Sunday, January 31, 2010

Os sinos das igrejinhas distantes

Devido aos espasmos, ainda não de todo controlados, e devido à carga pesada de medicação, Dantinho não é mocinho de muitos sorrisos, de muitos risos e gargalhadas. Às vezes confundem isso, jocosamente ou não, com seriedade e/ou com, digamos, soberba. Dante sorriria pouco, responderia pouco aos afagos por ser... "metidinho". Não é nada disso, a razão já expliquei no começo deste parágrafo.

Pois (sor)rir pouco não significa seriedade muito menos antipatia. Muitíssimo pelo contrário: Dantuca é forte, alto astral, good vibes e de uma coragem que amiúde nos falta.

Às vezes ainda nos brinda, quando a barriguinha tá cheia, quando a noite foi boa e quando seu organismo permite, com algumas sessões de gargalhadas. Aí tocam os sinos das igrejinhas distantes, zumbem cigarras e besourinhos dos céus, aproximam-se porquinhos a fazer oinc-oinc, só eu não consigo acompanhá-los, pois meus olhos se enchem d'água.

Saturday, January 30, 2010

Shantalo, shantalas, shantalamos


Fiz o curso de shantala há muitos anos, não existiam blogs, não existia internet, acho que nem escrita nem roda existiam. Nas aulas todas as mães tinham seus bebês, a mim me deram um boneco de pano, que nunca reclamava se meus dedos erravam.

Os anos passaram e continuei sem bebês para fazer shantala, mas no Tabladinho fazia na molecada de 4 anos e eles simplesmente amavam, faziam fila. A Júlia Dornelles, em especial, era total entrega.

Verdade que eu fazia shantala também em outras mocinhas, bem maiorzinhas, em cujas costas nuas meus dedos erravam. Era um dos meus segredos de sedução, eu que bem poucos tenho. E verdade também que, depois, não era apenas nas costas.

Agora tenho meu bonequinho de verdade, não de pano mas de paina, que às vezes se rende à shantala. A isso chamam massagem, mas poderiam chamar também amamentação.
Não sei se sabem, mas Shantala era o nome da mulher, paralítica, que Leboyer flagrou massageando seu filhinho em alguma aldeia da Índia. Isso tem muitos anos, mas seu nome, seu legado e seu amor permanecem e se atualizam a cada momento em que em algum lugar deste mundão um bebê é massageado segundo seus métodos.

Thursday, January 28, 2010

AMARAMEI

O bom de blog é que blog não é livro. O blog tem seu rascunho, mas ele todo pode ser um grande rascunho. Claro que livros também podem ser rascunhos e minha vida mesmo não passa de um rascunho, para quê não sei já que não acredito em retornos.

Tudo isso para dizer que o poema que segue é, definitivamente, e muito mais que outros que por aqui postei, rascunho. Chama-se "Amaramei", de rascunho.

AMARAMEI

Amar, amei.
Se trago
coração e sexo macerados
é que tresli os sinais apresentados.

E mais treslera
mais houvera.

Mas no claro, no crocante, no fulgor
desta manhã
uma luz muito difusa penetra
por detrás de minhas costelas.

And i who was dead am alive again today.

8:09


Agora que este janeiro inóspito se desfaz, até alguma saudade dele senti. A foto talvez explique pouco, ou um pouco.

É que é manhã, posso ver as atualizações dos blogs das minhas amigas poetas, que escrevem mais bonito a cada dia, posso tomar meu Nescafezão na minha xicrona do elefante, posso ouvir rock progressivo basco dos anos 70 (Itoiz, Errobi).

Tudo isso no ar condicionado, luxo pela manhã. Tudo isso, luxo dos luxos dos luxos, com Dantinho, barriguinha cheia da vitaminha de mamão e banana que fiz pra ele, sonecando ao meu lado.

And death shall have no dominion.

Tuesday, January 26, 2010

É do Peru! ou Kamachikuq Inkacha


Lembro-me bem de que há cerca de sete anos um ex-colega voltara de uma viagem ao Peru, aonde fora participar de um congresso. Quando indagado sobre a viagem, emplumava-se todo e gania: "Uma merda!". A única coisa de que gostara havia sido... um shopping center em Lima, onde comprara uma caixa de DVDs do Friends. Ir ao Peru para comprar Friends num shopping. Profundezas.

Com meu amigo Artur foi tudo um pouco diferente. Rejeitando excursões, como sempre faço, meteu-se em uma viagem pelo antigo território inca munido de planos que ciosamente esboçara e lá viveu dias intensos. Como foi só, fez o que se deve fazer quando se viaja desacompanhado: encharcou-se de pisco, caiu de boca no ceviche, andou e conversou muito, seja em Ica, em Águas Calientes, Cuzco e, claro, Machu Pichu e Nazca. Ainda fez longas caminhadas por Miraflores, mítico bairro do Vargas Llosa.

De quebra, trouxe-me três regalos inestimáveis: uma garrafa de pisco Ocucaje, um copo da cerveja Cusqueña, todo ele jateado, e... um livrinho para a coleção do Dante: Kamachikuq Inkacha, ou seja, O Pequeno Príncipe em quéchua! ***Sigh***

Monday, January 25, 2010

Presente atrasado é bom



Engraçado que eu recém-falara de presentes por aqui, os do niver do Dante. Bem, ontem ele ganhou um atrasado, mas não tão atrasado assim, pois não era de aniversário e sim de Natal. (Grande diferença... de apenas seis dias.) Quem deu foi o Gustavo, seu futuro técnico de futebol.

E presente bom é assim: traz sorte, muita sorte. Mal eu e Dante abríramos o presente, que é daqueles que se podem abrir muitas vezes, levanto os olhos para o monitor e... Vasco 1X0. No final, foi o que foi... Vascão 6X0!

Gustavo, Dante e eu queremos presentes assim todo domingo! E às vezes às quartas (ou quintas) também!

Perceberam que a frase anterior tem ambiguidade? O termo "Gustavo" (ih, Gustavo, você virou termo) é vocativo ou um dos núcleos do sujeito composto???

O Carinho de Clara, o Carinho de Emília


Teve um post aqui em que desci o malho nos médicos, profissionais (quando o são) amiúde surdos ao sofrimento alheio. É verdade que o ser humano é amiúde surdo ao sofrimento alheio, mas isso fica mais visível quando o sujeito deveria, digamos, cuidar deste sofrimento. Continuo desejando-lhes, de coração, uma eternidade tranquila, que a terra lhes seja leve, com o Corcovado por cima e o Pão de Açúcar de quebra.

Isso não significa que todos os profissionais de saúde se encaixem nesse deplorável time. Encontramos nas fisioterapeutas Emília e Clara (não são médicas, com muito orgulho) profissionais tremendamente competentes, responsáveis e carinhosas. E como quem beija meus filhos minha boca adoça, dedico este postizinho aqui às duas. Emília vê Dantuca três vezes por semana, duas aqui em casa, uma em sua clínica em Icaraí, onde ele pode se balançar à vontade.

Sunday, January 24, 2010

Adagio Assai

O Ravel tem dois concertos para piano: o primeiro em Ré, o segundo em Sol maior (êpa, igual ao que escreverei para as cigarras!), ambos compostos concomitantemente, final dos anos 20, começos dos 30.

A peculiaridade do primeiro é a de ser para mão esquerda, encomendado que fora por Paul Wittgenstein (sim, o irmão do Ludwig filósofo), que perdera seu braço direito na guerra.

(Aqui, duas semelhanças com Prokofiev. Prokofiev também tem um concerto para piano em Sol maior, o quinto. E também tem um só para mão esquerda, o quarto, encomendado pelo mesmo Wittgenstein que, no entanto, nunca o tocou por nunca entendê-lo.)

Voltando ao Ravel, a peculiaridade do segundo é a de ter um dos mais lindos movimentos de toda a literatura pianística do século XX, o Adagio Assai. O concerto é todo ele muito bonito, energético, vivaz, cheio de harmonias e idiomas jazzísticos, algo incomum na música erudita.

Mas é o segundo movimento que me deixa completamente atordoado. Se tiverem um tempinho, assistam a ele no youtube, não dura nem um décimo de uma partida de futebol. Tentei muito postá-lo aqui, contei mesmo com o auxílio de uma colega blogueira, mas sem sucesso.

http://www.youtube.com/watch?v=OsoSvHdcCv0

Quem toca é a Martha Argerich, grande pianista argentina, amiga do nosso Nélson Freire, o que por si só já seria notável, já que o Nélson é daqueles tímidos drummondianos que beiram o patológico. Ela também é bastante fechada, o que talvez explique a amizade entre os dois, bem como sua não tão grande projeção no cenário internacional. No filme em homenagem ao Nélson aparecem os dois em conversa, ensaiando (eles falam!).

Tão logo eu e Ana Beatriz começamos a namorar, em 1993, levei-a para assistir a este concerto no Municipal, fazendo questão de chamar sua atenção para seu insólito início, uma "chicotada".

Depois fizemos amor tantas e tantas tardes tendo como fundo este segundo movimento. Era isto ou era Lir, do Wim Mertens. Mas se alguém aí disser que é música de motel leva um sopapo!

Friday, January 22, 2010

Eu, Caim ou Poema todo ele amargo


Assistir a meu filho tendo espasmos
é mastigar os ossos desta tarde
quente, estúpida, toda ela tétano
a enrijecer-me o peito. Sem alarde,

impotente, anti-herói, decido apenas:
não gritarei em direção aos céus.
Baixo os olhos, molhados, cerro os punhos
e, qual Caim, me engalfinho com Deus.

Thursday, January 21, 2010

Danteivid Bowie

Dantuca amou todos os muitos presentes que ganhou no aniversário. Até hoje, passado um mês da festa, a gente se surpreende com eles. E, claro, brinca um bocado. Na foto, o mocinho veste um desses presentes, na verdade estreia-o antes de ir para a fisio.
Quem, quem senão o Raul iria encontrar um camisa do David Bowie anos 70 (fase Aladdin Sane / Ziggy Stardust) tamanho 1 ano? Só mesmo um parceiro de garimpagens musicais, tipo aqueles que fuçam até descobrir o bootleg daquela banda islandesa que só lançou um disco em 1972.... Aí, quando ele vem me mostrar -- "Você conhece isso aqui?" --, respondo: "Claro, já tenho." Mas a recíproca também é verdadeira... =)

Wednesday, January 20, 2010

São Sebastião

Para quem gosta de capicuas e palíndromos, o dia de hoje tem seu charme: 20/01/2010. Embora não seja coisa ou outra, tem lá seu estilo, todo ele em zeros, uns e dois.

Hoje é feriado? Não parece. Tem graça feriado assim nas férias. Nos tempos de viagens, São Sebastião era mais ou menos a data mágica a indicar chegadas, assim por volta de, de preferência depois.

Ninguém sabe mas Sebastian não morreu das flechadas. Ele foi liberto e convalesceu. Viveu anos e morreu de velho. Procurem imagem dele depois das flechadas, um homem não-agonizante, na paz de Deus, dormindo em paz com a mulher que encontrou e escolheu. Não encontrarão. Saramago encontrou uma, igrejinha em Portugal, mas são bem raras. O catolicismo gosta do martírio, da agonia e, claro, do êxtase, daí Tião ter ficado tão in nos últimos anos.

Vira e mexe falo de santos por aqui, mas não sou católico nem cristão nem coisa alguma. Falo do catolicismo pela sua mitologia, fascinante por suas contradições e absurdos e desvarios. Como outra mitologia qualquer.

Meu eterno e amado orientador José Carlos Barcellos, católico de boa cepa, disse-me uma vez que se zangava com essa história de "mitologia cristã". O Zé eu respeito. E, por respeitar, dele discordo.

Bom Dia de São Sebastião para todos. Faz calor, bebamos cerveja e brindemos ao Santo livre das flechadas, envelhecendo em paz, sentado à soleira da porta vendo os filhos a brincar no quintal.

Friday, January 15, 2010

As melhores leituras de 2009

Uma visita ao blog do professor, poeta, sambista e amigo Oswaldo Martins inspirou-me estas listas de leituras que ora posto. Já não serão horas de inventariar o ano que passou, dirão alguns torcendo o nariz, mas, oras, 2010 só não começa depois do Carnaval?

Para quem não sabe, Oswaldo é aquele professor que foi demitido da Escola Parque em 2008 porque escrevia poemas eróticos em seu blog. Sensacional isso, não? Ele sempre teve seu emprego assegurado no Colégio Santo Amaro, instituição de freiras tradicionalíssima, mas a sempre aberta Escola Parque, espaço de artistas, espaço de vanguarda e mudernidade, é chegadinha a expedientes totalitários e inquisitoriais. Funny, uh?


OS 10 MELHORES LIVROS QUE LI EM 2009:

A Queda da Baliverna - Dino Buzzati
On Chesil Beach - Ian McEwan
O Último Amigo - Tahar Ben Jelloun
Rainbows in Braille - Elmo Jayawardena
A Lua e as Fogueiras - Cesare Pavese
Perturbação - Thomas Bernhard
Travessuras da Menina Má - Mario Vargas Llosa
Crime e Castigo - Dostoiévski

Os dois melhores:

O Legado de Eszter - Sándor Márai
A Cidade e os Cachorros - Mario Vargas Llosa

OS 5 MELHORES QUE RELI:
The Zoo Story - Edward Albee
A Lição e as Cadeiras - Eugène Ionesco
Ao Lado de Vera - Alberto da Costa e Silva
As Linhas da Mão - Alberto da Costa e Silva
A Árvore Generosa - Shel Silverstein


DUAS DECEPÇÕES:

A Viagem do Elefante - José Saramago
Entre Mulheres - Cesare Pavese

NÃO CONSEGUI TERMINAR (mas não que sejam necessariamente ruins!):
Pale Fire - Nabokov
Casamentos Bem Arranjados - Carlo Emilio Gadda

Tuesday, January 12, 2010

A Road Song

Não tem "road movies" (Paris, Texas; Sideways; E a sua mãe também)? Não tem "road novels" (Lolita; On the Road, definidor do gênero)? Então proponho que também haja "road songs" e, nesta categoria recém-inventada, my Oscar goes to.... "Willin'", da obscura banda norte-americana Little Feat.

Little Feat é uma banda que passou por diversas formações, mas para mim falar dela é falar de Lowell George, um cara difícil, brigão, que bebia até os sapatos, mas que tocava slide guitar como poucos e compôs pequenas jóias que transitam entre o rock, o country e o folk.

Dizem (o rock 'n' roll tem mais lendas que o folclore celta) que quando ele, então integrante do Mothers of Invention, mostrou "Willin'" ao Frank Zappa, foi... expulso da banda, pois Zappa, ciumento, sentiu que aquele cara ali iria logo chamar atenção demais. Dizem também que ele foi expulso porque a canção traz referências explícitas a drogas e bebida ("weed, whites and wine").

A música é obviamente roadie por falar das viagens do narrador, sempre em busca de uma Alice que parece estar já fora de seu alcance ("Seen my pretty Alice in every headlight / Alice Dallas Alice").
Mas ela é especialmente roadie para mim por três circunstâncias (e talvez quatro ou cinco ou seis) verídicas ("Meninos, eu vi!").

Em 1987, depois de morar um ano em Chicago, chega o dia de eu voltar para o Brasil. Eu e meus pais Dave e Ellen estamos imensamentre tristes na depedida. Pouco antes da partida, Dave me presenteia com uma fita, gravada por ele, cheias de músicas que falam de "going back home", despedidas and what more, coisinhas como "You'll make me lonesome when you go", do Bob Dylan, "White Bird", do It's a Beautiful Day, e, claro, "Willin'", do Leat Feat. Assim, faço toda a bus trip, de Chicago a New York, ouvindo músicas que me marcariam para sempre.

Assim que chego no Brasil, estamos em julho de 1987, embarco com Fred, Miriam e Ana Lúcia em uma viagem mágica por Diamantina, Serro, São Gonçalo do Rio das Pedras e Milho Verde (minha mítica Macondo). Adivinhem que músicas tocam incessantemente naquelas estradas cor de tijolo?

E muitos, muitos anos depois, estou em Goa. Fui, enfim, conhecer a mítica ilha de Chorão, onde me vejo às voltas com sua atemorizante igrejona. Consigo por lá, depois da visita à igreja e a um templo a Ganesha, descolar uma vendinha muito simpática onde tomo uma Kingfisher gelada. O sentido de plenitude não poderia ser maior. E como voltar a Pangim? Arrumo uma carona com um rickshaw, em cuja caçamba viaja uma gurizada feliz que acabou de sair da escola (é uma de minhas fotos goesas mais queridas).
 
Estou quase sendo jogado para fora do rickshaw, de tão pequeno ele é. I'm drunk and dirty. Ao atravessarmos uma ponte, que música ouço?

I'm drunk and dirty. But I'm still willin'.

Sunday, January 10, 2010

E o luar for uma coisa só

Sabe aquela coisa de ficar com uma música na cabeça? Às vezes vira tortura quando a gente não lembra o que é, isso já aconteceu tanto comigo, a ponto de eu ficar encarando os CDs, passando a tropa em revista, um por um, para tentar descobrir de onde vinha aquela melodia, aquela voz, aquela guitarra.
Bem, agora é um pouco diferente: estou com um verso na cabeça, mas sem tortura, sem problemas, não preciso passar os livros todos em revista, pois sei bem de quem é, é este aí que dá título a este post.
É engraçado como Jaime Ovalle se faz presente na poesia de Bandeira: neste poema, em um outro que sei de coeur há anos ("Poema só para Jaime Ovalle") e que sempre que recito sinto cheiro de café e em pelo menos dois outros.
Este aqui é pra lá de melancólico: Ovalle está morto e o poema trata do enterro. O poema tem quatro estrofes, citarei apenas o primeiro verso e a última.

OVALLE
Estavas bem mudado.
(...)
Levamos-te cansado ao teu último endereço.
Vi com prazer
Que um dia afinal seremos vizinhos.
Conversaremos longamente
De sepultura a sepultura
No silêncio das madrugadas
Quando o orvalho pingar sem ruído
E o luar for uma coisa só.
*************************************
Este o Bandeira das palavras simples e de muita poesia. E este último verso me acompanha diuturnamente.
Quando o luar será uma coisa só?

Thursday, January 07, 2010

Viva os Reizinhos! (Onde, as Folias?) III

Será que agora o blog deixa eu postar meu soneto?

CARTA A UMA AMIGA, DE FLORES DE GOIÁS

e daqui te escrevo: e esta carta louca,
nesta tarde povoada de andorinhas,
se não é muito, é que me sobra pouca
arte para dizer o que adivinhas.

Sim, nada dirá esta carta rouca
(se assim não fosse, não seria das minhas),
a nada aspira minha carta oca,
e nada esperam, as catorze linhas.

Mas quem afirma que esta tarde é finda?
Bebo um copo, outro copo e um outro ainda
(não mudei nada, como bem o vês...),

quando gemem ao longe hinos janeiros
soam zabumbas, violas e pandeiros,
começa em Flores a Folia de Reis.
(1992-1994)

Wednesday, January 06, 2010

Viva os Reizinhos! (Onde, as Folias?) II

Em janeiro de 1992 decidi me enfiar no buraco mais buraco de Goiás: um lugarejo muito antigo que atende pelo nome Flores de Goiás. Fui na esperança de que a luz ainda não houvesse chegado por lá, por aquele antigo quilombo cujo "centro" consistia em três ruas: do Fogo, da Água e não lembro. Para minha tristeza, a luz já chegara antes de mim. Na verdade, descobri à noite que sem luz não se poderia dormir, pois a única maneira de afastar um pouco as nuves de mosquitos era ligando o ventilador. Na noite em que o gerador pifou, pus-me a vagar pela cidade, às 2 da madrugada.

Mas a lembrança que guardo, de lá onde jamais voltei (não me atrevo; no ano seguinte, fui a lugar semelhante, Cavalcante) é acompanhar uma Folia de Reis que visitava as casas por toda a noite, tomava café e cachaça e dançava catira.


Dessas noites de Folia veio este soneto, escrito à época:

CARTA A UMA AMIGA, DE FLORES DE GOIÁS
(O soneto segue depois, não sei o que está acontecendo com isto aqui que está bagunçando a diagramação das minhas catorze linhas.... Prefiro nem postar agora...)

Viva os Reizinhos! (Onde, as Folias?) I



Chegaram hoje ao seu destino os reizinhos. No Tabladinho fazia parte do Auto de Natal (O Boi e o Burro a Caminho de Belém) esta canção:

Eis os reis
que vêm lá do Oriente
Cada um
Trazendo o seu presente.
Melchior
E o preto rei Gaspar
e finalmente o velho Baltazar.

Nesta hora entravam os muitos reizinhos carregados de presentes e lunetas. Eu, que fazia o papel de Burro, me assustava muito com aquelas figuras esquisitas e pulava no lombo do Boi, que me jogava ao chão.

Sendo hoje dia 6 de janeiro e estando aqui pelo Ingá, decidimos eu e meu amigo Paulo ficar de tocaia, à espera de uma Folia que, parece, há no Morro do Palácio. Creio mesmo ter ouvido alguma coisa ano passado, mas Dante era muito miudinho e não deu para descer. Este ano fomos indagar já no domingo, mas as respostas ou foram vagas ("É, às vezes tem, na verdade eles não descem, mas sobem o morro") ou peremptoriamente negativas ("Não, isso acabou, não tem mais nada, só em Minas").

É? Só em Minhas, Pedro Bó?, não diga. Aliás, essa história de "não tem mais nada, acabou tudo" me lembra ótimo história por que passei em Majorlândia, Ceará, quando eu errava em busca de cocos. Mas essa eu conto depois, não nos desviemos assim tanto dos Reis.

Bem, combinamos de ficar de tocaia: ao menor som de uma zabumba, ao mínimo tilintar de um triângulo, ao pequeno rufar de um adufe, ao mais leve ruído de cantoria, desceríamos correndo, máquinas em punho, para documentar.

Não ouvimos zabumba nem cantoria. Passei ao pé do Morro do Palácio e só vi semblantes mal-encarados. O Palácio, ao contrário do Estado, não amansou, então não convém perguntar muito, o que dizer subir...

Mas o Dia de Reis não passou em branco! Nossas amigas Renata e Wânia vieram nos visitar e, de presente para o reizinho da casa, trouxeram um legítimo Bolo de Reis feito pela Wânia. No recheio, para além das passas e castanhas e frutos secos, o mais legal: anjos, cofres, corações, flores, clarinetas, coelhos, simbolizando que sorte teremos neste ano que começa, dependendo do objeto que estiver em nossa fatia...

Eu tirei o cofrinho de porquinho.

Tuesday, January 05, 2010

Pataniscas



Sou fanático pelas pataniscas do Pavão Azul. Pataniscas são uma iguaria portuguesa, uma espécie de bolinho de bacalhau (que lá eles chamam de 'pastéis de bacalhau') que não leva batata. Existem bem poucos restaurantes / botecos aqui no Rio que as servem, portanto é mais que hora de inventariar esses lugares, de modo a termos um porto seguro a nos socorrer sempre que uma vontade incontida de devorar pataniscas nos acometer.

Hoje recorro sempre ao Pavão Azul, simpaticíssimo boteco situado na Hilário de Gouveia. Perdoem-me, serei ranzinza novamente: antes ninguém conhecia o Pavão, depois que caiu na moda, aparecendo no Rio Botequim e nas Vejinhas da vida, suas pouquíssimas mesas são disputadas a tapas. Como só uso minhas mãos para o amor e para comer pataniscas, procuro o Pavão nas horas off-Broadway, mas aí, outro problema, já que só servem as iguarias a partir das 4:30 da tarde!

O que fazer? Ora, é só sentar lá com meus diletos amigos Flávio e Guta, (que, embora morem ao pé do Pavão, também não o conheciam e só foram fazê-lo graças a mim), habitués do local e amigos da Verinha. Assim muito na moita, ela anui e faz, às escondidas, uma porção especial para a gente, na hora do almoço...
Vera e sua irmã recebem a todos muito bem. Mesmo nas horas de pico, quando você pede a conta, elas perguntam: "Mas já?". Não é em qualquer lugar...

Embora eu morra de ciúmes do Pavão, não me incomodo em dividi-lo aqui com os leitores deste bloguinho. Podem ir na boa, é um pé-sujo de unha feita e, sendo hora de almoço e não havendo Flávio e Guta que intercedam por vocês, peçam o risoto de camarão. É risoto brasileiro, não esperem arroz arboreo ou carnaroli. Mas é bom bagaray...
Se forem, me chamem. E nem pensem em pedir a receita à Vera ou à sua irmã: é segredo guardado em cofre cuja chave foi atirada ao mar de Copacabana.

Monday, January 04, 2010

Ai, que preguiça!

Dantuca é niteroiense da gema. Nascido em Santa Rosa, criado no Ingá, passeado e medicado em Icaraí, de mãe araribóia e pai araribóia por opção. Sendo assim, não é que o menino passou a se interessar por tupi? Imagina se morássemos em São Francisco, onde as ruas têm nomes de tribos...

Hoje, durante o passeio da tarde, saiu o garoto com esta, depois de olhar para os dois lados: "Ai, que preguiça!" Fechou os olhos e dormitou. Em pleno calçadão da Praia de Icaraí. Onde está o tupi? É que "preguiça", o bicho, não o pecado venal, que isto os índos não conhecem, em tupi é... "aique". Ou seja, ao falar "Ai, que preguiça!" estava ele fazendo genial jogo de palavras e enunciando 'preguiça, preguica'....

Onde Dante aprendeu isto, deconheço. Tupi or not tupi, that's the question.

Eu não falia, vovó?




Quando miudinha, minha sobrinha Karolina tinha a mania de dizer "Eu não falia, vovó, eu não falia?" Sou pouco preciso ao dizer "mania", é provável que ela tenha dito umas poucas vezes, talvez uma única vezinha, e minha mãe e eu inventamos que era mania, porque nós fazemos assim: tudo inventamos, exageramos, alargamos, se é para tornar mais divertido ou bonito. Sequer saberia dizer agora se este "falia" tinha (ou teve) o valor de "falava" ou "falei". O que acham? Tem bem mais cara de pretérito perfeito, mas a certeza deixo para os linguistas de plantão, que a minha linguística (que a Faculdade de Letras quase assassinou) é a de Oswald, a da poesia, a das imprecisões.

Bem, a que vem isso tudo? Participo ativamente de alguns fóruns sobre rock progressivo na internet. Neles já disse mais de uma vez que, se um dia eu me converter, se um dia eu deixar de ser este ateu que sou (mas que reza no aperto, é devoto de São José e de Ganesha), a culpa é do Neal Morse. Explico.

Neal Morse era o líder da ótima banda Spock's Beard, uma das mais importantes da cena progressiva nos anos 90. Depois de seis ótimos trabalhos, caiu fora para se dedicar à carreira solo. E a Jesus. Todos os seus discos tratam explícita e incansavelmente de religião. Eu acho isso um saco, mas o problema é que as músicas são ótimas, maravilhosas, pegajosas, grudentas, irresistíveis. Deus meu (opa!), ouvi ontem e hoje o One e o ?, seu segundo e terceiro trabalhos, respectivamente, e tem horas que dá vontade de gritar na rua, de dançar na praia, de... enfim, se converter, cacete!

Estava eu hoje chegando a São Domingos, onde tinha meu primeiro compromisso do ano no COLUNI (o Colégio de Aplicação da UFF), quando começa a tocar a canção "Outside Looking In", umas das poucas lentas desta montanha-russa de louvação a Jesus (mas também a guitarras, a baixo, a bateria e tecladeira!) que é o ?. O que faço (meu compromisso já fora para o espaço, ninguém apareceu, só euzinho aqui)? Vejo a porta da igreja de São Domingos de Gusmão aberta e, qual cachorro, entro! Culpa do Neal! Eu não falia, vovó, que isso ia acontecer um dia?

A igreja é véia, do século XVIII ou mesmo XVII, chegou a receber a família imperial algumas vezes, que gostava de atravessar a baía (vinham de catamarã ou pegavam a ponte? Que dúvida...) para ter com Deus. Sucessivas reformas, no entanto, tiraram-lhe aquele cheiro rançoso e delicioso de igreja velha. O golpe de misericórdia veio na primeira década do século XX. Ainda não existiam Mário de Andrade e SPHAN para zelar pelo nosso passado...

De qualquer modo, a igreja é bonitinha. Imagens antigas já não há, levadas que foram pelos antiquários e sacristãos. Mas sempre vale a visita.

E num único post cabem sobrinha, linguística, rock progressivo, conversão e patrimônio histórico.

Eu não falia, vovó?

Alcoólicas


"Drink we till we prove, not less, than men,
And turn not beasts, but Angels.
(...) and forget to die"
Richard Crashaw
(poet and saint)

Na noite de 31 de dezembro abri uma Karmeliet, uma tripel belga que já tomara algumas muitas vezes, mas fazia tempo. O copo, vejam, com suas flores-de-lis, é dos mais belos de todos. A cerveja caiu muito bem, ela é tanto floral quanto frutada. Apesar de seus 8%, não desce forte, antes pelo contrário, ela tem ótima drinkability, dá vontade de beber várias, o que nem sempre se dá com as belgas fortes. Só senti alguma falta de corpo....

E, antes de irmos ao Mercado de São Pedro, já no dia 2, fizemos um pit stop aqui em casa. Para a ocasião, eu selecionara o Aberlour a'bunadh, uma raridade de Speyside que só se encontra em alguns poucos freeshops da Europa (e na Escócia, of course). Tinha esta garrafa aqui há anos, guardada para uma ocasião especial. Bem, não é todo dia que se comemora a chegada de 2010, então a ocasião mais que especial já tínhamos. É um single malt extremamente forte, em seus 59,7% de álcool. Haja gelo para amaciá-lo um pouco, senão fica parecendo que estamos bebendo conhaque. Caiu bem, abriu o apetite, mas fiquei com a impressão nítida de que funcionaria melhor após uma lauta refeição, de preferência com um puro. Só que enjoei de charutos, desde a noite em que saí para comemorar a defesa da tese...

Sunday, January 03, 2010

Tem Leffe no Pedro


Fomos ontem eu e André, não o irmão de sangue mas o de afinidade clubística, ao Mercado São Pedro, patrimônio dos boêmios diurnos. Descobri esta jóia em 1997, quando a Bia terminava sua dissertação e eu passei a cozinhar nos finais de semana. Em princípio, eu ia botininho, comprava o peixinho e/ou o camarãozinho e voltava para casa. Depois... descobri o segundo andar, e aí já não voltava para casa tão rápido assim.

O Mercado "cresceu". O segundo andar cresceu mesmo, sem aspas. O que eram apenas dois restaurantes-botecos pé-sujos hoje é um andar inteiro. A fama se fez, se espalhou, os preços subiram. Os limpadores de peixe do andar de baixo já não tomarão por aqui sua cerveja, muito menos comerão por aqui seus bolinhos de bacalhau. Ontem, ao encontrarmos todos os restaurantes botando gente pelo ladrão, suspirei pelos dias em que Niterói era Niterói, isto é, que era motivo de chacota...

Mas não são horas de nostalgias. Ainda não trocaram a cerveja pelo chopp, mas não é que já se encontra a Leffe por lá?! Que se pode tomar, os que insistem, claro, em seu próprio copo?! Prova de que este crescimento não traz apenas desvantagens...