Monday, August 31, 2015

Na Sala com Astrid



Não não, "Na Sala com Astrid" não é novo pograma de TV que nunca irá ao ar a partir desta quarta-feira. É que revi a poeta Astrid Cabral, que eu conhecera em Chicago em 1986. Lá, na Windy City, frequentei sua casa. Depois tornei a visitá-la no Rio e depois ainda em Brasília.

Passados mais de vinte anos, torno a rever essa mulher encantadora. O post sobre a visita virá em breve. Este aqui é só para falar da sala, onde ela nos recebeu e onde ela, Camila e eu conversamos por boa parte da manhã de agosto.

Não é só pela sala linda dar de frente para o Parque Guinle. Não é só pela sala ser linda. É que nela descobrimos personagens que habitam poemas do Afonso Félix de Sousa, poeta da Geração de 45, de quem Astrid foi companheira por 45 anos. O avoengo e sóbrio e imponente relógio goiano. A gravura de Chagall original.

A linda litografia de Chagall assinada aparece em "Das Escrituras - III ou Termo em que se Ajusta um Lugar ao Sol (ou à Sombra) na Cidade de São Sebastião", último poema do livro Álbum do Rio (1964), lindo e leve todo em octossílabos com rimas nos versos pares que recentemente me inspirou o "Termo em que se Ajusta um Lugar ao Sol nesta Mui Leal Cidade" (aqui), em que repito a estrutura e mesmo alguns versos do Afonso. Pus a epígrafe "E fica ajustado que o bairro" de modo a sinalizar o intertexto. No poema do Afonso e no meu, nada mais que o ditado "Quem casa quer casa", melhor se preenchida pela poesia. Cito as duas primeiras estrofes e a sexta, em que se faz a referência ao Chagall::

E fica ajustado que o bairro
é o bairro de Santa Teresa
e são três quartos e uma sala
bem no meio da natureza

E fica ajustado que a rua
só morre onde nasce uma fonte
a fim de que lembrem que a morte
é mesmo o início de uma ponte

(...)

E fica ajustado que a sala
terá um Chagall na parede
para se a paisagem for pouco
os olhos matarem a sede

Aliás, eu já fizera menção a esse Chagall da Astrid e Afonso num post aqui do blog sobre o Nilton Bravo (ver aqui).

O imponente relógio aparece em "Relógio da Família", do livro seguinte, Chão Básico e Itinerário Leste (1975). Trata-se de poema em decassílabos brancos em que se evidenciam a transmissão material do bem -- o relógio mesmo goiano -- e a angústia pela passagem inexorável do tempo. Relógio e poeta se entreolham e este sabe que seu dia também chegará.

Ê -- vem como quem diz -- E agora? E agora? --
desde as brumas do século passado
até este momento -- agora, agora --
E ele enche o espaço, e a casa e os seus espaços
com secos tiquetaques e indiscretas
batidas, que vai dando e repetindo
-- E agora? Agora.

O mesmo relógio ressurge no poema XXI de À Beira do teu Corpo (ver aqui), a bela e dorida trenodia escrita para seu filho (meu amigo em Chicago) Giles, que precocemente partiu. O relógio, implacável como deus assírio no poema anterior, é aqui domado pelo menino, espécie de menino impossível. Cito o poema em sua inteireza ::

Talvez porque o relógio, coluna sobranceira na sala,
desse a impressão de ser o verdadeiro dono da casa,
ou porque proviesse de vagos bisavós cujos fantasmas
percorrem nosso sangue e nos guiam de algum modo os passos,
ou porque marcasse os segundos em agudos tique-taques,
lembrando-nos a cada instante sermos escravos do tempo
e que o tempo passa e num ponto do tempo a morte nos espreita,
ou fosse apenas porque suas batidas lhe roubassem o sono,
ele parava-o no meio da noite e, apaziguado, dormia.


Sunday, August 30, 2015

Mário, Rubem e João e o Bar Picote

Rubem Braga pintado por Dorival Caymmi


A caminho da linda exposição "O Rio de Mário, Rubem e João", na Mansão Figner no Flamengo, descubro horrorizado que o Bar Picote, um dos mais tradicionais da região, já não existe, virou loja de colchão.

Tenho muitas e boas lembranças do Picote. Muita vez sentei ali depois de comprar CDs de rock progressivo na Halley, loja que, claro, também já não há. Ali sentava para examinar as novas aquisições, ainda arrependido de ter deixado por lá alguma coisa, talvez pelo preço. Passados uns cinco chopes, uma empada e um pastel, ora, mas que sovinice, não está tão caro assim, e essa banda afinal é maravilhosa, e voltava correndo para comprar o CD. Lembro também que ali fiz o pit-stop antes do show do Caravan no Canecão, em 2004.

O Bar Picote já passara por reforma, não era daqueles conservados em formol, e isso me tranquilizava. Era o típico botequim de bairro, bairro da ZS, com mesas disputadíssimas nos fins de semana. O chope era honesto, as empadas e pasteis, idem. Apesar do movimento da Marquês de Abrantes, sentia-se bem ali.

O Bar Picote juntou-se ao Lisboeta, ao Paulistinha, ao Quinta de São Cristóvão (ver aqui), no céu dos botequins. Quem quiser pode agora andar até o Belmonte, o primeiro da rede, na praia, e pagar 85 reais na batata rosti.

Numa cidade dominada por drogarias, igrejas evangélicas, financeiras e lojas de colchão, que Mário Lago, que João Antonio, que Rubem Braga teremos?

Dois chope e um pastel, please



Saturday, August 29, 2015

Vila da Penha, Vila dos Botequins

Lanchonete Esplendor


Pequena seleção dos registros feitos na incursão à Vila da Penha.

Pela vez primeira saí de casa com mapa, gentilmente elaborado pelo ex-aluno (por três anos) e hoje amigo Daniel, morador de Vila Kosmos, bairro vizinho. Se não encontrei nenhum Nilton Bravo nem a combinação bicolor de azulejos, deparei-me com um monte de azulejos dos anos 70, com um monte de referências ao Vasco, dois botequins do que chamo de-todos-os-times (ver aqui), incluindo a maravilhosa coleção de copos do Rainha dos Caldos, cobogós, azulejos rabos-de-pavão (ver aqui), um Padim Ciço, a camisa do Carlos Alberto Torres autografada, um dono de boteco peruano, os Sãos Jorges de lei. Como cereja do bolo (ou azeitona da empada, ou gema do ovo colorido), a diretoria da Banda Raízes da Vila da Penha. E uma ótima acolhida no Bar do Fernando, no Alan Cardec e no já citado Rainha dos Caldos.

Caminhei tranquilo de Vicente de Carvalho até as franjas de Vista Alegre, que mui provavelmente será o próximo destino, embora a Vila da Penha ainda clame por retornos.

Bar Carecón

Bar do Gil

Bar do Fernando / Menino Jesus de Praga

idem

idem


Bar Rainha dos Caldos

idem




Café e Bar Delmar

Depósito de Bebidas Saint-Germain

Lanchonete Alan Cardec

Lanchonete Esplendor

Super mercadinho Nossa Senhora de Fátima

idem

Thursday, August 27, 2015

Termos em que se ajusta um lugar ao sol nesta Mui Leal Cidade



E fica ajustado que o bairro
Afonso Félix de Sousa 

E fica ajustado que o bairro
Será o bairro de eu menino
o bom e velho Grajaú
pois ninguém foge ao seu destino

E fica ajustado que a rua
sem o ser, tem nome de praça
sendo ponto final de ônibus
não é coisa de muita graça

Mas fica ajustado que o prédio
tem azulejos de Brennand
pernambucano visionário
que transforma a noite em manhã

E fica ajustado que a sala
bem como varanda e os dois quartos
dão para o Pico do Perdido
e desta visão não me farto

E não nos fartaremos nunca
(Papagaio também lhe chamam
Infinito pouso dos olhos
que atiça aqueles que amam)

Fica ajustado que as viagens
se derramarão nas paredes
que assim perpetuam memória
e assim nos fazem novas sedes

Fica ajustado que a cozinha
será o meu e o teu bazar
do curry à moqueca de ovo
do misto quente ao caviar

Fica ajustado que a varanda
será o playground das aves
cigarras são sempre bem-vindas
pra tornar o verão mais suave

Fica ajustado: leis e normas
não irão compor a paisagem
Faremos amor na cozinha
na sala picaremos vagem

Fica ajustado que o menino
irá ocupar todo o espaço
no escritório no chão no teto
irá ele deixar seu traço

Aqui termino. Quem quiser
venha pra cerveja ou café
Todo o referido é verdade
aqui certifico e dou fé.

Wednesday, August 26, 2015

Por isto temia :: acordar em meio à noite



por isto temia :: acordar em meio à noite
e lembrar que já não estás

eu que não tenho calmantes senão o talisker
e não tenho sonhos senão aqueles
que não resistem à vigília ou lucidez

toda noite deito com este temor
que se confirma implacável
acordar em meio à noite
e saber que já não estás
que amanhã não poderei atender a tua ligação
dizendo
Pizzaria Flor do Grajaú, boa noite
para ouvir teu sempre riso
ante a mesma piada de sempre
e que no fim da tarde não virás
ser a alegria do pequeno
e que depois não poderemos com a nossa cerveja
amaldiçoar juntos
todos os médicos do mundo

durante o dia desmonto tua casa
observado por ursos, corujas, elefantes e pinguins
trabalho lento interrompido pelos achados
a coleção de Havaianas de matar Imelda Marcos de inveja
os desenhos e bilhetes de filhos e netos
a coleção de cinzeiros de motel
as fotos impublicáveis
durante o dia
desmonto
e quisera ser Penélope
para voltar ainda à tua casa
que ainda é minha
e que ainda me habita

de que outro modo posso recriar
a tua solidão na minha?





Tuesday, August 25, 2015

Porque nem toda rua se chama Rua Sem Graça :: Esquinas (parte 6)



Ok, aceito que General Roca e Doutor Renato Rocco são dois nomes sem graça, com a jactância e a pompa típica dos nomes sem graça: militar de alta patente e doutor. 'Coisa de tijucano', diria um maldoso, mas, não, deixa quieto. Se entram aqui na série (ver também aqui e aqui) é porque nem todo dia vemos encontro de roucos assim. Pros incomodados, ao menos o consolo de que a conversa não vai incomodar muito.

No mais, o caiçara se encontra com os anajás numa casa de cor improvável em Vaz Lobo.

E Dona Luíza e Dona Emília, em casa pôr-do-sol em Inhaúma, fofocam que é uma beleza. Até a mais completa rouquidão.



Monday, August 24, 2015

As Árvores de Rai



Não é de hoje que o fotógrafo Raghu Rai, nascido em 1942 numa aldeia que hoje pertence ao Paquistão, se dedica a registrar a Índia. Seu projeto mais recente é dos mais nobres: árvores, sempre em composições muito interessantes.

O livro Trees pode ser comprado aqui.













Sunday, August 23, 2015

Vila da Penha ::: Quanta Coisa



Não confunda a obra-prima do mestre Picasso com a pica de aço do mestre-de-obra. Não confunda centavos novos com  sentar nos ovos e nem o cu com as calças. Não confunda, principalmente, Penha com Vila da Penha e com Penha Circular. Eu, grajauense, não me importo, mas eles, que são brancos, que se desentendem.

Explorei a da meio, a vila. A Penha penha e a circular ficam para breve. Andei de Vicente de Carvalho até chegar quase em Vista Alegre. Gostei muito do que vi. Um monte de santos nas platibandas, uma pá de vascaíno, a Rua da Coragem, a Rua da Justiça, a Rua da Inspiração, no Bar do Fernando (antigo Menino Jesus de Praga, o bar, não o Fernando) a diretoria da Banda Raízes da Vila da Penha, incluindo seu compositor de marchinhas. A Escola Grécia tem azulejos de Portinari, coisinha simples. O vendedor de empada toca seu cavaquinho defronte ao Bar Esplendor, todo ele azulejos rabo-de-pavão.

E, bien sûr, um bocado de botequins interessantíssimos. Mas isso já será outro post.