Sunday, July 27, 2014

Soneto para a Jaqueira. Com Estrambote



Dona Jaqueira, 120 anos
de serviços prestados ao Capão
pasto de pássaros pouso de micos
que dessedenta com seu verde pão
em seus galhos abrigam-se os amantes
que se comem como aves tagarelas
(olha esta velha árvore, mais bela
que as fadigas e as fomes do Bilac)
Dona Jaqueira, la vecchia signora
a quem apelidamos Mme. Jack
nela subimos com os nossos sonhos
infantis de um dia morar em árvore
e dela descemos desarvorados
mas não reproveis a nossa conduta
temos nas mãos nosso Jaqueira Sutra




PS: Este soneto cita, rasurando, o célebre "Velhas Árvores" do Olavo Bilac. Um belo soneto, que li para minha avó quando esta completou seus 80 anos mais ou menos vividos. Gente que diz que Bilac é difícil, acho tão facinho que enjoa.

João, Manuel e Joaquim ::: Os Poetas do Recife I

João (mais Joana)


Recife cuida melhor dos seus poetas que o Rio de Janeiro de seus escritores (ver, por exemplo, aqui). No Circuito da Poesia estão lá os esperados Manuel Bandeira e João Cabral, mas também os já não tão óbvios Mauro Mota, Carlos Pena Filho, Joaquim Cardozo e Ascenso Ferreira. E ainda aqueles poetas que não escreveram poemas, mas nem por isso :: Capiba, Luiz Gonzaga, Antonio Maria e Solano Trindade. A inclusão de Chico Science e Clarice Lispector é uma bola dentro e fortalece o time.

De quebra, fora do circuito oficial (quite appropriate), o maldito Augusto, de frente para a Ponte Buarque de Macedo, imortalizada em versos seus.

Aliás, a posição dos poetas parece ser sempre motivada: Clarice na praça onde morou menina, João junto ao Cão sem Plumas, o engenheiro Joaquim no local onde existiu a primeira ponte do Brasil.

Não visitamos todos eles. Fiquei especialmente triste por não apertar a mão e trocar palavras com o Carlos Pena Filho (a quem citei neste soneto), mas isso só motiva retornos.

Joaquim



Manuel





PS: O busto de Bandeira não é o do Circuito, mas o mais antigo, em frente à casa onde o Bardo morou na Rua da União.

Friday, July 25, 2014

Tropeçar em Carybé



Voltei a São Salvador numa época esquisita. Para vistar museus, uma lástima :: ou era segunda-feira, ou era feriado municipal (independência da Bahia!) ou era jogo do Brasil ou tinha jogo na cidade. E se o dia não era nada disso, ontem fora e amanhã seria, então fechava-se assim mesmo.

Uma pena. Atravessar a Ladeira da Vitória e não poder penetrar os seus museus.

Não contavam com minha astúcia. Num dia particularmente não, tentamos edifício onde, poucos dias atrás eu entrevira algo bonito do ônibus (ver aqui e aqui). Achei que merecia uma conferida.

Valeu.

Dois paineis a óleo do Carybé ali, de 1955, na entrada de prédio simples. Proibida a entrada fotografar nem fale. A alma lavada na têmpora daquele mar esmeralda.

E quem precisa de museus anyway? =)








Se eu dormir, deixa; se eu morrer, me acorda




Pequeno André é guia do Capão
que conhece como não conhecemos
filigranas da nossa própria mão
do alto dos seus bem vividos dez anos
conhece a mata o rio o cheiro o chão
nos guia por veredas cor de luz
nos guia pelas águas cor de ferro
Pequeno André pequenos pés descalços
trilha os desmundos do Capão seus erros
suas astúcias tanto mais revelam
que o caminho ditado pelos mapas
enfim chegamos e eu me deito aqui
nesta pedra me deito à beira à borda
se eu dormir, deixa; se eu morrer, me acorda

Thursday, July 24, 2014

Sonnets From the Vale do Capãoenses

Ivo e Maria


Jack Agüeros lançou Sonnets from the Puerto Ricans em 1996. A ideia era justamente fazer poemas sobre pessoas simples, que ordinariamente não receberiam poemas de ordinary que eram, a não ser claro que você estivesse apaixonado por elas.

O que não era bem o caso do Jack. Ou era, um modo diferente de amar. Sonetos porque ele quis usar uma forma 'clássica', para então criar um estranhamento :: a forma clássica para o trivial. O nome, claro, dialoga com o Sonnets from the Portuguese, da Elizabeth Barrett Browning (de quem, aliás, falei aqui).

Jack me inspirou. Prometi que desceria da jaqueira com dois livros, inda que embrionários :: um de adulto (Jaqueira Sutra), outro de poemas. Pois seja este algo como Sonnets from the Puerto Ricans, talvez Sonetos dos Habitantes do Capão.

Tenho já um para a Dona Helena, um para a Dona Maria, outro para o Salomão. Falta para o pequeno guia André, para o doceiro Ivo. E, claro, para a jaqueira.


1)
a Dona Helena faz pastel de jaca
com a mesma massa com que faz o pão
amassa os dentes da cansada faca
resgata a culinária do Capão
a Dona Helena mora na passagem
que leva os caminhantes pra Fumaça
adverte esperta à porta essa viagem
é muito longa desconheço raça
de gente que despreze um bom descanso
vem entra aqui demora um pedaço
que já te trago um pastel de jaca
vai ser do frito ou vai ser do assado?
Dois de cada :: e uma cerveja também
fique a Fumaça pra amanhã. Amém.

2)
Dona Maria inventou moqueca
de jaca coisa que ninguém mais faz
em todo o vasto Vale do Capão
a sua mãe de noventa e quatro anos
já soletra que o tempo é capaz
de tudo ela que tirou criança
para a luz ensurdecedora da
vida e ela que ainda puxa o terço
em português mestiço e latim terso
ora (direis) moqueca sabe a sal
e moqueca de jaca não existe
Dona Maria é cúmplice do vento
antes não tinha mas agora tem
a tradição é coisa que se inventa

3)
O sábio Salomão alberga as cores
nas retinas e passa pras paredes
e destas para os céus e para as árvores
Salomão vai pintando as suas sedes.
Salomão reina. O Vale do Capão
é fecundado pelos seus pinceis.
Com a hera exata e com o calango frio
disputa os muros deste vasto Vale
que ao ganhar suas tintas se despedem
de tudo aquilo que os batiza muros
já não fecham espaços :: antes cedem
não escondem tesouros :: compartilham.
Os muros se confundem com as nuvens
a resposta do tempo às ferrugens


Sonnet Substantially like the Words of Fulano Rodriguez One Position Ahead of Me on the Unemployment Line
 
It happens to me all the time/business
Goes up and down but I’m the yo-yo spun
Into the high speed trick called sleeping
Such as I am fast standing in this line now.
Maybe I am also a top, they too sleep
While standing, tightly twirling in place.
I wish I could step out and listen for
The sort of music that I must make.
But this is where the state celebrates its sport.
From cushioned chairs the agents turn your ample
Time against you through a box of lines.
Your string is both your leash and lash.
The faster you spin, the stiller you look.
There’s something to learn in that, but what?



Tuesday, July 22, 2014

Salomão Zalcbergas, pintor do Capão




O sábio Salomão alberga as cores
nas retinas e passa pras paredes
e destas para os céus e para as árvores
Salomão vai pintando as suas sedes.
Salomão reina. O Vale do Capão
é fecundado pelos seus pinceis.
Com a hera exata e com o calango frio
disputa os muros deste vasto Vale
que ao ganhar suas tintas se despedem
de tudo aquilo que os batiza muros
já não fecham espaços :: antes cedem
não escondem tesouros :: compartilham.
Os muros se confundem com as nuvens
a resposta do tempo às ferrugens



para a Pampi, plural de nuvens

Sunday, July 20, 2014

Pastel de Jaca, sim. Não duvidem



Houve quem duvidasse do pastel de jaca, relegando-o à condição de poetagem minha. Nada disso, tretarca, o pastel existe sim senhora, é tradição culinária viva de todo o Vale do Capão. Tão tradicional quanto o acarajé em Salvador.

Mas deve ser provado no Capão. Já provou você o acarajé do alto da Sé de Olinda? Esquecível. Ou inesquecível para se tornar dispensável. Horizonte Perdido, não pode sair de lá.

Isso serão poetagens, reconheço, mas é questão de terroir. Terroá, ótimo café. Mas isso já é para outro post.





O café

A Dona Helena faz pastel de jaca (Ou por que nunca se conheceu a Cachoeira da Fumaça)



a Dona Helena faz pastel de jaca
com a mesma massa com que faz o pão
amassa os dentes da cansada faca
resgata a culinária do Capão
a Dona Helena mora na passagem
que leva os caminhantes pra Fumaça
adverte esperta à porta essa viagem
é muito longa desconheço raça
de gente que despreze um bom descanso
vem entra aqui demora um pedaço
que já te trago um pastel de jaca
vai ser do frito ou vai ser do assado?
Dois de cada :: e uma cerveja também
fique a Fumaça pra amanhã. Amém.

Saturday, July 19, 2014

Gataria :: Fotos



Não foi só porque conheci lugarejo de nome Conceição dos Gatos. Nem porque em um dos lugares fiquei na Rua dos Gatos. Sempre tirei foto dos bichanos mesmo e nesta viagem não foi diferente.

Os salvadorenhos me pareceram ligeiramente preguiçosos, ao passo que o de Recife é muito atento, todo senhor de engenho e de si, um verdadeiro puma.

Mas o pulo do gato foi em Conceição.
 
 
Pelourinho

Pelourinho
 
Recife
 
Olinda

Conceição dos Gatos
 

Thursday, July 17, 2014

Soneto da Moqueca de Jaca (Ou Antes não tinha mas agora tem)



Dona Maria inventou moqueca
de jaca coisa que ninguém mais faz
em todo o vasto Vale do Capão
a sua mãe de noventa e quatro anos
já soletra que o tempo é capaz
de tudo ela que tirou criança
para a luz ensurdecedora da
vida e ela que ainda puxa o terço
em português mestiço e latim terso
ora (direis) moqueca sabe a sal
e moqueca de jaca não existe
Dona Maria é cúmplice do vento
antes não tinha mas agora tem
a tradição é coisa que se inventa




D. Maria com o marido, o doceiro Ivo

Dona França, mãe da Maria

Ora (direis), jacas!



Por seis dias e seis noites realizamos o sonho infantil de morar no alto de jaqueira centenária. Seis dias e seis noites trepando na jaqueira do Vale do Capão. Não fizemos da vecchia signora objeto de culto fitomórfico, antes tratamos a velha com intimidade, a ponto de usar seus galhos que se multiplicavam pelo quarto como varal.

Uma velha senhora reumática de 120 anos. Nas madrugadas de vento, como gemeu. Ao pé da cama crescia uma jaca. Demos sonoras cabeçadas nela ao nos levantar para as visitas noturnas ao banheiro. Porque não é toda noite que.... Depois acostumamos. Ou não. A jaqueira causa ainda estranhezas e na impossibilidade de transportá-la nas mochilas, trouxemo-la no coração.
 



 
PS bobinho :: Numa noite assistimos a uma comédia espanhola muito pueril com a Penélope Cruz. Filme que faturou Óscar de melhor estrangeiro. História de soldado desertor que cai em uma casa cheia de mulheres. A única coisa digna de lembrança ::: o soldadinho abandonou seu exército na cidade aragonesa de... Jaca. Então, tá.

Wednesday, July 16, 2014

Olinda ::: Pisos



Aos lugares bonitos vale a pena retornar muitas vezes, que sempre direcionamos o olhar para diferentes pontos. E somos surpreendidos de maneiras diferentes.

Eu já subira e descera ladeiras de Olinda, mais de duas vezes até.
Mas só agora reparo os pisos de azulejo hidráulico. Não só em igrejas, mas também em casas e restaurantes.









Tuesday, July 15, 2014

Gozando Junto IIIIIIIII


Mole (epa) gozar junto no Pelourinho, mormente se é Copa do Mundo, e no Farol da Barra, todo dia é dia foda-se a Fifa, tal a profusão de câmeras.

Mas acho que meu destaque aqui fica pras mãos que focam o anjo azul no claustro de Olinda. E pro pai amoroso que registra a filha na cachoeira do Capão. Sua câmera rosa, a saia rosa.
 

Farol da Barra :: Salvador

Farol da Barra :: Salvador

Pelourinho

Pelourinho

Pelourinho

Capão

Capão

Olinda

Chapada, Olinda ::: Botecos

Venda em Palmeiras-BA


Na Chapada Diamantina, em Olinda, Recife, Salvador, as dificuldades para encontrar botequins tradicionais são as mesmas do Sudeste. Botequins tradicionais conservados, bien sûr, isto é, que retenham elementos elencados aqui. Não foi menor a dificuldade em Fortaleza (post aqui e aqui).

A tese, portanto, de que a falta de poder econômico acaba causando a conservação treme em suas bases de barro. Assim como a galera entra no crediário das Casas Bahia para comprar aquela tela plana que ocupa toda a parede da sala, o dono de botequim penhora até os fios da barba para substituir o azulejo hidráulico e os cobogós pelas horrendas lajotas brancas que fazem dos botequins enfermarias.
 
Mas sempre se encontra aquela joia encravada. No Capão o Bar do Capão tem em suas pilastras e paredes externas afrescos do grande pintor local (embora paulista) Salomão Zalcbergas.

Descubro em Palmeiras (Chapada) vetusta venda conservada em formol, em que o forte são os itens de açougue. Em Palmeiras, ainda, no Bar do Lêlê, um vascaíno traz sua paixão no taco.

Em Recife, a Venda do Seu Vital mostra que Poço de Panela é mesmo uma cidade dentro da cidade. Inacreditável.

E em Olinda chove muito no Bar dos Quatro Cantos, reduto do Sport.

E a Bodega de Véio, a uns cinquenta passos, é dos melhores botequins-armazém. Misto de Armazém do Senado, Cardosão, Casa Paladino. Mas com folheto de cordel inda molhado do mimeógrafo. Vale a viagem. E na quinta-feira lota como carnaval.

Bar do Capão

Bar do Capão

Bar do Capão

Bar do Capão

Bar do Lêlê - Palmeiras
Venda do Seu Vital
Bar dos Quatro Cantos

Bar dos Quatro Cantos

 

Bodega de Véio (e todas as demais)