direito, sei que é saudade.Como eu ficaria em Brasília três luas, pus o recorte de lado e só fui lê-lo devidamente aboletado na poltrona do avião de volta.

A resenha da Folha trazia longo trecho do livro, que me perturbou profundamente e ao chegar em casa, depois de passear com o Dante, comprei o livro. Chegou rápido e li praticamente em duas sentadas.

Já escrevi por aqui sobre o hábito de sublinhar passagens (herdado do avô do Dante). Pois. O livro de Luiz Fernando Vianna, Meu Menino Vadio -- Histórias de um Garoto Autista e seu Pai Estranho, ficou tão sublinhado e marcado com setas e colchetes e anotações laterais como pontos de exclamação e interrogação, que talvez o que acabe chamando mais atenção sejam as partes não marcadas... Enfim, modo de dizer que fiquei muito impactado, estatelado talvez seja mais apropriado, com tanta identificação. Por óbvio, podem pensar: é um pai com um filho autista (ia escrever 'com autismo', Luiz prefere 'autista' e explica muito bem sua escolha. Ainda que eu vá continuar usando 'com autismo', ao menos nesta postagem, sigo-o), mas claro que não é só isso. É um pai estranho, que se reconhece um pouco autista também. Identificação total. E que viveu episódio cinematográfico quando a mãe de seu filho Henrique literalmente fugiu com ele para a Austrália sem lhe dar satisfações. A mãe do Dante não fez isso. E nem faria porque não quer ficar com ele. Mas já fez semelhantes ações de absoluto egoísmo e irresponsabilidade.

Quando chega a parte em que descubro que Luiz Fernando Vianna e Henrique moram também no Grajaú, bem, aí já nem sei o que pensar.

Ao terminar o livro, bem escrito e maravilhosamente sincero e corajoso, para além de informativo, procuro pelo autor. Encontro fácil. O mundo é um ovo, o Grajaú é um ovo de codorna. Num domingo de manhã sentamos rapidamente no Bar do Mariano e falamos como se nos conhecêssemos há anos e estivéssemos apenas retomando uma conversa deixada suspensa quando o ônibus chegou.

"Criar alguém que tem sérias dificuldades para se adaptar à vida social significa estar em permanente pêndulo: ora querendo confrontar a sociedade que aceita mal seu filho e, por tabela, renega você, ora desejando, até por necessidade de sobrevivência, ser aceito pelos mesmos que não acolhem bem a pessoa que você mais ama."

"O autismo de Henrique me deu uma ferramenta de socialização: deu um assunto e uma persona sob os quais posso ocultar a timidez e a mediocridade."

 

Thursday, March 23, 2017

Quem vem aí 2 ::: THE WHO no CAp-UFRJ



Dando continuidade ao projeto que, ainda desconfiado, celebra o anúncio da vinda do The Who ao Brasil, primeira vez em cinquenta anos. 

A parte 1 está aqui e fez um sucesso no blog para além do esperado. Nesta parte 2, toda realizada no CAp-UFRJ, procurei reproduzir, em algumas fotos, a própria capa do disco. Tudo de improviso, sem grandes produções. Se isso fica um pouco difícil no By Numbers (rarará), teve um resultado bem feliz no The Kids are Alright e no Quadrophenia. Perdoem a aparente imodéstia, nem estou me elogiando, mas sim as meninas.

Para este projeto contei com a ajuda de alunxs queridxs, inspetores, funcionários, trabalhadores, colegas. Obrigado.