Saturday, July 31, 2021

Dona Traíra, Alagoas



 

Alagoas é um pequeno estado do tamanho do Haiti, pouco maior que o pequenino Sergipe, sua forma lembra a de um bumerangue. Disse-me (uma alagoana) que é o estado brasileiro com maior número de folguedos. Pode ser. Quando visitei em 1993, minha intenção principal era conhecer bangüês, o que de certo modo fiz em São Luiz do Quitunde e Porto Calvo. Desta vez meu objetivo era ir à praia com o Dante e tomar caldinho de sururu. E conhecer Dona Traíra.

Dona Traíra, née Maria Benedita dos Santos há 66 anos, mora em Poxim. Segundo ela, antes que o Poxim existisse. É ela quem organiza e mantém vivo o misterioso folguedo do Mané do Rosário, que só existe lá e que se apresenta no velho povoado na Festa de São José, orago da linda capelinha. Só a a capela já paga a visita a Poxim. 

Dona Traíra paga a viagem às Alagoas.

Gravamos três vídeos: no primeiro, explicando que não há cantos no Mané do Rosário, ensina as palavras que sempre diz ao final. No segundo fala da origem do seu nome. No terceiro, da origem do folguedo.

 


 






Thursday, July 29, 2021

Palmas para o Rock Progressivo IV

Enfim a quarta coletânea de palmas, uma seleção pra lá de variada, como sempre. A segunda e a terceira estão aqui.

 

Do ótimo Live at Sunrise Studio (1976) da suíça Kedama, temos bem ritmadas, muito percussivas. Tem estalar de dedos também!


Nas duas músicas de fatura folk desta obra-prima que é o Alturas de Macchu Picchu (1981), do Los Jaivas. As duas músicas que eu não gostava quando comprei o disco, back in 1985, e hoje amo tanto quanto "La Poderosa Muerte":


 


Esta linda balada do Claudio Fucci, que abre seu disco homônimo de 1974, também tem:


A lindíssima "Folk Song", que mais parece uma sinfonia, tem palmas lá nos 8'30''. Influências (1981), do Marco Antônio Araújo

Porcupine Tree nos mostra em "Trains", do soberbo In Absentia (2002), que as palmas no rock progressivo não se restringem ao século passado:


Dante, Chef Jonatas : Akuaba, estamos abertos

Quem resume muito bem o que é uma saída com filho autista é Luiz Fernando Vianna, quando constata ser "desgastante sair com seu filho para um passeio e se sentir alvo de olhares, nem todos generosos". Se num passeio, digamos, pelo calçadão, pode-se cruzar com um desses olhares pouco generosos e seguir adiante, sentar-se num restaurante pode ser bem mais difícil.

Embora Dante e eu já tenhamos o hábito de entrar em lanchonetes para um sorvete ou mate, as experiências em restaurantes, quando tentei uma refeição juntos, foram poucas e todas péssimas: ele numa de suas crises clássicas que não tem santo que dê jeito. 

Restaurantes normalmente são tidos como espaços sacralizados, onde uma refeição ganha contornos de missa ou de concerto de cravo. Se o celular da mesa vizinha pode deixar clientes mal-humorados, ruídos de crianças nem se fala. Seriam muitos olhares pouco generosos. Ainda mais porque o primeiro movimento é sempre o de considerar a criança mal educada, sem modos, o que divide esses olhares mortais como pistolas entre as crianças e seus pais, que não sabem controlar a prole.

A semana nas Alagoas trazia esse desafio: não seriam duas ou três, mas pelo menos oito idas a restaurantes, mesmo porque Camila e eu consideramos as refeições um dos pontos altos da viagem e não queríamos fosse diferente. Queríamos provar a melhor casquinha de siri do Brasil, o autêntico chiclete de camarão, ir a um Boa Lembrança, eu precisava voltar a tomar caldinhos de sururu, passados trinta anos. E Dante incluso.

Bem.

Os caldinhos de sururu estavam divinos (como pude esperar trinta anos?), a casquinha de siri do Massagueirinha é para comer rezando, o chiclete de camarão logo grudou-se à nossa memória e a experiência no Akuaba, restaurante afro-baiano aonde fomos para nosso pratinho da Boa Lembrança, já mora em nossos corações e não apenas pela moqueca deliciosa.

Dante sempre tem que conhecer o banheiro dos lugares. No Akuaba, no caminho deste estava a cozinha aberta, onde o chef Jonatas pilotava as panelas e finalizava a montagem de um prato. Dante gostou daquilo, sentou-se para ver, ainda mais porque tinha frigideira na jogada. Percebendo o interesse do pequeno, Jonatas perguntou-lhe o que ele gostava de comer. Dante respondeu-lhe em dantês: a mão esquerda batendo sobre a direita fechada. Traduzi: ovo. O chef então carinhosamente preparou-lhe dois. Para dois meninos fascinados. Não sei se foram os melhores ovos da vida para o Dante, foram os melhores ovos da vida do Dante para mim. Jonatas fez com que os ovos fossem acompanhados de purê, fez também com que tudo fosse cortesia. Voltamos para mesa e Dante devorou a refeição em um minuto.

Pode parecer exagero, deslumbre talvez. Trata-se de um pequeno ato enormemente significativo cuja mensagem é 'Venham, tragam seus filhos autistas, estamos abertos'. Para os autistas isso diz muito, para cuidadores que já decidiram não esconder esses pequenos no porão, também. Aliás, não por acaso 'akuaba' significa 'bem-vindo' em iorubá.

 


 




Wednesday, July 28, 2021

VIVENTES DAS ALAGOAS


 

Volto a Alagoas passados quase 30 anos, em viagem que trazia grande desafio, pois levei o Dante comigo. Disto -- viajar com o Dante -- falarei um pouco mais acima, em outras postagens. Esta quer apenas deixar o registro de alguns viventes que por lá encontrei, Dona Traíra o encontro mais perfeito e feliz.


Marechal Deodoro

Marechal Deodoro

Poxim

Poxim

Poxim

Poxim

Pontal do Coruripe

Praia do Francês

Pajuçara

Poxim



Saturday, July 17, 2021

O Progressivo num Estalar de Dedos

Já estava para fechar mais uma série de rock progressivo com palmas (exemplos aqui e aqui), quando me deu um estalo: se é pra falar de mão como instrumento, por que não juntar músicas com aquilo que é tão querido pelos métodos audiolinguais mundo afora, o estalar de dedos?

Num estalar de dedos, lembrei da Þursaflokkurinn, também conhecida como Hinn Íslenzki Þursaflokku, da minha querida Sigmund Snopek III e uma tal de Gentle Giant (em quem, aliás, o Þursaflokkurinn mais que bebeu, embebedou-se). 

 

Na música  "Frá Vesturheimi, do álbum Þursabit (1979) a gente acha que com aquele clima de baixo e pratos, lá pelos 3'30'', só cabia mesmo estalar de dedos.

Do idiossincrático Sigmund Snopek III, do disco Seas Seize Sees (1974), do qual só eu pareço gostar no Brasil, a música "Arrival Boogie" (0:46).

 


 

Não preciso nem dizer onde ficam os dedos em "Just the Same", música que abre o Free Hand (1975) do Gentle Giant. Também tem palmas ótimas



Não é prog, but (estalos misturados com palmas)




Thursday, July 01, 2021

O Miliciano era Corrupto


Cito sempre o Léxico Familiar, da Natália Ginsburg, um dos livros da minha vida por me ajudar a entender perplexidades

Minha vó Mira tinha uma frase que eu reconheceria na escuridão de uma gruta. Em meio a muitas outras vozes simultâneas. Ela, que era suave e doce, dizia às vezes áspera: "Ah, não!", quando indignada. Incorporei. Eu falo isso até hoje (falei hoje), todo dia


Então deixa eu pegar essa voz mais uma vez: "Ah, não!" Então o verme genocida misógino miliciano racista homofóbico classista era também.... corrupto?! Ah, não!


A Natália:

Somos cinco irmãos. Moramos em cidades diferentes, alguns de nós estão no exterior: e não nos correspondemos com frequência. Quando nos encontramos, podemos ser, um com o outro, indiferentes ou distraídos. Mas, entre nós, basta uma palavra. Basta uma palavra, uma frase: uma daquelas frases antigas, ouvidas e repetidas infinitas vezes, no tempo de nossa infância. Basta nos dizer: "Não viemos a Bergamo para nos divertir" ou "O que é que o ácido sulfídrico fede", para restabelecer de imediato nossas antigas relações, nossa infância e juventude, ligadas indissoluvelmente a essas frases, a essas palavras. Uma dessas frases ou palavras faria com que, nós irmãos, nos reconhecêssemos uns aos outros, na escuridão de uma gruta, entre milhões de pessoas. Essas frases são o nosso latim, o vocabulário de nossos tempos idos, são como os hieróglifos dos egípcios ou dos assírio-babilônicos, o testemunho de um núcleo vital que deixou de existir, mas que sobrevive em seus textos, salvos da fúria das águas, da corrupção do tempo. Essas frases são o fundamento de nossa unidade familiar, que subsistirá enquanto estivermos no mundo, recriando-se e ressuscitando nos mais diferentes pontos do planeta, quando um de nós disser -- Ilustre senhor Lipmann --, e logo ressoar em nossos ouvidos a voz impaciente de meu pai: -- Parem com essa história! Eu já ouvi isso mais de mil vezes!