Friday, November 30, 2012

O Marido da Cabelereira



Não bastasse ser O Marido da Cabelereira (1990) o mais bonito filme de Patrice Leconte e um dos mais belos da história do cinema, a trilha é ainda do Michael Nyman. Covardia, não? E nem é só o Mike, é ele e música árabe da melhor qualidade.

Lembro-me de quando estive na Tunísia. Ao pisar os pés em casa, antes mesmo de fechar a porta ou examinar os whiskies adquiridos no freeshop, tive que colocar uma dessas músicas árabes para tocar (no caso, "Wadana").

A cabelereira (Anna Galienna) é linda, doce e sensual. Mas impagável mesmo é o seu marido (Jean Rochefort). E ele enquanto menino.

A dobradinha Leconte-Nyman começara no ano anterior, com o também perturbador Monsieur Hire. Infelizmente a trilha deste jamais foi lançada. E infelizmente a colaboração entre os dois resume-se, até onde sei, a estes dois filmes.

Ah morrer assim, nos auges do amor de modo a  fugir à ferrugem...





Thursday, November 29, 2012

A última da tribo



A ÚLTIMA DA TRIBO

Com o que então te dizes  surpresa ao ouvir tua voz gravada. Uma voz de criança, estranhamento.

Uma experiência: tocaram certa vez para uma índia velha, última sobrevivente da tribo, sua própria voz gravada.
Sua própria voz de língua que com ela desapareceria para sempre.
A velha índia há anos já não tinha com quem conversar. Ao menos na língua da tribo.
A índia velha dá saltos, grita, ri, chora, vocifera, voz e fera, acalma-se, ouve.

Ah minha índia velha linda cuja voz me alimenta noites e dias, também eu me espanto ao te ouvir.
És também a última da tribo?
Cansei de bancar o antropólogo, outside looking in,
me deixa passar para o outro lado, o teu lado, fazer a travessia,
para nunca mais voltar.
Me deixa ser o Lance de Apocalypse Now,
pintar minha cara, dar as costas para tudo.
Me deixa ficar ao lado da tua voz.

Fermentemos nosso cauim.

Wednesday, November 28, 2012

Gambá Gamboa




GAMBÁ GAMBOA

Agora tem televisão no meu ônibus Charitas-Gávea-Charitas e, embora eu seja inimigo declarado de televisão há pelo menos 44 anos, e ainda que eu francamente prefira, seja ida ou volta, dormir, ler, ouvir música, corrigir testes ou simplesmente contemplar paisagens e gentes que se descortinam ante minhas retinas fatigadas, televisão tem algo de hipnótico e não raro meus olhos caem sobre a tela.

Menos mal que não é televisão aberta, normal, mas uma tal de bustv. Veja, só, segmentação é isso aí.

Vira e mexe aparecem matérias interessantes e tem um programa em especial que me faz cócegas: "Nosso Português é Brasileiro". Rá! Apesar do título, a abordagem do sujeito, um tal de Professor Agnaldo, é a mais fechada, prescritiva, gramaticoide possível. Estilo Pasquale.

No início da semana ele discorreu sobre o presente do subjuntivo do verbo "ser". O objetivo, claro, era espinafrar o uso do "seje", pois ele concluía afirmando "Seje não existe".

Tá bom, "seje" não existe. Mas então aquilo que muitas pessoas falam é o quê? Na boa, como se pode falar algo que não existe? Isso não dá uma aura de poder, tipo falar o nome verdadeiro de Deus oculto na Cabala?  Ou: imagino-me entrando numa loja de carros pedindo para ver um modelo. Quando o solícito vendedor perguntar qual, responto ligeiro" "Um que não existe" (Ou exista, epa!).

Mas hoje ele se superou, porque hoje ele veio ensinar a forma feminina correta de "gambá". Prescritivo como ele só, terminava "Tem gente aí que fala gamboa, mas gamboa não existe!" Caraca, então tem muita gente aí falando gamboa?!?!! Morria e não sabia! Me encantaria conhecer essas pessoas, puxar uma prosa, assuntar qualquer coisa. E Professor Agnaldo concluía: "Não digam gamboa", como quem adverte que bebida e direção não combinam ou que se use camisinha. Rárárá. E não eram nem 7 da madrugada.

Poxa, e eu tinha acabado de usar gamboa no terceto final de um soneto bobo:

e teria meu boteco na Gamboa
vestido de azulejos bisotados
e em cada um teu rosto desenhado.

Agora, depois do Professor Agnaldo, corrigindo:

e teria meu boteco na Gambá Fêmea
vestido de azulejos bisotados
e em cada um teu rosto desenhado.

PS: By the way, a história de eu entrar numa loja de carros é mero exemplo. Prefiro bustv a carros.
Assim seje.

Monday, November 26, 2012

The Virgin Suicides - A Trilha



Lost in Translation é um filme tão idiota que não tive gana alguma de assistir a Marie Antoniette ou Somewhere.

Mas The Virgin Suicides (aqui traduzido por As Virgens Suicidas, vejam que o inglês fala de coisa bem diferente...) é um filme poderoso, inesquecível, arrepiante e, sim, por que não?, lindo. Aqui, sim, Sofia Coppola revela-se filha do peixe.

Mas quero é falar da trilha.

Aqui esconde-se um dos álbuns mais recheados de mellotron de que tenho notícia. Sim, coloque-o lado a lado com o Morte Macabre, com o Spring, com o Änglagård

A trilha é do Air, que ninguém chamaria de rock progressivo, por elástico que seja o termo. Eles fazem eletrônica, ambiente. Mas se a alguém vier o clichê de "frio": sim, frio e cortante como lâmina afiada.

E há também guitarras, bateria (também não eletrônica), baixo e violão, voz.

A canção final, "Suicide Underground", com uma voz eletronicamente modificada a explicar o enredo do filme, isto é, aquelas cinco meninas reprimidas lindas que se matam - todas as cinco, é de fazer peixe pular do aquário.

(E me lembra, embora sonicamente bem distinto, Raul Cortez narrando no final da igualmete belíssima trilha de Lavoura Arcaica)



Friday, November 23, 2012

A Minha Casa de Porão Alto

A MINHA CASA DE PORÃO ALTO

A minha casa de porão alto
ardeu ontem à noite.
Minha casa de porão alto
namoro diário de longe
pela janela do ônibus.
Tanta vez pensei penetrá-la
pela frente pelos fundos
por chaminés inexistentes.
Eterna eu a cria
com sua cantaria
seus azulejos
e seu muxarabi.
E seus porões altos,
leões de chácara
postados vigilantes
porões tão altos
tão pouco porões
indignos talvez do nome.
A cria eterna
a mim enterraria.
Qual, lambeu ontem
não só a madeira das folhas
mas toda a cantaria
muxarabi
e porões altos.
O serviço das chamas
profissa dir-se-ia.

Nesta manhã um vácuo
amanhã um estacionamento
em seguida, espigão.

OU FADA VERDE (OCTETO)

 
 
OU FADA VERDE (OCTETO)

Antes de te conhecer, te perdi
mas antes de perder, juro, parti
em mil pedaços essa gema de platina
que aninhas em teus olhos de felina.

Se recorro à poesia em hora desta
é para melhor confundir o que te sinto
Chega de docinho, docinho, vem
passa ligeiro a garrafa de absinto.

Thursday, November 22, 2012

Botequins Constantemente Amanhecendo

A combinação de azulejos bicolor azul-rosa está longe de ser das mais frequentes, motivo de enorme consternação para mim e Rixa.

Quando nos pegamos com ganas de chorar sem motivos aparentes, não é depressão não senhor, que isso não pega na gente, mas é, sim, por causa dessa baixíssima ocorrência desses azulejos que ora denomino "constantemente amanhecendo".

Quem atopar com boteco assim, por favor, escreva para a minha caixa postal.

Café e Bar Almara - Praça da Bandeira

Café e Bar Tomáz Rebelo - Estácio

Café e Bar Lamas Rivera - Vasco da Gama


E o poema da Adélia:

Uma ocasião,

meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.


Tuesday, November 20, 2012

Aaj Mera Jee Karda - Hoje Meu Coração Deseja



Quando assisti a Casamento à Indiana (tradução algo apelativa, como sempre, do tão mais bonito nome Monsoon Wedding) pela primeira vez, não gostei muito. Final de tarde no cinema da UFF. Mas saí triste porque chegaria em casa e não poderia ouvir novamente a música linda do final.

Depois reassisti ao filme, tenho o DVD inclusive, e o acho lindo. Memorável mesmo, em alguns momentos. As atuações, bem, isso aqui é Bollywood.

Tenho duas versões da trilha, uma delas comprada lá mesmo, não no Punjab, mas na minha loja de Cds favorita de Goa, a Raga and Rock.  A trilha sublinha o filme de perto: nada de clichês, nada de macumba para turista. É Índia velha em contato e conflito com a nova..Tem trechos de filmes antigos em hindi, tem gazeis urdus, e tem muita música eletrônica frenética. Eu desgosto dessa música eletrônica frenética, mas aqui no contexto fica bonito bagaray.

Como o filme é recheado de música (é casamento, gente!), tem uma penca de trilha-sonora incidental,de que tratei no posto sobre O Quarto do Filho.

E tem "Aaj Mera Jee Karda", a música do primeiro parágrafo.

O vídeo que postei não traz esse hino de alegria completo. Mas tem o mérito de mostrar, logo no início, as lindas cenas da câmera caseira de Mira Nair nas ruas de Nova Délhi. Um dos meus trechos preferidos.

Vejam como chove, vejam como chove demais.






Monday, November 19, 2012

É próprio da ferrugem


É PRÓPRIO DA FERRUGEM


Isso foi antes da ferrugem
estes sorrisos
estralando a manhã
esta música
ecoando pelos quartos
adentrando as peles.

É próprio da ferrugem primeiro devorar o ferro
É próprio da ferrugem - uma dama - primeiro bater ao portão

E logo a mansuetude dos encontros
logo todo gesto de carne torna-se
pasto para os
dentes da oxidação inexorável.

Darling, be home soon...

 
 
Li há um tempão por aí que qualquer enciclopédia de rock só poderia ser levada a sério a partir do momento em que checássemos a inclusão do Slade.

Ou seja, era perversamente ambíguo: não dava pra saber se a enciclopédia só poderia ser levada sério se incluísse ou excluísse o Slade. Assino embaixo.

Nos anos de 1981-82 ninguém - NINGUÉM - amou o Slade como eu e meu irmão, ao menos aqui no Brasil.

A banda, expert em fazer rockers hipercomerciais, teve seus Alive I e II. Ambos clássicos.

No I havia a notória "música do arroto". Pena ter ficado conhecida assim. É que os palhaços achavam que tinham que dar um toque slade à música tão linda do John Sebastian. Não o digo com rancor: a versão deles é antológica. A que posto, sem arroto, tem o uivo inicial do Noddy Holder, tão pouco John Sebastian, tão Slade.

E isso sim será um "cover".

Não é pouco: o próprio Sebastian a cantou em Woodstock. Um tal de Joe Cocker a incluiu no repertório.

A letra do John Sebastiam é linda de morrer e de doer:

(For the great relief of having you to talk to}

DARLING BE HOME SOON

Come
And talk of all the things we did today
Here
And laugh about our funny little ways
While we have a few minutes to breathe
Then I know that it's time you must leave

But darling be home soon
I couldn't bear to wait an extra minute if you dawdled
My darling be home soon
It's not just these few hours but I've been waiting since I toddled
For the great relief of having you to talk to

And now
A quarter of my life is almost past
I think I've come to see myself at last
And I see that the time spent confused
Was the time that I spent without you
And I feel myself in bloom

So darling be home soon
I couldn't bear to wait an extra minute if you dawdled
My darling be home soon
It's not just these few hours but I've been waiting since I toddled
For the great relief of having you to talk to

Darling be home soon
I couldn't bear to wait an extra minute if you dawdled
My darling be home soon
It's not just these few hours but I've been waiting since I toddled
For the great relief of having you to talk to

Go
And beat your crazy head against the sky
Try
And see beyond the houses and your eyes
It's ok to shoot the moon

So darling
My darling be home soon
I couldn't bear to wait an extra minute if you dawdled
My darling be home soon
It's not just these few hours but I've been waiting since I toddled
For the great relief of having you to talk to

Sunday, November 18, 2012

I want to tell you - Hey, George, que obra-prima




Tenho aqui um livro bonitão só sobre o George, capa dura, lançado pouco depois de seu encantamento: Harrison, by the editors of Rolling Stone.

Mais lá pro final tem um capítulo chamado "The Stories behind the Songs", em que várias de suas composições, Beatles e solo years, são analisadas e contextualizadas. Mais adiante, um outro capítulo, "25 Essential Harrison Performances", faz algo semelhante, mas com composições de John e Paul também. O foco, claro, recai sobre a participação do quiet Beatle.

Soberbos, escritos com verve e paixão (os caras são, meu português falha aqui, realmente opinionated, pro bem e pro mal), os textos, no entanto, não dão atenção a esta obra-prima e uma das minhas favoritas, e não apenas do George, nem apenas dos Beatles, nem apenas do rock, mas de toda a história da música ocidental, que atende pelo nome de "I want to tell you".

Talvez seja lamentável que ela esteja escondida como quinta faixa do lado B. Mas, convenhamos, George já conseguira não apenas emplacar a primeira do lado A ("Taxman", de que falo aqui), como, pela primeira vez, incluir três músicas em um disco dos Beatles.

Talvez esteja aqui a melhor percussão do Ringo. Tem um piano nervoso do Paul, criando uma atmosfera dissonante. Tem os quatro batendo palmas. E tem a letra maravilhosa, sublime do George. God.

Eu repito isso em momentos de júbilo ou quase: "I don't mind / I could wait forever / I've got time".

E tudo isso em 2 minutos e meio.


I WANT TO TELL YOU

I want to tell you
My head is filled with things to say
When you're here
All those words they seem to slip away

When I get near you
The games begin to drag me down
It's all right
I'll make you maybe next time around

But if I seem to act unkind
It's only me, it's not my mind
That is confusing things

I want to tell you
I feel hung up and I don't know why
I don't mind
I could wait forever, I've got time

Sometimes I wish I knew you well
Then I could speak my mind and tell you
Maybe you'd understand

I want to tell you
I feel hung up and I don't know why
I don't mind
I could wait forever, I've got time
I've got time
I've got time

Por que machucaste justamente aquele? - Marillion



Gustavo, você se lembra dos nossos tempos do Ummagumma? Teve um dia em que postei um tópico tratando do mais lindo trecho de toda a hitstória do rock progressivo (de "Epitaph", do King Crimson, de 3:58 a 5:15) e aí respondiam coisas como "Eu não acho" ou, pior, "Mas isso é subjetivo, né, Evandro?" e eu replicava aos lepdópteros que não, que era objetivo como os besourinhos dos olhos da amada.

É que há outro trecho desses, Gustavo, desta feita em "The Great Escape", do Brave, precisamente de 3:34  a 4:10. Localiza aí, é bem o momento da passagem de "Last of You" para "Fallin' from the Moon". Veja como lembra um outro momento, do final de The Wall, em que uma pena flutua pelo céu. Aquilo me confundia muito quando eu assistia ao filme no cinema e aquilo me confunde até hoje.

Então é isso, meu amigo. E não bastara a lindeza deste trecho (a orquestração, veja só, é do Darryl Way), ele está ainda entre versos tão simples e bonitos que beiram a estupidez.

O final de "The Last of You":

Why did you hurt the very one?
Why did you hurt the very one that you should have protected?

e o começo de "Fallin'":

"Don't ask me why I'm doing this
You wouldn't understand".


E, claro que você não perguntará nada. Porque você entende já. Abraço e bom domingo.

Saturday, November 17, 2012

O que veste tua voz?



O QUE VESTE TUA VOZ?


O que veste tua voz?
O que lhe empresta esses contornos
de névoa e sonho?

 O que roreja
sobre as sílabas
(paina)
que pingam sobre as sílabas
formando a substância de tua fala?
(mel e aveia)

(E em seu interior
enroscam-se outras vozes
como a polifonia
dos olhos dum gato)


Friday, November 16, 2012

O Peso Insuportável dessas Lágrimas




O PESO INSUPORTÁVEL DESSAS LÁGRIMAS

O peso insuportável dessas lágrimas
verga-te o rosto para o chão escuro.
Assim te quedas, vergado, dorido,
lágrimas: a memória dos dias idos,
carne-viva que friccionas com dedos
e com palavras, versos, as lembranças
são os ratos famintos que te invadem
quando aqui fora tudo era orgiástico
e celebratório.

Ratos famintos que tu alimentas
a ponto de tornarem-se insaciáveis.

(Assim te quedas e assim te quero:
vergado, bêbado, uma criança, mas
homem. De pé em meio aos espantalhos.)

Dino Buzzati, Mestre



Ainda que goste um bocado dos seus romances O Deserto do Tártaros e Um Amor (talvez mais absurdo, a começar pelo título, que uma fortaleza encravada no meio da nada aguardando inimigos que nunca chegarão) e embora eu goste imenso de seu infantil La famosa invasione degli orsi in Sicilia, incluindo as ilustrações do próprio, foi com as narrativas curtas que Dino Buzzati me conquistou.

E aí falamos de As Montanhas são Proibidas, As Noite Difíceis, Naquele Exato Momento. No primeiro, 25 contos; no segundo 51, no terceiro, 156 "contos". Aspas para explicar os fragmentos, anotações, parábolas, poemas em prosa. O primeiro texto de Naquele Exato Momento, por exemplo, tem apenas 7 linhas.

Textos por vezes desabridamente simbólicos, amiúde filosóficos / metafísicos, mas é raro que Dino, finíssimo observador, pese a mão.

"A Grande Faxina" é daqueles que carrego no coração para sempre. Graças a ele entendi uma coisa que eu não conseguia entender na vida.

O  SILÊNCIO  DOS  ANIMAIS

Finalmente viu-se um pouco de luz. O amanhecer. Pulei da cama e olhei para fora: bonito dia. Chamei o cachorro Gufo: "Vamos, Gufo", disse, "temos que estar às oito horas na passagem, assim a veremos quando chegar." Gufo sacudiu a cabeça, bocejando. Pusemo-nos a caminho.

À sombra de uma grande árvore, Gufo estava sentado com as patas dianteiras bem retas e fixava, com gigantesca seriedade, a estrada que subia entre os bosques. Era verão.  Ouvi-se o barulho do ônibus chegando. Depois apareceu, azul, e ao sol os cromados brilharam.

"Você a está vendo?", perguntei. Ele levantou as orelhas e não se moveu. O ônibus já estava perto. Parou na passagem. Eu já compreendera. "Vamos!", disse a Gufo. "Ela deve ter perdido o ônibus, chegará à tarde."

Já eram quatro horas. Nuvens brancas como odres estavam reunidas entre dois mil e dois mil e quinhentos metros: e o vento as impelia. Viajando assim, suas sombras corriam sobre os bosques. "Gufo, Gufo, você que sente as coisas de longe, acha que ela chegará?" O cão, imóvel, olhava os tourniquets desertos.

O último raio palpitou, sobre os picos extremos, depois se apagou. "Gufo, vamos?" O cão, que dormia, levantou-se e seguiu-me com a cabeça baixa.

Todos já tinham ido dormir. No pátio, a lâmpada suspensa oscilava um pouco ao vento, e com seu balanço, as sombras das cadeiras vazias se alongavam, encurtavam, se alongavam. "Gufo", disse, só para romper o silêncio. Pouco depois repeti: "Gufo". Ele me olhou, com os lábios caídos como festões de chocolate derretido. Parecia um bispo. "Gufo, você não diz nada?" Continuou a olhar-me, mudo. Durante todo o interminável dia, não dissera uma palavra.

Thursday, November 15, 2012

Alunos que Escrevem Haikais





Se trabalhar poesia com alunos pode ser traumático (para ambos os lados e em qualquer nível), pedir-lhes que escrevam poemas poderá sê-lo ainda mais.

Mas como não devemos ter medos de traumas e como logo na descida da ponte agora tem o INTO grandão, boto a galera para escrever haikais. Ou haiku, se preferirem.

Tema único: as amendoeiras do pátio.

Os que descem a rampa cuspindo raivas rosnando que não conseguirão são aqueles que, passados 15-20 minutos, apresentam-me 5 ou 6 haikais.

Para júblio das amendoeiras.

Pequena mostra da produção deste ano.

Hey, my bird
just come and see:
the same shy almond tree. 
(Julia F. Basho)

Poor pretty almond tree
so full of life
but not even free.
(Maria Clara Moritake)

Nothing's gonna stay
even the leaves
leave.
(Mariana Boncho)

Almond tree so quiet
talks louder than those
grey players.
(Lina Kikaku)

I saw an almond tree
crying
her last yellow tear.
(Stéphanie Onitsura)

A leaf leaps from the upper branch.
Another follows.
Romeo and Juliet.
(Doravne Fujiro Nakombi)

Outcoming newborn light
burst its colours
learning to fly.
(Isadora B. Yayu)

Almond tree
not only one
but three.
(Lucas Nuwanda Buson)

Almond tree
(Excuse me,
I need to pee)
(Amanda Taigu)

Under the almond tree
feeling lost
just you and me
(Julia A. Issa)

As I watch you getting green
Autumn whispers:
we meet again soon.
(Rafaella Shiki)

Green and so full of life
Will you help me
in this hard part of my time?
(Francisco Kyoshi)

Another summer, but still long I can tell
for you to be fallen cold and dead
Oh Almonds! My Almonds! Rise and feel their smell.
(Felipe Sokotsu)

I am like this almond tree
full of life
when you are with me.
(Izabelle Santoka)

The yellow we hardly see
the green came to me
Summer, have you arrived?
(Camila Hosai)

Almond tree, I like your shadows
just like your almonds
fresh.
(João Victor Seisensui)

Free fallin'
the almonds
so far.
(Thiago Soseki)

Generally we can see
but as strike stroke us
we missed the fruit of the almond tree.
(Gabriel Akitagawa)

There the trees
full of almonds
But I ate the plums.
(Fukuda Chiyo-ny)

Big big almond tree
grows and hopes and dreams
I stopped long ago.
(Sarah Gayu)

Almond tree
very pretty and
the almond flower is sweet.
(Isadora M. Engetsu)

Wednesday, November 14, 2012

Psicoterapia Indústria & Comércio



Luna sabia que Adélia precisava de terapeutas, não só os fisio. Mas como era difícil acertar com os psi.

Houve uma, indicação, claro, que Luna achou legal. O preço, naturalmente, salgado: 150 reais por 45 minutos. Duas vezes por semana. Mês: 1200 reais. Quase o preço da escola. E, para mais parecido com escola ser: em caso de falta, a sessão é cobrada do mesmo jeito.

Luna reclama, não tem essa grana toda. (Qual o público alvo da psicoterapeuta: magistrados? políticos? globais? jogadores de futebol dos grandes clubes? Então, a psicoterapeuta toda riponga e incensos quer uma clientela bem selecionada. Quem não puder, se foda, vai pro SUS.) Luna regateia, a terapeuta acede: meu preço não baixo, mas deixo então uma sessão de cortesia. Assim, 8 sessões: 600 pau.

Razoável, Luna aceita. Mas Adélia às vezes dorme de tarde. E vêm as febres. E vem o horário de verão, desestabilizador. Adélia falta a muitas sessões. A terapeuta chama Adélia no cantinho: "Olha, ela tá faltando muito, então acho que o melhor vai ser cortar a sessão de cortesia".

Luna não entende a lógica, argumenta. A psicóloga (psi-có-lo-ga) não ouve. Gosta de falar, não é chegada a ouvir. Uma pessoa como todos nós. Chega a dizer: "Ora, mas eu sou uma profissional!"

Engraçado, né? Como ser profissional não pudesse abarcar ser generoso, ser humano. E ninguém está pedindo caridade.

De modo que no momento Adélia está sem psicoterapeuta.

Tuesday, November 13, 2012

Happy Birthday, Neil! - If I could have her tonight



Hoje é aniversário do Neil, Neil Young, nascido há exatos 67 anos em Toronto.

Como (evoé Picasso!) leva-se muito tempo para tornar-se jovem, creio que Neil tá chegando lá.

Ou será ele mesmo precoce, Young desde as penugens. Seu primeiro álbum (um de meus preferidos ever) prova-o.

Este primeiro disco lindo, que termina com a épica "Last Trip to Tulsa" e tem de quebra um quarteto de cordas ("String Quartet from Whiskey Boot Hill").

E tem "If I could have her tonight". Antigamente se estreiava assim.

By the way, disco lançado em outro 12/11. Mas de 68. Magic year.

PS: post com um diazinho de atraso.




IF I COULD HAVE HER TONIGHT

All of a sudden she
was on my mind
I wasn't ready for her kind
And she was taking her time.

What if she came to me
Would she be kind?
And if she stayed with me
Do you think that
she'd like to do anything
I would, or would she leave me?

Lately I've found myself
losing my mind
Knowing how badly I need her
It's something hard to find.

What if she came to me
Would she be kind?
And if she stayed with me
Do you think that she'd
like to do anything
I would, or would she leave me?

If I could have her tonight
Does she want to go?
Look at those eyes
Does she want it?
If I could have her tonight

If I could have her tonight
If I could have her tonight.







Monday, November 12, 2012

Aqui esse



Uma das pragas a assolar boa parte da poesia contemporânea é o trocadilho. Poesia se faz mais com palavras do que com ideias, è vero, mas daí a limitá-la a um verso final com aquele trocadilho "genial" é fueda.

O próprio Gilberto Mendonça Teles, que prefaciou meu Taipa, fez questão de dizer em público que meu "Bia" era ruim.

BIA

Avelã
Ave lã
Ave lúdica
Aveludada
Ah, vê-la!...

Talvez ele tenha razão, mas à época houve quem gostasse e, detalhe importante, não foi uma pessoa só.

Por que digo o próprio Gilberto? Ora, porque voltei à sua poesia há alguns meses. Ele é poeta de grandes recursos, mas hoje, passados 18 anos do Taipa, acho que... ele abusa do trocadilho!

Talvez estivesse ele então em mecanismo de transferência? Não sei. Sei que escrevi outro na mesma linha.

Não há-de entrar em livro. Mas se calhar alegra um e outro.


Aqui s
aqui o
aqui s
aquiesce
aquece
aqui esse
que te ama.

+++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++++


PS: percebem que os três primeiros versos fazem sos.

SOS   SOS    SOS   SOS   SOS 

Sunday, November 11, 2012

Esquecer que Existes



esquecer que existes
                        esquecer

para de súbito lembrar
o susto
ao erguer a perna para vingar o degrau
ao correr para pegar a barca
ao lavar aos olhos nas nuvens da noite

o susto ao lembrar

pupilas dilatadas na pele
só porque existes
e lembro

so i don't feel alone
on the weight of the stone

(any fool knows a dog needs a home)

Wednesday, November 07, 2012

Viagens Interditas - Madredeus



Parece piada escarninha, mesquinha, ordinária, black humour, practical joke, dizer que sou apaixonado pelas músicas instrumentais do Madredeus.

Porque fica parecendo algo do tipo Porque nelas não tem a voz...

Ora, imagina se eu diria isso, eu que amo a Teresa e tenho foto dela em parede aqui de casa.

Mas sou apaixonado pelas músicas intrumentais do Madredeus. E, oras, amo o Pedro também. E jamais me esquecerei do Madredeus primeiro: ela, ele, o Rodrigo, o Gabriel, o Francisco. No Convento de Xabregas.

Procurei "A Península" para uma amiga. Debalde. Segue, daquela (deu vontade de falar galego), "Viagens Interditas", do Ainda.

Igualmente.


Meu Bem, Estivesse Dia Claro... : Grande Sertão: Veredas



Da coleção de primeiras edições autografadas merece destaque, claro, o Grande Sertão: Veredas, comprado em 4 de junho de 1991 no Sebo Dantes, quando ainda em Ipanema.

O preço de 100 dólares era o meu salário exato como professor / recreador do Tabladinho. O livro estava já reservado para mim (não tinha eu conta em banco, cheques, à época) e na véspera tive sono agitado.

Quando peguei o Grande Sertão para enfim ler não foi obviamente esta edição, inda mais porque levei para o Ceará e Brasília em mítica viagem de janeiro de 1992. Não se leva uma primeira edição autografada em mochila. Levei a quarta, em que podia sublinhar e anotar nas margens à vontade.

Li tanto na rede do Felipe Barroso que em meus sonhos eu falava tal qual o Riobaldo.

Escolher trecho preferido aqui é muito perigoso, impossível mesmo. A passagem final, quando Riobaldo descobre, dói demais:

Diadorim era mulher como o sol não acende a água do rio Urucúia, como eu solucei meu desespero.... Mas aqueles olhos eu beijei, e as faces, a boca... E eu não sabia por que nome chamar; eu exclamei me doendo:

- "Meu amor!..."

Mas hoje fico com o Tatarana, em desesperos e confusões de amor, se revelando, para logo levar uma senhora reprimenda de Diadorim:

 E tudo impossível. Três-tantos impossível, que eu descuidei, e falei: - ...Meu bem, estivesse dia claro, e eu pudesse espiar a cor de seus olhos... -; o disse, vagável num esquecimento, assim como estivesse pensando somente, modo se diz um verso.


E agora está escuro aqui em casa.  Fosse dia claro...

Monday, November 05, 2012

Noneto





NONETO


Enquanto durmo fico mais cansado
se não te sonho me vem a exaustão
Quando em vigília tenho-te ao meu lado
em pensamento, na palma da mão.
Tá, amor é lençol amarrotado
mas é também ferrugem, cuspe e chão.
Assim findo o noneto em ado e ão.
E assim acaba o dia, inacabado.
(Diga, querida: estou cansado ou não?)

Sunday, November 04, 2012

Recordações da Casa dos Mortos - a Ópera de Janácek




Esta é uma ópera do Janácek que comprei em Praga, já não lembro se dezembro de 1999 ou janeiro de 2000 porque lá fiquei muitos dias. Mas... só fui abri-la agora, nesta semana que passou.

Não sei se influenciado por algo que li no Otto Maria Carpeaux,  sua A História da Música Ocidental, em que ele diz que essa é a ópera mais "pesada" do mundo, algo assim, não sei. Eu nem tenho medo de música pesada, pelo contrário. Mas a verdade é que a caixinha ficou lacrada por anos aqui em casa. Aliás, casas, pois se mudou de casa a outra. Lacrada.

Li Recordações da Casa dos Mortos, do Dosta, em temporada no Caraça. Ora, assim é mole (dirão), mas tem que ser assim. Toda manhã me sentava no banco do pátio, lia as tragédias siberianas e podia lavar meus olhos nas serras mineiras. Sobrevivi mole.

Gosto, sem amar, de óperas do Janácek. Gosto de Jenufa, gosto da Raposinha. Esta, no entanto, pareceu-me superiror em muitos aspectos.

Mas ouvi apenas os dois primeiros atos. Não passarão outros doze anos até eu ouvir o resto, prometo.

By the way, a introdução é linda. Nada, nada de pesado.

Saturday, November 03, 2012

Devo dizer que te amo todo dia?





Devo dizer que te amo todo dia?
Melhor não, vai que acostumas
vai que um dia de dores de cabeça
esqueço, e o paraíso negarias?

Esta relevantíssima questão
trago à família, que me desaprova.
Poeta, poeta, põe os pés no chão
Não vês que isso é coisa de paixão nova?

Eu indago aos amigos do boteco
estes seres que, ao beber, tudo sabem
e neles cabem certezas de excessos.

Junto ao garçom, um outro sabichão:
"Doido? Isso se diz uma vez por ano".

Fodam-se todos, ouve, amor: te amo.

Os Gatos de Ana




Ganhei de presente outro dia um poema da Ana. A Ana Cristina César. Depois descobri tratar-se de um soneto, um soneto disfarçado, mal disfarçado, que essa geração não queria saber de sonetos, ou queria, mas cumpria disfarçar essse querer. Não conheço sonetos do Francisco Alvim nem do Armando. Já o Tite de Lemos, bem, o Tite foi aquilo que se viu: um dos meus mestres soneteiros, macaco de auditório que sou.

Depois, pesquisando um pouquim, descubro outro soneto mal disfaraçdo da moça que usava lentes escuríssimas sob os pilotis. Esse mal disfarçado mesmo, ao citar o Jorge.

Quado digo disfarces, não estou absolutamente diminuindo em nada os poemas. Ambos são lindos. E sobre gatos. Arrisco dizer que Ana queria e não queria o rigor. Mas tudo foi tão rápido para ela.

(E o que fazer ao ganhar poema de Ana? Na confusão, respondo com o que tenho às mãos, alegres: "Encontro", do Montale.)


O nome do gato assegura minha vigília

O nome do gato assegura minha vigília
e morde meu pulso distraído
finjo escrever gato, digo: pupilas, focinhos
e patas emergentes. Mas onde repousa

o nome, ataque e fingimento,
estou ameaçada e repetida
e antecipada pela espreita meio adormecida
do gato que riscaste por te preceder e

perder em traços a visão contígua
de coisa que surge aos saltos
no tempo, ameaçando de morte
a própria forma ameaçada do desenho
e o gato transcrito que antes era
marca do meu rosto, garra no meu seio.

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queres gato: tira do teu ventre

morno medida de tua garra,
o formato e as unhas te fazendo,
tuas certezas, teu único sonho, botas e

cobertas que também desfazem teu salto
e se apronta para sobrevoar o campo alheio
e se lançar meio tigre sobre as marcas
que não sabes nem sabes repousar, e os gemidos

de fome em gato não ouças, mas vive
os cantos da casa e os pêlos amedrontados
e a ameaça acordando o nome gasto

e se deita depois num lento revirar ignorado,
torna a escrita e o desenho que ressonam
desconhecidos traços te seguindo.

[d’après Jorge de Lima - Invenção de Orfeu I, XVIII]

Friday, November 02, 2012

Sylvia Plath Reads



Assim como um compositor regendo sua própria obra  não é garantia da melhor interpretação, na verdade nem mesmo de uma boa interpretação, nem sempre um poeta lê bem os seus poemas.

Na literatura norte-americana, não gosto da leitura de Frost, nem da de e. e. cummings nem da do Ginsberg.

Mas Sylvia Plath lendo "Daddy" e "The Applicant" é simplesmente assombroso. Dois poemas já perturbadores ganham fortes matizes de sarcasmo e contundência.

Never mind the images (though interesting sometimes). Focus on the words. And the voice.


PS: Segredo, talvez dois: leio estes poemas com meus alunos. Numa ocasião, em que eu propusera que cada um lesse uma estrofe de "Daddy" em voz alta, a aluna responsável pela última se engasga, mal conseguindo ler o verso final. Não é mole. Em outra ocasião, eu tinha colocado a Sylvia para ler. Tão logo ela termina, uma aluna exclama: "My father!"  (!!!!)




DADDY


You do not do, you do not do
Any more, black shoe
In which I have lived like a foot
For thirty years, poor and white,
Barely daring to breathe or Achoo.

Daddy, I have had to kill you.
You died before I had time ----
Marble-heavy, a bag full of God,
Ghastly statue with one gray toe
Big as a Frisco seal

And a head in the freakish Atlantic
Where it pours bean green over blue
In the waters off the beautiful Nauset.
I used to pray to recover you.
Ach, du.

In the German tongue, in the Polish town
Scraped flat by the roller
Of wars, wars, wars.
But the name of the town is common.
My Polack friend

Says there are a dozen or two.
So I never could tell where you
Put your foot, your root,
I never could talk to you.
The tongue stuck in my jaw.

It stuck in a barb wire snare.
Ich, ich, ich, ich,
I could hardly speak.
I thought every German was you.
And the language obscene

An engine, an engine,
Chuffing me off like a Jew.
A Jew to Dachau, Auschwitz, Belsen.
I began to talk like a Jew.
I think I may well be a Jew.

The snows of the Tyrol, the clear beer of Vienna
Are not very pure or true.
With my gypsy ancestress and my weird luck
And my Taroc pack and my Taroc pack
I may be a bit of a Jew.

I have always been scared of you,
With your Luftwaffe, your gobbledygoo.
And your neat mustache
And your Aryan eye, bright blue.
Panzer-man, panzer-man, O You ----

Not God but a swastika
So black no sky could squeak through.
Every woman adores a Fascist,
The boot in the face, the brute
Brute heart of a brute like you.

You stand at the blackboard, daddy,
In the picture I have of you,
A cleft in your chin instead of your foot
But no less a devil for that, no not
Any less the black man who

Bit my pretty red heart in two.
I was ten when they buried you.
At twenty I tried to die
And get back, back, back to you.
I thought even the bones would do.

But they pulled me out of the sack,
And they stuck me together with glue.
And then I knew what to do.
I made a model of you,
A man in black with a Meinkampf look

And a love of the rack and the screw.
And I said I do, I do.
So daddy, I'm finally through.
The black telephone's off at the root,
The voices just can't worm through.

If I've killed one man, I've killed two ----
The vampire who said he was you
And drank my blood for a year,
Seven years, if you want to know.
Daddy, you can lie back now.

There's a stake in your fat black heart
And the villagers never liked you.
They are dancing and stamping on you.
They always knew it was you.
Daddy, daddy, you bastard, I'm through.

THE APPLICANT


First, are you our sort of a person?
Do you wear
A glass eye, false teeth or a crutch,
A brace or a hook,
Rubber breasts or a rubber crotch,

Stitches to show something's missing? No, no? Then
How can we give you a thing?
Stop crying.
Open your hand.
Empty? Empty. Here is a hand

To fill it and willing
To bring teacups and roll away headaches
And do whatever you tell it.
Will you marry it?
It is guaranteed

To thumb shut your eyes at the end
And dissolve of sorrow.
We make new stock from the salt.
I notice you are stark naked.
How about this suit----

Black and stiff, but not a bad fit.
Will you marry it?
It is waterproof, shatterproof, proof
Against fire and bombs through the roof.
Believe me, they'll bury you in it.

Now your head, excuse me, is empty.
I have the ticket for that.
Come here, sweetie, out of the closet.
Well, what do you think of that ?
Naked as paper to start

But in twenty-five years she'll be silver,
In fifty, gold.
A living doll, everywhere you look.
It can sew, it can cook,
It can talk, talk , talk.

It works, there is nothing wrong with it.
You have a hole, it's a poultice.
You have an eye, it's an image.
My boy, it's your last resort.
Will you marry it, marry it, marry it.

Thursday, November 01, 2012

O Ministério da Saúde Adverte




O MINISTÉRIO DA SAÚDE ADVERTE

O Ministério da Saúde adverte:
cuidado precaução cautela com
teus olhos e tudo o que deles verte:
luz dardos besourinhos aconchego.
Não sei que faço então, se passo ao largo
ou se cerro os meus para os teus não ver.
É tudo em vão, se mesmo sob as pálpebras
se mesmo em árvores, paredes, brisa
mesmo na superfície de outras faces
rostos antigos das rotinas ásperas
ou novos em instantes tão fugazes
são teus olhos ainda que estou a ver.
      Cuidado, garota, que vou dar parte
      desses olhos que estão em toda a parte.


Graça



GRAÇA


pensei fosse um saco voando
um saco plástico branco voando
eu miguelava os olhos
e só via o saco

achei graça
nas circunvoluções
olha, quase
parou na antena



era uma garça


metáfora da minha vida?