Thursday, December 31, 2009

O Disco do Ano e O Disco do Ano



Sempre que penso em um disco do ano, faço-o em duas frentes: o disco lançado no ano que passou e o disco de que mais gostei no ano, independente de quando foi lançado. É possível que haja interseção entre as duas categorias, como poderia ser o presente caso, mas, for the sake of variety, escolhamos dois álbuns diferentes.

Nada aqui é a ferro e fogo. Fico com estes dois, ambos maravilhosos, como poderia ontem e poderei amanhã me decidir por outros.
Na categoria, pois, "descoberta do ano", fico com o Love Hate Round Trip (2006), da banda italiana Areknamés.

Na categoria "lançamento de 2009", fico com o Hazards of Love, dos norte-americanos The Decemberists.

O Areknamés nos propõe um progressivo sinfônico pesado, muito soturno, emocionado, denso, com um trabalho de produção acima da média. A comparação com o Van der Graaf Generator é inevitável, e olha que é difícil encontrar bandas claramente influenciadas pelo VdGG, muito mais difícil do que encontrar influenciadas por Yes, Genesis, ELP ou King Crimson. Isso se dá porque, para lembrar o Van der Graaf, mesmo que vagamente, deve haver uma semelhança com o que a banda inglesa tem de mais notável, os vocais de Peter Hammill. (E não, como boa parte de uma crítica incipiente e preguiçosa amiúde faz: "Tem sax? Lembra VdGG!"). E como é difícil assemelhar-se aos vocais únicos e apaixonados do Peter! Bem, mas a voz de Michele lembra muito a do Mr. Hammill, impressionante! Tanto o timbre quanto o alcance e a impostação e a enorme dramaticidade. Claro que a qualidade maior do álbum não se resume a "lembrar VdGG". As composições são soberbas e complexas e há um peso, com riffs sabbathianos, de todo ausente do Van der Graaf.

O engraçado é que cheguei a fugir desta banda quando na Halley me disseram, falando de seu primeiro trabalho homônimo (2003), que o som era doom. Ouvir isso e ver que o disco fora lançado pelo selo genovês Black Widow afastaram-me. Acabei comprando o Love Hate na Rock Symphony sem esperar muito. Caí de quatro.

Só para terminar: a música "Ignis Fatuus" bem poderá ser lembrada como a "House with no Door" dos anos 00. Digo isto porque não consigo pensar em elogio maior.
Em uma época em que o importante é baixar musiquinhas para servirem de ringtones para o celular, lançar uma ópera-rock com 17 canções interligadas que fluem ininterruptamente, como fazem os Decemberists nesta obra-prima que é Hazards of Love, é marca inequívoca de uma atitude progressiva. O som transita entre o indie, o pop de altíssima qualidade (David Bowie inicial, Talking Heads, Pulp) e o progressivo, mas a fatura é predominantemente folk, seja na instrumentação, seja nas letras.
Ópera-rock, o disco nos apresenta uma história repleta de verve. Percebe-se um cuidado estrutural quase joyceano (sei que exagero): entre as 8 canções iniciais e as 8 finais, um interlúdio, instrumental, belíssimo. Depois dele, os temas retornam com novas e variegadas roupagens, como "The Hazards of Love" e "The Wanting Comes in Waves".

Difícil dizer que as letras são o ponto forte do trabalho, pois isso pode implicar que a música vem em segundo plano, o que não é verdade. Mas as letras, sim, mostram como o manancial folk é inesgotável e está sempre sujeito a releituras. Repletas de inventividade e maldade (o folclore é cheio de perversidades, senhores, não estamos a falar de Disneilândia), elas nos levam a um mundo fantástico e, por isso mesmo, ambíguo. E, sem querer, faço um link com o post anterior, o do malfadado leiteiro: se viver é muito perigoso, não o será também amar? Hazardous.

Outro ponto alto reside nos vocais. Os de Colin Meloy são desenvoltos e sinceros. Os femininos, apaixonados e operísticos. Os coros, estupendos.

Obra-prima. E pensar que ainda existem aquelas viúvas insuportáveis dos anos 70...

Wednesday, December 30, 2009

A Felicidade do Leiteiro ou Não Amarás


Um dos episódios mais perturbadores da monumental obra O Decálogo, do Kieslowski, é o sexto: Não Cometerás Adultério, que depois saiu em filme separado sob o mais apropriado título Não Amarás. O quinto, Não Matarás, também saiu em filme posteriormente, mas aí não foi necessário mudar o nome. Para quem estiver interessado em Kieslowski (pode-se não estar?), é preciso assitir ao filme e ao episódio do Decálogo, de vez que há diferenças entre os dois, principalmente no final.

(Antes de falar do episódio: chamei-o de um dos mais perturbadores, já que O mais, sem dúvida, é o primeiro, tanto que não tenho coragem de rever)

Não vou aqui fazer uma crítica do filme, mas apenas comentar uma cena, que dura pouco mais de trinta segundos: aquela em que o jovem leiteiro corre em alegria incontida puxando atrás de si sua carreta de garrafas de leite.

Esta cena se dá logo após uma outra, dura, quando ele, Tomek, um jovem de 19 anos, trava diálogo com o obejto de sua paixão, Magda, uma mulher mais velha, em seus trinta. Eles estão no corredor do prédio dela. Ela esperou que ele fosse deixar a garrafa de leite para golpeá-lo com a porta. Na noite anterior ele fora agredido por um dos amantes de Magda e está, portanto, com o olho roxo. Ela o humilha, mas está curiosa para saber por que aquele jovem, para ela insignificante, a espia.

- Por que me espia?
- Porque eu te amo. Amo mesmo.
- E o que você quer?
- Não sei.
- Quer me beijar?
- Não.
- Talvez queira ir comigo para cama. Ou melhor, fazer amor comigo?
- Não.
- Então o que quer?
- Nada.
- Nada?
- Nada.

(Ele caminha pelo corredor de cabeça baixa. Depois volta-se e caminha para ela)

- Poderia convidá-la para um café? Ou um sorvete?

Corte.

E a cena, filmada do alto, mostra o garoto Tomek em sua desabalada correria, numa felicidade suprema. Pela primeira e única vez em todo o filme (em sua vida), ele está despido de sua timidez e de seus temores. É um homem apaixonado e, nesta cena, "correspondido". A câmera gira de modo a transmitir-nos um pouco de sua vertigem. Ele esbarra em um homem, a quem, cheio de vida, pede desculpas.
E é só.

Magda, uma mulher experiente e promíscua, não acredita (mais?) em amor. Isso lhe poupa de um bocado de trabalhos e dores e palpitações e esperas e frustrações, não? Sábia Magda, inda que, creio, isso não tenha sido escolha sua. Não se pode decidir que se vai acreditar ou desacreditar em amor. Isso é o que a vida faz com a gente. Mas, retomando, isso impede Magda também de ter aqueles trinta segundos do Tomek...
PS: A foto mostra Tomek, funcionário do correio, e Magda. É que ele trabalhava no correio, apenas para enviar-lhe ordens de pagamento falsas para que ela fosse ao seu local de trabalho. O trabalho de leiteiro também foi apenas para acercar-se dela.
PS2: E o final do filme? Como fica, então, essa questão entre amor inocente e descrença total?

A foto aclássica de botequim



Foto clássica de botequim todos sabem como é: copo cheio em punho levantado. Com meu pai é diferente: livro em punho. Clássico dele. O livro é... bom, dá para vocês verem. Eu tencionava dar-lhe de presente; ele, como sempre mais rápido, me deu.


O "botequim" não é bem botequim, é restaurante, embora já tenha constado em edições do Rio Botequim. Aqui escrevi o poema no guardanapo do post abaixo. Quem descobrir o nome do restaurante, ganha chopp no dito cujo. Pista (para além da foto que já é pista e tanto): é o meu favorito, onde espero que deixem (pedido em testamento lavrado no 9o Cartório) parte de minhas cinzas quando morto estiver meu corpo. Se eu der a pista do prato carro-chefe da casa, perde a graça...

Tuesday, December 29, 2009

A poesia sopra onde quer

Já que falei recente em "orkut à moda antiga", não tem aquela história de escritor que escrevia em tudo quanto era lugar: caderninhos, contas de telefone e, claro, guardanapos? Clarice era assim, um monte era. Hoje é mais provável o cara abrir o notebook no colo para, depois de alguns chopps, escrever uma poesia feita literalmente nas coxas. Mas não há crítica aqui, tipo antes que era bom, hoje é ruim.

De qualquer modo, tinha eu hoje almoço com o pai. Cheguei meia hora mais cedo e ele, vinte e cinco minutos mais tarde, o que me deu a bagatela de quase hora para preencher. Pedir algo para comer não vale; para beber, claro, vale. Escrever um poema no guardanapo também.


MORNING DREAMS


"If I ain't dead already
Oooh girl you know the reason why"
Lennon


Aren't foolish those who are
satisfied with their dreams at night?
Fools are they
'cause the night
friend or foe
gives itself enough feed
and veils with its wings our minds.

I dream in the morning
the same dream
I dream.

Though recurring
and painful
never do I get enough.

You call me up
saying you miss my voice and my tender ways.
We talk for hours.

How hackneyed it is.
But it is a dream.
No control over it, girl.

Sunday, December 27, 2009

Uma razão para 2010

Passei dois dias pensando em um post para Prokofiev, já tinha título e tudo, e eis que este sobre Mahler atropela o russo.

Não que eu ande atrás de efemérides ou prestigie apenas números redondos, mas é que 2010 já tem uma razão de ser: é o sesquicentenário de nascimento do grande Mahler, Gustav Mahler. "Sesquicentenário" é palavra esquista, a mim sempre lembrou "seiscentos", quando, na verdade, vocês sabem, quer dizer cento e cinquenta.

Estranho isso também... só 150? Então quase fomos contemporâneos, e não estou brincando...

Há 150 anos nascia este homem irascível, difícil, extremamente sensível. Amou uma Alma e por ela perdeu a sua. "Previu" a morte dos filhos nos fantasmagóricos Kindertotenlieder. Vivia em guerra com Deus e o mundo, literalmente, e foi, acima de tudo, apátrida, três vezes apátrida. Lembrei-me de que em Taipa escrevi um poema chamado... "Apátrida", do qual citarei apenas os dois primeiros versos: "Ler tua poesia me é triste / Como um adágio de Mahler."

Gosto tanto, mas tanto de Mahler, que quase não o ouço. É uma música de que realmente tenho medo. Tenho dificuldades para encarar de frente a Sexta, a Quinta, a Primeira e, principalmente, a Nona, embora eu faça de tudo para assistir se forem tocar ao vivo.

Aliás. E a propósito. E desanuviando un peu o post que está pesado: assistir aos ensaios da Nona Sinfonia pela Orquestra da Petrobrás, em 2007, foi um prazer e uma honra indescritíveis. Graças à harpista Rafaela, que deve comentar por aqui...

Tu sarai grande

Por este blog celebramos alguns mensários do Dante, não é justo que não se fale de seu aniversário, seu primeiro aniversário.

Em 2008, numa tarde de sexta, fomos ao Dr. Paulo e ele, sempre muito tranquilo e sorrisos, nos diz que o bebê está maduro. Às seis da tarde, uma hora aberta, Dante já está neste mundo confuso e belo. Era 19 de dezembro.
Depois minhas pálpebras se fecham e, quando tornam a se abrir, Dante já tem um ano de vida. (Mas quantas quantas quantas coisas não couberam neste abrir e fechar de pálpebras).

À festa compareceram pessoas queridas, um bobo, muitos bichinhos.

Ao meu filho dedico estes versos do Locanda Delle Fate, que fecham este que é um dos discos mais bonitos, maduros, apaixonados e apaixonantes do rock progressivo italiano dos anos 70, o Forse le Lucciole Non Si Amano Più, no improvável ano de 1977. Aliás, agora que escrevi sobre a data, me ocorre que estes versos fecham não apenas este álbum, mas a própria cena progressiva italiana dos anos 70:

Tu sarai grande più di Icaro,
ti guarderai volare.

Saturday, December 26, 2009

Orkut à Moda Antiga

Vejam que interessante. Colei uma foto minha com o Dantuca no gavetão do arquivo da Equipe de Inglês na Sala dos Professores. Aliás, dizer "uma foto" é errar: colei a foto ou esta foto que acaricia este blog. (Sim, tenho outras fotos com o patifinho, mas que no momento é esta a minha fave.) E aí, um dia depois, encontrei um recadinho junto a ela, a que se seguiram outro e outro e outro e outro. Acho que depois desta foto ainda teve outros. Colegas que tiveram ganas de comentar alguma coisa e foram deixando scraps...

Friday, December 25, 2009

Um Flamboyant passou por aqui

Há muito queria escrever sobre estas árvores que sangram nosso verão: os flamboyants, as Gulmohar trees...
Bom, passeando muito pelo Grajaú (eh, virou tag por aqui?), é inevitável: um aqui, outro ali, às vezes as copas chegam a se juntar...

Wednesday, December 23, 2009

Dolce Acqua

Ontem, meio que do nada, peguei para ouvir uma banda que não ouvia há muito: o Delirium. O Delirium me traz lembranças muito nítidas de 1985 e de 1998. Falarei apenas destas últimas. Ana Beatriz e eu acabáramos de chegar de nossa primeira viagem à Itália. Chegamos nós, porque todas as três malas haviam se extraviado, o que nos causou imensa consternação. A mim porque uma delas continha APENAS CDs. Uma mala estourando de CDs. Já em casa, passadas algumas horas, nos ligam do aeroporto dizendo que duas malas haviam, enfim, aterrissado. Voamos para lá e eis que... a dos CDs chegara, que alegria! Em casa, ponho logo para tocar o Delirium, que eu não ouvia desde....85, mas que guardava na alma como se tivesse escutado no dia anterior. Tanto que, ao final da música "Jesahel", canto junto "one, two, three, four", para meu espanto (nem eu sabia que lembrava tão bem) e para espanto e raivinha da Ana, já que a mala de roupas dela não chegara. Percebo meu egoísmo e refreio minha empolgação. Mas sua mala chegaria no dia seguinte.



Um dos destaques deste primeiro Delirium parece-me, sem dúvida, a canção que dá nome ao disco. Uma faixa quase toda instrumental, em crescendo, na qual os instrumentos vão sendo lentamente adicionados.



O ótimo crítico Riccardo Storti, em seu livro dedicado exclusivamente à cena do rock progressivo na Gênova da primeira metade dos anos 70 (dá para ser mais monográfico?), reclama de certa monotonia, já que o motivo da flauta é repetido muitas vezes. Não percebe ele que esta repetição, climática, tem a função de preparar-nos para a entrada triunfal, messiânica, à la Jesus Cristo, de Ivano Fossati e sua voz de barítono:



Verde prato

dentro me.

La tempesta è passata,

non è mai freddo.

Dolce acqua.

Tirei a letra de ouvido, o que a torna sujeita a erros. Fossati canta apenas isso. Mas quem canta com aquela voz que há um verde prado dentro de si e anuncia fim de tempestades precisa dizer mais alguma coisa?

Monday, December 21, 2009

Concerto para Cigarras e Orquestra em Sol Maior

Saí do Grajáu por duas vezes: em 1980, quando minha irmã casou, e em 1995, quando casei eu. Da primeira vez, voltamos em 1985, depois de uma estada no Andaraí. Dentre outras coisas, preocupava-me sobretudo sair do bairro para outro em que não houvesse tantas cigarras. Porque as do Grajáu, ah, eram copiosas. E boas cigarras que eram, rebentavam de cantar não apenas na hora clássica do crepúsculo, mas também em plena madrugada quente! A lembrança de ouvi-las às 2 da manhã é indelével.

Neste ponto, e em outros muitos, o Ingá não me desaponta. A cigarrada por aqui é onipresente e, tal qual as de lá, recusa-se à cantoria da hora costumeira apenas (mas que é a hora que mais dói), ciciando de dar gosto pela manhã, principalmente por volta das 10.

As do museu são tão absurdamente loquazes (lembrai-vos da Cecília que queria, como elas, morrer de cantar) que sobrepujam amiúde a música (sempre alta, a me estourar os tímpanos) que me vem do fones de ouvido.

Daí a ideia de escrever um Concerto para elas. Em Sol Maior, claro.

Montemos a orquestra, que as cigarras já temos:

Rafinha tocará harpa.
Giulia, violão.

Alguém mais se habilita?

(Ah, Dante eu e ensaiaremos as cigarras)

Sunday, December 20, 2009

O coco do Valdecir

Tutuca e eu sempre paramos no Valdecir para um coco. O coco aqui tem estilo, personalidade, guardanapo, cestinha, banquinhos, a simpatia do Valdecir e de sua cadela gorda e preguiçosa, brisa, uma sinfonia de cigarras e, claro, a vista.

Era 996 e chovia


Quinta passada, dia 17, foi aniversário da mãe, então a ideia era dar uma passada no Grajaú antes de ir ao show do Flor de Loto. Problema foi que me atrasei, custei a sair de casa e daí, dentre as várias opções possíveis (703, barca), creio ter escolhido a pior delas: 996 e depois táxi.

Tão logo entrei no ônibus percebi que os passageiros evitavam os lugares preferidos, mesmo em uma cidade perigosa: as janelas. Pudera, chovia nos assentos dos cantos! O sistema de ar condicionado gerava pingos e fios d'água que encharcavam os bancos! Pequeno prenúncio do torozão que ainda estava por vir do lado de fora do ônibus.

Consegui assento no corredor, mas, no que o ônibus vai enchendo aos poucos, mesmo os assentos sujeitos a chuvas e trovoadas são tomados, embora eu gentilmente avisasse aos que vinham se sentar do meu lado: "Ó, tá chovendo...".

Quando o ônibus está para pegar a ponte, foi o que se vê na foto: abrem-se guarda-chuvas! E começam a tocar "La Valse D'Amélie", do Yann Tiersen, no acordeão! Palmas estalam por todo o veículo. Eu e a passageira do lado (que, sim, está levando pingos na cabeça) começamos a conversar ("Pode isso?" "Bem, se até em Paris tem" "Pelo menos não é funk" "Nem hip-hop"). Ela é Roberta, uma... antropóloga, que trabalha no Viva Rio e vai tentar o doutorado em breve. Não hesito: conto-lhe acerca das minhas muitas antropologices amadoras pelo sertões de Goiás e pelas praias (quando as havia) do Ceará...

Então é isso: chove no ônibus, tocam Amélie Poulain e ao meu lado descubro uma antropóloga.
It's not every day, that's what they'd say...

Friday, December 18, 2009

TPA

Neste exato momento, são 23:25, sofro de tensão pré-aniversário. Dante completa um ano amanhã. Se começo a pensar, fico realmente confuso. O melhor é não pensar?

Tutuca Miguilim




Não sei se sabem, ele mesmo finge não saber, mas Tutuca terá que usar óculos. Não é nada fácil convencer isso a um infante ainda tão quente de útero. Na foto, ele parece resignado, não? Mas o que ele gosta mesmo é de tirar os óculos da cara, esteja onde estiver. No início, usamos uma corrente-molinha para prender o dito cujo em seu rosto, e daí ele tinha certa dificuldade em tirar. Hoje adotamos o stopper, cujo significado para mesmo no nome, já que os óculos não param na cara. Com este stopper, ele tira os oclinhos com uma tranquilidade de gente grande, um charme só.

Fizemos os óculos na Ótica Ana Paula, na Galeria Condor, no Largo da Machado. Uma história muito interessante, a da ótica Ana Paula. Ela tem um sobrinho com Síndrome de Down, o João. Desde muito pequeno, perceberam que ele necessitava de óculos. A primeira oftalmo, no entanto, negou, disse que sua visão era normal. Como a família insistiu, acabou levando-o à Andréia Zin, que viria a ser a oftalmo do Dante mais de dez anos depois, que detectou.... doze graus de miopia. A tia Ana Paula ficou tão cismada com aquilo que descobriu sua vocação: largou seu trabalho e investiu em ótica. Para crianças. Hoje a única especializada em nosso estado. As fotos das crianças são de sua ótica, o que mostra que Dantuca estará em muito boa companhia de crianças lindas e cheias de vida. Se ele aceitar os óculos, é claro.

Tem que ter PS: a ótica fica na Galeria das esfihas, este o nome verdadeiro, o Condor é só para impressionar Castro Alves. E a esfiha, the one and only, é a da Pizzaria Oriental, que não serve pizza, e sim impagáveis esfihas engorduradas. O vulgo parece preferir a "Rotisseria Sírio-Libanesa", muito maior, mais formal, mais limpa. Não troco a Pizzaria Oriental por nada.

Friday, December 11, 2009

Nick, Árvores & Ingratidão


De certo modo, este post é continuação (prometida) daquele sobre o Nick.

Nick Drake é, hoje, referência incontornável no mundo dos singer-songwriters. Sem fazer muita pesquisa, cito de cabeça aqueles normalmente lembrados como influenciados por ele: Ray Lamontagne, José González, Elliott Smith, Jack Johnson, Fionn Regan, Bon Iver, Alexi Murdoch. Destes, acho que o Jack não tem nada a ver com o Nick, quase o mesmo acontecendo com o Ray. O Elliott Smith é notável, mas tem um lado meio punk de todo ausente em Nick.

Alexi Murdoch, o mais "recente" do grupo, tem um timbre de voz muito semelhante e ótimas canções. Tem um disco só, Time without Consequence, mas já fez a trilha-sonora do Away We Go, filme do Sam Mendes que deve chegar por aqui em fevereiro de 2010.

O Andrew Bird e o Damien Rice, que nem botei na lista, são os melhores, mas suas canções são cada vez menos folk.

O José González, com os discos In Our Nature e Veneer, também é o melhor e, este sim, carrega na alma o ethos nickdrakeano. José González é genial.

Porém o mais interessante disso tudo é que toda essa enorme influência do Nick não poderia ter sido jamais imaginada por ele, por sua família, por seus esparsos conhecidos, por seu pequeno público. Nick passou a carreira quase que inteiramente despercebido. Já completamente desiludido, ele deixou as fitas masters do Fruit Tree na portaria da gravadora e se mandou. Como quiseram dar-lhe mais uma chance, ele gravou o disco em apenas duas sessões, da meia-noite às duas da manhã. Imaginem o frio e o silêncio do estúdio. Este frio e este silêncio ouvem-se nas canções, ainda que sua voz aveludada nos traga certo calor.

Depois deste disco ele percebeu que nada mais tinha a fazer neste mundo.

Foi só em 1999, depois que a música "Pink Moon" apareceu num comercial da Volkswagen, que o sucesso veio. Com o reconhecimento, seus discos passaram a vender. E hoje todos querem ser Nick. Mesmo os que não querem têm que lidar com sua figura, in a way or another.

Já usei a palavra "interessante", então direi que o mais incrível nisso tudo é que ele próprio já previra esse sucesso póstumo na canção "Fruit Tree", a penúltima do Five Leaves Left.

"Fame is but a fruit tree, so very unsound
It can never flourish till its stalk in in the ground
So men of fame can never find a way
till time has flown far from their dying day."

O refrão perfeito:

"Forgotten while you're here, remembered for a while
a much updated ruin from a much outdated style."

E a assombrosa última estrofe:
"Fruit tree, fruit tree, no one knows you but the rain and the air
Don't you worry, they'll stand and stare when you're gone
Fruit tree, fruit tree, open your eyes to another year
They'll all know that you were here when you're gone."

E como palavra puxa palavra, esta solitária fuit tree me traz à mente uma outra árvore, A Árvore Generosa, belíssima tristíssima história de Shel Silverstein. Gostava de contá-la em 1991, para a turma do Arthur, da Julia Pelajo, Julia Dornelles, Juliane, Antonio Manoel, Rafinha (que tudo ouvia), Carol, Alice, Alicinha, quando eu trabalhava no Tabladinho. Contava até eles, que tinham quatro anos, chorarem. O Arthur, levadíssimo espertíssimo, fazia biquinho e coçava os olhos, dizia que tinha entrado cisco. Nunca me esqueci dessa história, mas o livro se perdeu ou o deixei como legado na escolinha. Foi só bem recentemente que o nome do livro (este sim eu esquecera) me veio cristalino numa manhã de sexta. Chequei na Estante Virtual, o próprio. Descobri edição nova pela Cosac Naify, com a mesma tradução do Fernando Sabino e com as mesmas ilustrações.

A história, naturalmente, permite diversas leituras. É fácil ver no menino representação exemplar da ingratidão, mas essas facilidade não retira dessa leitura sua validade. O menino é um ingrato, ao menos salva-o (será?) o fato de que ele permance menino por toda a narrativa, mesmo quando já se tornou um velhinho curvado com dentes fracos demais para maçãs (que a árvore, ao final apenas um toco, já não tinha). Essa leitura de que o menino não cresce encontra suporte nas palavras mesmas da árvore: "Venha, Menino, depresa, sente-se em mim e descanse." e nas do narrador, em sua visão-com a árvore: "Foi o que o menino fez".

Exigir que o menino tenha seu momento epifânico como King Lear (afinal, o maior relato já escrito sobre ingratidão) é pedir demais de um menino, mesmo porque a história acaba e não nos parece razoável imaginar o que aconteceria em páginas náo escritas.

E a árvore, que tampouco é uma Cordelia (again, Shakespeare), apenas cumpre seu destino. Ela é aquela mulher sem nome do conto "Death in the Woods", do Sherwood Anderson.

Não pensem que leio apenas Drummond, mas não há como fugir desses versos:

"Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão."

Ah, o livro é dedicado a um... Nick.

E este blog o que é? (É ladrão de muié?)

Este blog nasceu com a finalidade muito clara de relatar meus passos em Goa, daí o nome. Serviu para tal? Sim, sim, bem até, inclusive pessoas pouco ou nada afeitas a estas linguagens passaram a drop by eventualmente para ver o que fazia este aqui lá na costa do Malabar. Falo de meu pai e de minha mãe.
Depois vieram outras viagens: Alemanha, Goa novamente, Escandinávia, e este já se tornara um blog de viagens.
Quando Dantuca nasceu, achei por bem continuar usando este espaço para dele falar, já que Dante era / é uma viagem, a por tanto adiada, a mais fascinante.
Hoje, percebo, o blog tornou-se um pout-porri de temas, nem sempre interligados. Viagem viagem ainda não houve outra; viagem Dante, sim, e é esta a função principal do espaço. Como gosto demais de sons, eventualmente trato de música e músicos. Cheguei a criar um blog específico para este fim (o progressiva-mente), mas logo me dei conta de que era melhor um bloguinho gordinho do que dois macilentos. E quando falo de Nick Drake, de Turid, de Moon Safari, tenho a pretensão (a palavra é esta, o escritor, mesmo o blogueiro, é um pretensioso) de que os leitores interessados em notícias do Dante (leitores estes que não iriam acessar um blog especializado como o progressiva-mente) fiquem também levemente interessados.
E assim vamos: Dante, música, experiências, cotidiano, poesia, cervejas, teaching, árvores, culinária: tudo são viagens, que a vida, enfim, num magoa.

Wednesday, December 09, 2009

Going Indian for a Change


But if I could it wouldn't be a change, for I'd go Indian every day!

Foi Lúcia que me chamou ontem à noite para falar da comida de hoje. Claro que o curry, insuperavelmente aromático, eu já sentira pela casa. Ela queria era saber se servia com arroz integral mesmo ou com batatas. Falei-lhe da abundância de amido e que o arroz ideal seria o basmati, que eu tentaria comprar mas nem tentei. Ficamos com o frango ao curry, arroz integral e batatinhas um-dois-três (e mais espinafre e feijão, nos quais nem toquei). Rosana, que tem nos regalado com visitas às quartas, não falhou e se fartou conosco.

Do almoço indiano tirei dois pretextos: Pilsen gelada e lupulada e uma visita à banquinha do Seu Cláudio, um sujeito engraçado que passa os sete dias da semana na esquina da Presidente Pedreira com a Nilo Peçanha descascando laranjas. Poi zé, uma breve visita mostra que nem só de laranjas vive Seu Cláudio, pois que em sua birosca ao ar livre comprei pimentas dedo-de-moça e doce de jaca (somos entusiastas de sobremesas leves).

Tuesday, December 08, 2009

Carrinho-Fantasma ou As Monções estão chegando

Vejam isso, um carrinho-fantasma! Não fossem aqueles pezinhos internacionalmente conhecidos, talvez o anonimato pudesse mesmo ser mantido.
Eh, ontem fizemos breve passeio eu e Ana com o Dantuca quando a chuva nos colheu em cheio! E ele dormia, pobrezinho! E volta pra casa ligeiro, com o carrinho assim todo coberto. Ao pararmos na porta da padaria da esquina, à espera de que o sinal fechasse, a mãe mete a cara carrinho adentro para ver como está o pequeno e ele, já acordado pelo sacolejo da corrida e pelos pingos, está com uma cara de "Enfim, vocês podem me explicar o que está acontecendo?".

Monday, December 07, 2009

Aquele inglês triste de Burma


É-me difícil escrever / falar sobre Nick Drake, mas como hoje eu o ouvi um bocado, não custa tentar.

Mesmo assim, dada a dificuldade, vou começar citando Tom Verlaine (e olha que este entendia do riscado): "You know, Nick Drake was the very best of all".

Claro que aí entra a questão do gosto, sempre pessoal e intransferível (e por isso mesmo passível de discussões), mas que este inglês pernalta triste, nascido em Burma (!) em 1948, escreveu canções belíssimas, dentre as mais belas do vasto repertório dos singer-songwriters, isto é fato, ou algo próximo a isso.

Dos seus três álbuns apenas (ele deixou este mundo triste aos 26 anos), recomendo em especial o primeiro, Five Leaves Left, de 1969, e o terceiro, Pink Moon, de 1972. Parece que parte da crítica exalta mesmo é o segundo, o Bryter Later, que eu acho um tanto estragado por uma produção que o queria jazz, algo que Nick definitivamente não era. Essa produção / superprodução também tenta estragar um pouco algumas canções do Five Leaves, com orquestrações pesadas e edulcoradas, mas a voz e o violão do Nick felizmente falam mais alto. No último, deixaram-no no estúdio como ele era no mundo: sozinho. O resultado é um punhado de canções descascadas e pungentes. Ouvi-las é como mergulhar numa piscina vazia.

É difícil falar em Nick, é difícil falar em canção preferida do Nick, mas esta bem que podia ser a assombrosa "Fruit Tree", tanto que sobre ela escreverei post em separado.

Saturday, December 05, 2009

O sogro que não tive


O sogro que não tive era um labrego minhoto farrista. É fácil reconhecê-lo na foto, ele tem nas mãos uma caneca, como Vinícius tinha seu cachorro enlatado.
O sogro que não tive veio dar no Brasil fugindo das insanas guerras coloniais portuguesas. Queria namorar e beber. E trabalhar. Tudo, menos morrer pelo mapa cor-de-rosa idiota do Salazar. O sogro que não tive ganha meu terceiro ponto aí. (O segundo ganhou ao ter a caneca em mãos. O primeiro, por ter tido filha tão linda.)

Este sogro foi rejeitado pela sogra, pirralho e duro que era, mas soube reverter a situação, conquistando o coração da moça.

O sogro que não tive... como teria recebido o genro? Já me perguntei tantas vezes. Com este sogro eu teria feito farras, subido ao terraço de Pendotiba para ver balões (fosse junho), ouvir cigarras (fosse dezembro).
O sogro que não tive foi o pai que mulher e cunhado não tiveram, mas não vejam aqui qualquer tom de crítica, mesmo porque seria tolo (além de minha habitual tolice) criticar um homem que não escolhe (escolhe?) voltar ao verdes prados minhotos que só há no céu e que me traz à mente versos de Drummond que eu julgava esquecidos:
OS MORTOS DE SOBRECASACA
Havia a um canto da sala um álbum de fotografias intoleráveis,
alto de muitos metros e velho de infinitos minutos,
em que todos se debruçavam
na alegria de zombar dos mortos de sobrecasaca.
Um verme principiou a roer as sobrecasacas indiferentes
e roeu as páginas, as dedicatórias e mesmo a poeira dos retratos.
Só não roeu o imortal soluço da vida que rebentava
que rebentava daquelas páginas.

Meu reino por uma Pratinha



Renata, madrinha do Dante e leitora deste blog, manda e-mail dizendo que se lembrou de mim ao rememorar sua experiência num pub escocês. É sempre assim, um dia acostumo, a galera só lembra de mim quando o papo é bebida, pouco adianta eu gostar também de Prokofiev, Harmonium, Sándor Márai, Vargas Llosa, cigarras, Kieslowski. Mas é claro que gostei da lembrança: I LOVE PUBS! E aproveitei o ensejo para rememorar também as cervejas escocesas.

Quando estive na Escócia, em 1o de janeiro de 2007, tive a oportunidade de provar sua cerveja com urzes, isto é, heather. Ou será o contrário?: heather, isto é, urzes? Enfim, provei, re-provei e aprovei, porque uma preciosidade destas só se encontra mesmo na terra do Nessie. O Stevenson (sim, aquele do médico e do monstro e que também foi parar no Pacífico) escreveu um poema para esta cerveja, simplesmente chamado "Heather Ale", por aí avaliem. Reza o folclore, numa terra que o tem em grande conta, que seria ela invenção dos Picts. Não sei. Na dúvida, quando encontro, bebo.

E eis que descubro que aqui, em terras tupi-guaranis, já foi feita também uma cerveja com urzes! Cruzes! Muy apropriadamente denominada "Scottish Ale", a bichinha é criação / representação da Cervejaria Colorado, o que não causa espanto nenhum.