Sunday, April 29, 2012

Franchi Giorgetti Talamo

Verdade é que, feliz ou infelizmente, já quase não tenho o que comprar em rock progressivo italiano dos anos 70. Bons tempos em que entrava na Halley e na finada Penny Lane e separava um monte para depois escolher uns dois ou três. Hoje já tenho quase tudo.

Um disco da época que jamais saíra em CD, e por que tanto esperei, veio a lume ano passado e logo encomendei o meu. Chegou ontem. Como não baixo nada, tive nesta manhã portanto a experiência em extinção de ouvir pela vez primeira algo "progressivo" gravado na Itália há 40 anos.

Trata-se do trabalho de Franchi Giorgetti Talamo, intitulado Il vento ha cantato per ore tra i rami dei versi d'amore (1972). De pronto, os nomes logo atraem a atenção: o longo título (creio que só perde para o Io Non So Da Dove Vengo e Non So Dove Mai Andrò, Uomo e' il Nome Che Mi han Dato, do De de Lind) e o nome da "banda", na verdade o nome dos três cantautori. Em que pesem essas duas diferenças, têm algo em comum com boa parte da cena prog italiana: gravar um trabalho apenas e desaparecer no mistério, para desespero, perplexidade mas também mística dos fãs da era pré-internet.

O CD é muito bom, não é coisa de completista apenas. Muito melódico, com certa dramaticidade típica da época e bastante acústico, davvero, pois falamos de três cantautori. A ressaltar também o trabalho dos músicos de estúdio e, principalmente, o piano, os arranjos e a orquestração de Nicola Piovani, que depois tornar-se-ia célebre por muitas trilhas (incluindo a de O Quarto do Filho, de que já tratei aqui, e a de A Vida é Bela). É digno de nota que o então jovem maestro tenha sabido dosar a mão, não sufocando o trabalhos dos ragazzi.

Aqui e ali pode-se dizer que o disco é.... datado. Mas se essa data é a primeira metade dos anos 70 naquela bota que vai dos Alpes ao Mediterrâneo... não faz mal.

PS: No pacote vieram outros 3 Cds além do de Franchi Giorgetti Talamo. Claro, não se visita o site da BTF para comprar uma coisa só, de modo que pedi também um outro prog italiano dos 70, o Messaggio 73 (este confesso que por completismo) e duas estreias, o Gran Turismo Veloce e o La Conscienza di Zeno.

Wednesday, April 25, 2012

Onetti, Billy e eu


Virei o ano de 1990 lendo O Som e a Fúria. Minha avó me chamava para a mesa, receosa de que eu passasse o momento tão importante deitado, com a cara enfiada num livro, e não de pé, vestindo branco, comendo e bebendo. Faltando dois minutos para o novo ano, levantei, sentei-me à mesa, beijei e abracei vó, tia e tia-avó, provei do manjar, repeti duas vezes e voltei para o livro. Estava no dificílimo segundo capítulo, naquele estado que Osman Lins chama de incompreensão ativa, mas confiante de que algo me iria ser revelado. De fato, no quarto e último capítulo, numa manhã cinzenta de 1928, minhas esperanças haveriam de se confirmar. Era Páscoa.

Li depois o romance em inglês, reli em português, reli em inglês, e fui para o Mississipi conhecer alguma coisa, qualquer sinal, daquela atmosfera que me impregnara a alma. De posse do mapa que o próprio Faulkner esboçara, vaguei pelo condado de Yoknapatawpha. Haverá quem me chame de materialista, pela necessidade que tive de ver e conhecer empiricamente o que deveria permanecer no domínio exclusivo do imaginário. Em primeiro lugar, terei que admitir que sim, sou materialista. Em seguida, agradecerei a Faulkner por me ter permitido viajar duplamente.

Uma longa introdução em tão curto texto para explicar que me alegrou sobretudo encontrar em Juan Carlos Onetti um leitor de Faulkner. Um leitor tão apaixonado que toma emprestado uma fala de um dos personagens para justificar a extensão de sua obra: “Mujeres!”. Um leitor tão apaixonado que não hesita em fazer, de personagens e autor, cúmplices de sua vida e obra. É assim que William Faulkner está presente em diversas das reflexões, às vezes como Bill, outras como Billy. Nessa cumplicidade, nessa literatura que se une à vida qual carne e unha, não é difícil equacionar ler = viver.

No seu campo dileto de reflexões, Onetti irá tratar da complexidade da obra de Faulkner, dos problemas e consequentes erros dos tradutores (nem Borges escapa), das dificuldades pessoais do autor, dos pastiches que sua obra sofre. Dessas reflexões, focalizo duas. Na primeira, Onetti relata que, em 1949, no ano em que Faulkner ganha o Prêmio Nobel, era impossível encontrar seus livros nas livrarias dos Estados Unidos, pois suas páginas haviam sido destruídas sete anos antes para a fabricação de cartões. Neste aspecto trágico, não resisto em recordar nosso romancista Dalcídio Jurandir, cujos livros eram impressos, segundo circulava à época, com a sobra de papel dos livros de Jorge Amado. Embora em posições inversas, um e outro fadados ao convívio dos refugos da indústria cultural. A outra confissão que destaco é aquela em que Onetti rememora seu encontro peripatético com seu escritor. Por uma casualidade, entre carros e pedestres, ele chega, pelas páginas da revista Sur ao Deep South.

Na leitura de Onetti, vali-me de meu imprescritível segundo direito, conforme nos ensina Pennac. Mas, ainda assim, destacaria outras questões bem pontuadas; nada, porém, que se igualasse ao reencontro com Faulkner que suas reflexões me proporcionaram.

Confiança Atlético Clube


Não tem o Bangu? O Bangu, como sabem, era o time de futebol da Fábrica de Tecidos Bangu, pois uma fábrica inglesa não podia ficar sem o seu soquerzinho nos trópicos

Pois tem / tinha também o Confiança Atlético Clube, que era o time de futebol da fábrica Companhia de Tecidos e Fiação Confiança Industrial, belo e colossal prédio de 1894 onde há anos foi o Boulevard na rua Maxwell, no bairro de Aldeia Campista,e hoje é um Extra.

A fábrica já foi cantada por gente como Noel Rosa em "Três Apitos". Nos versos o boêmio lembrava dos três apitos diários avisando as horas da entrada, do almoço e da saída dos funcionários. É possível que ele estivesse apaixonado por uma operária desta fábrica que foi, apenas, a maior fábrica de tecidos do Brasil. Noel não se apaixonava por qualquer uma.

Quando passei a frequentar os jogos do São Cristóvão na Figueira de Melo, pelos fins da década de 80, o time do Confiança ainda existia, ativo na terceira divisão do Rio de Janeiro.

Não cheguei a assistir a nenhum jogo do Confiança, o que é de todo lastimável: o time encerrou as suas atividades em 1993. Sua sede foi  incorporada à quadra da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro por decreto do então prefeito César Maia.

A arquibancada de madeira é tombada pelo Patrimônio. Quando recém estive por lá, nenhum salgueirense com quem conversei conhecia a história do Confiança. Têm um tesouro nas mãos (reparem o telhado achalesado) e o desconhecem.

Aliás, duas das pessoas que mais entendem de fubebol -- o tricolor Gustavo e o rubro-negro João Alegria -- também desconheciam o Confiança, achando que eu falava do time de Aracaju!

PS: Embora já saibamos que o tombamento amiúde não protege nada, já que destombar é mais fácil que tombar, pena que, logo ali pertinho, o estádio do América tenha sido posto abaixo para dar lugar ao Shopping Iguatemi...

Sunday, April 22, 2012

BARCAS S.S.

Quando tiveram a ideia de privatizar as barcas que fazem a travessia da Guanabara, protestamos, alegando que não era justo construir com o dinheiro público para depois a iniciativa privada lucrar. As barcas foram privatizadas.

Quando as Barcas S.A. quiseram tirar as barcas da madrugada, protestamos, argumentando que muitos se valiam daquele serviço e era perigoso pegar ônibus às 3 da manhã. O serviço da madrugada foi cancelado.

Quando as Barcas S.A. propuseram o absurdo aumento da tarifa, protestamos demais, mas está aí o aumento da tarifa em vigor.

Ouvi dizer que em breve a Comissão Diretora das Barcas S.A. passará a exigir para a travessia o sacrifício de sete virgens e sete rapazes. Iremos protestar, mas...

Tuesday, April 17, 2012

Incipit


A instrumental "Incipit", que encerra La Meccanica Naturale do Finisterre, é cheia dos odiosos clichês do rock progressivo: climas grandiosos, tecladeira do cacete, aquele crescendo climático (primeiro piano, depois mellotron, depois bateria, guitarra e por aí vai) que só a faz repetitiva. O que poderia ser dito em dois minutos leva sete.

Amo essa música como se fora um pedaço de minh'alma.

E olhem que minha alma já é quase minha.

Friday, April 13, 2012

Olha pro chão, meu amor / Veja como ele está lindo...

Já estivera tantas vezes no Museu Nacional de Belas Artes, mas só agora, por ocasião da exposição do Modigliani, reparei com atenção o piso. Não que não valesse a pena olhar para os quadros, rs!

Belos azulejos hidráulicos:






Belíssimos painéis de pastilhas:



Modi Maudit


Quem já veio aqui em casa sabe: logo no hall de entrada, um Modiglinai, La fillette en bleu, porventura o mais belo de todos, visto em exposição no Musée du Luxembourg em dezembro de 2002.

Nascia ali minha paixão pelo italiano atormentado, paixão em verdade mais por sua obra que pelo que a emoldura, o maudit.

A exposição no Rio é ótima mas, estando na periferia, não recebe a crème de la crème. As esculturas, em que mais se percebe a influência da arte africana (e, claro, de Brancusi) são estupendas. Mas réplicas. Se me interessa a aura da obra de arte única, irreprodutível? Claro.

Mas há pelo menos uma tela excepcional, um daqueles nus maravilhosos proibidos pelos filisteus da época. Perpassa toda a exposição uma intenção didática também louvável.

A tela na exposição aqui do Rio. A foto é clandestina, proibida. Se quiserem, como eu, burlar a lei e os vigilantes, não usem flash. Não tanto pela lei e vigilantes, mas pelo quadro.


La fillette:



PS: Pois então. Quando conheci La fillette, fiquei de tal modo encantado que dizia que assim queria a minha filha, Laura.
Não veio a Laura, veio o Dante.
Que é mais bonito que todas as telas do Modigliani.

Wednesday, April 11, 2012

Lendo Nejar no ônibus




LENDO NEJAR NO ÔNIBUS

Faço as contas: para a leitura
de cada soneto, minuto e meio.
Leio os quarenta na ida.
e os releio na volta.

Não contara, tolo,
com relâmpago e raio
(escondidos)
por detrás dos versos.

Os olhos suspensos da página
debruçados extáticos
na paisagem movente.

Charitas-Gávea-Charitas
Três sonetos lidos.


E fiquei no lucro.

Tuesday, April 10, 2012

O poeta Carlos Nóbrega

No pacote do Felipe tinha um livro do poeta Carlos Nóbrega, 8 Verbetes. São 13:49, almoço atrasado, sua poesia alimenta.

A poesia alimenta, é uma metáfora, não precisa falar de pão, cacete!

Nem Só de Pão

O pão que aquieta a boca
aquieta a boca
Mas, quieta a boca,
em seguida
a alma louca
grita
por manteiga e sonho.

Prolixidade

Prolixidade

Ele e o pai
falam-se bem ao telefone,
civilizados que são.
Mas a proximidade os assusta
e no almoço marcado após quatro meses
trocam cerca de vinte e oito palavras.

Façanha em Santo Cristo






Já escrevi sobre o Flor do Tâmega aqui. Mas faltaram as fotos deste que é um dos botequins mais ricos em pinturas desta cidade. Se não for o.

As pinturas são de Eduardo Costa Matos, mais conhecido por Façanha, datiloscopista por profissão. Pintou por amizade, em 1967, pouco mais velhas que eu, portanto. Seu estado de conservação, e aqui não há dúvidas ou espaço para chistes, é bem melhor que o meu.

Rever Veneza

Este é um soneto antigo, pós-Taipa, pré-blog, escrito em tempo em que eu não escrevia mais. Pensando aqui, deve ser de 2002, 2003. Escrevi e perdi. Quando fui procurar, não havia backup que o salvara. Se o tenho hoje é graças à Erica, a quem eu tinha mandado. Por que ela o guardou até hoje me intriga.




REVER VENEZA

Flutua sobre as águas de Veneza
este palácio que me molha os olhos.
Flutuam pombos e flutuam doges
e ruas líquidas e os seus escolhos.

Rever Veneza, amor, será, enfim,
ver Veneza como da vez primeira:
Conhece o corpo aquilo que o perturba?
Entende a alma aquilo que a golpeia?

Veneza espera numa tarde fria.
Quantas pontes e escadas em neblina
aguardam nossos passos peregrinos?

Voltemos. Na memória as águas passam
e esperam que de nossa pele nasçam
o mesmo gozo e o mesmo agudo espanto.

Thursday, April 05, 2012

Adolescência


ADOLESCÊNCIA

Ah, bem mais de uma vez
depois de arrastar pianos pelo pátio
atravessar paredes
e colher o ônix de Vênus no deserto,

ouvir dela,
da maldita,
que mastigava meu coração
e por quem litros de gosma escorriam ralo abaixo:

Eu também gosto de você, Evandro.
Mas como amigo.


Ah, a beleza da amizade!...

Tuesday, April 03, 2012

Karandash



TECNOLOGIA

Hoje escrevo poemas
no computador.

Mas teus olhos
ainda vestem lápis.

Oh verdade profunda
oh amor.

Buda no Vaticano


Vais ao Vaticano? Então me traz uma estatueta de Buda!

Dá para imaginar este pedido aí de cima? Difícil, né? Fiz algo semelhante ao pedir a amigo que viajaria à Bélgica uma garrafa do single malt que por lá fazem. A Bélgica, como sabem, é terra das cervejas, das ótimas cervejas, e de maravilhosos chocolates. Eu mesmo já estive lá três vezes, e em todas as três visitei bares, pubs, lojas especializadas e fábricas, como a da Cantillon e da Duvel. Não que eu não tenha mais interesse pelas cervejas belgas, é que muitas destas agora podem ser encontradas por aqui. (Ainda que, claro, sendo a cerveja o pão líquido, nada se compare a poder beber o chopp em seu local de origem, de preferência na fábrica ou em um raio de 100 metros desta.)

Já um single malt belga é coisa rara, desconhecida, mesmo por lá. A destilaria The Owl propõe whiskies que possam ser bebidos durante o seu processo de maturação. Assim, o whisky foi engarrafado em seu primeiro ano de vida, em seu segundo, terceiro, e assim por diante. Minha preciosa garrafinha é um malte de 4 anos. Tradicionalistas podem ver oportunismo aqui. Vejo oportunidade. Oportunidade de, com um limão, fazer suculenta limonada e aproveitar ainda os caroços para fazer um colar. Afinal, alguém já imaginou como será dispendioso começar um negócio hoje para só poder começar a colher os frutos em 2024? Tem mais: em assim fazendo, mostram que os chamados whiskies do Novo Mundo chegaram para ficar, sem que isso signifique imitar a Escócia.

Notas de degustação: cor ouro pálido; no nariz é delicado e sutil, com baunilha, mel e principalmente pera. Na boca, é delicado, com notas de cereais e, mais uma vez, pera. O final é seco. Para nosso clima, com gelo ele é ótimo.

A primeira vea que o tomei foi com o Raul, na véspera do show do Roger Waters. Depois o bebi em degustação às cegas, junto ao Ardbeg e Balvenie, e não foi nada difícil identificá-lo.

Citando o slogan da destilaria: um single malte a caminho de um futuro fabuloso. Para ser coerente com a Bélgica: "Un Single Malt sur la route pour un futur extraordinaire / Een Single Malt op weg naar een toekomst buiten verwachting"

Mas ele pode já ser consideardo fabuloso. A seu modo. Lembrando Picasso: "leva-se muito tempo para tornar-se jovem".

Este post é dedicado ao Paulo Emilio Bouzan, que me trouxe a corujinha.

Bunnahabhain


A turfa está em alta. Mesmo marcas tradicionalmente não-turfadas querem ter ao menos uma expressão turfada, como recentemente aconteceu com Arran, Balvenie, Glenmorangie, Jura e Benromach.

O Bunnahabhain, bem, o Bunna, embora de Islay, paraíso para os peat freaks (olha nós aí!) encontrou seu nicho denominando-se "the gentle taste of Islay", isto é, seus whiskies não sabem a turfa ou a sal ou a iodo. Mas recentemente lançou uma expressão turfada.

Controvérsias: há quem diga que Bunna optou por fazer whiskies não-turfados para que pudesse vender mais no passado. Explico: em época em que single malts turfados não eram bem vistos (e bebidos), a produção das destilarias de Islay praticamente limitava-se a fornecer whisky para os blends. Quando Bunna viu que as grandes destilarias já não precisavam de tanta fumaça e turfa assim, passou a produzir whiskies pouco (ou nada) turfados.

Um dos malt makers de Bhuna, no entanto, afirma que seus whiskies sempre foram turfados e que só a partir a partir do começo dos 60 é que isso se deu. Acredito que sua fala seja no sentido de dizer algo como "não somos oportunistas, já produzíamos whisky turfado antes".

Não sei. Tradições existem para serem conhecidas. E transformadas. Uma tradição, by the way, pode ser começada hoje, não? Se Bunnahabhain, na costa leste de Islay, decide produzir whiskies turfados, não em consonância com sua tradição, mas em consonância com a tradição da ilha, acho ótimo. Se decide continuar sendo apenas "the gente side", acho ótimo também.

Na dúvida, bebo desta garrafinha pequenina, baixota como a lindinha que ma trouxe, a Giulia Drummond. Giulia já tem crédito comigo de sobra. Foi elazinha quem fez uma das músicas para o Dante, como se vê e ouve aqui. Precisava trazer-me uma garrafinha de um dos poucos maltes de Islay que eu ainda não conhecia?

Nas notas de degustação, um detalhe muito curioso: apanhei a garrafa com a Giulia no Osbar, na Cinelândia, onde, fazendo o percurso dos botecos, descubro que há por ali uma tradição em batidas de gengibre (!). Pois uma degustação do Bunna revela exatamente isso: notas de gengibre.