Monday, March 27, 2017

Cachorra Rosa (de Sarna), de Elizabeth Bishop



Uma coincidência incrível um dia destes. Sentei-me aqui para postar alguma coisa sobre o poema "Pink Dog", da Elizabeth Bishop, mas antes, decido, como faço às vezes, dar uma espiada nos ótimos blogs que sigo. Pronto: no blog Escamandro, dou de cara com uma tradução recentíssima, ainda pingando tinta, do poema, feita pela Nina Rizzi. Mas será o Benedito? Explico.

Domingo retrasado, retornando de ônibus de Paraty, meus olhos cruzam com o Rio da Guarda, aquele afluente do Guandu onde, no começo dos anos 60, Carlos Lacerda gostava de afogar mendigos. Um crime bárbaro, que valeu ao político o epíteto de Mata-Mendigos. E Corvo. Por vezes, o Corvo Mata-Mendigos.

Lembrei-me de que no poderoso poema "Pink Dog", da Elizabeth Bishop, seu último publicado em vida e cuja gestação consumiu-lhe quase quinze anos, há uma referência a (mais) esse episódio brutal da história carioca / brasileira. Referência que, pelo que pude apurar em rápida pesquisa, os críticos norte-americanos deixaram passar.

No poema, num tom tão coloquial, tão matter-of-factly:

Didn't you know? It's been in all the papers,
to solve this problem, how they deal with beggars?
They take and throw them in the tidal river.

Para depois continuar o raciocínio: ora, se fazem isso com mendigos, sejam eles drogados, bêbados ou sóbrios, o que não farão com uma cachorra sarnenta? Cachorra sarnenta que acabou de parir??

O eu-lírico aconselha a cachorra que então vista sua 'fantasia' (assim mesmo, em português, para dar conta dos dois sentido da palavra: o sonho e a veste), pois, afinal, é carnaval!

Carnival is always wonderful!
A depilated dog would not look well.
Dress up! Dress up and dance at Carnival!

Difícil imaginar sarcasmo mais mordaz. Elizabeth, que tinha horror a "poemas políticos" é, aqui, mais política que todos os poetas da Revolução Sandinista.

E eu, de ordinário avesso a críticas biográficas, aqui compro a ideia de Regina Przybycien de que Bishop é também ela uma pink dog, mulher, estrangeira e lésbica, sempre à margem, principalmente depois da morte de Lota. E, gringa que foi no Leme, nunca teria a pele dourada de uma garota de Ipanema. O máximo que chegaria, under the blazing sun and the blue sky, é ao rosa. Que arde.

O poema, escrito em tercetos (outra ironia) e com rimas em AAA, BBB etc (outra ironia), já fora bem traduzido por Paulo Henriques Britto.

A tradução com a qual me deparei no blog segue outra linha. Linha, aliás, muito mais para Imitations, de Robert Lowell (porém ainda mais radical), num caminho oposto às próprias traduções feitas pela Bishop. Uma tradução também ela 'toda errada', toda pink dog, toda marginal, carnavalesca e medoñenta sob céu escaldante. Maravilhosa.

Tradução que pode ser lida aqui.

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