Sunday, September 30, 2018

Gozando Junto no #EleNão -- Gozando Junto XXXV


Que linda a manifestação de ontem. Que energia indescritível. Tentar descrever o que foi aquele mundo de gente tão feliz quanto indignada lutando contra o retrocesso será como tentar descrever Veneza ou Milho Verde. Ou o amor. Pode-se ver fotos, ler relatos etc. Mas só sabe quem estava lá e provavelmente encontra-se energizado até agora.

Pode-se ver fotos. E como bateram-se fotos. Manifestação mais fotografada que a janela do Convento de Cristo em Tomar.

Como não fazer uma série do Gozando Junto? Gozando Junto XXXV.














Saturday, September 29, 2018

Haikai para o Caju


Vir cheia de gula
Pedir haikai pro caju
Pois, ora, uma vírgula!



PS: Da série 'se explicar estraga' mas vamos lá. Resgatando interjeição já pouco usada: 'Uma vírgula!' para denotar indignação. Como sinônimos "Uma ova!" "Uma pinóia!" "Nem a pau". Mas no poema em questão só cabe 'uma vírgula', pois o caju é a fruta com a vírgula pendurada.

Não é só. O primeiro verso já fala na vírgula: VIR cheia de GULA.

Ah, e a foto traz os cajus já em haikai.

Serendipity II :: (Ainda) Cajus


Na manhã de segunda-feira Camila e eu conversamos sobre Vinícius de Moraes, suas fases, faces, frases, o epíteto 'poetinha' carinhoso e pejorativo, o fato de eu ter tido nas mãos, num sebo em Fortaleza em janeiro de 1992, a primeira edição de seu primeiro livro e não ter comprado. Nada demais, mas foi, pelo que lembre, a vez primeira em que falamos dele por sobre nossos nescafés com leite.

Pois.

Aí, à noite, no lançamento do Pedro Tostes, conheço Daniel Gil, que publicara, no primeiro semestre deste ano, A Poesia Esparsa de Vinícius de Moraes: Uma Leitura de Inéditos e (Des)conhecidos. Eu já tinha ouvido falar neste lançamento, mas não atentara para o autor.

Claro que foi serendipity. Das grossas.

Ainda mais porque o último poema do livro é um "Soneto ao Caju" e foi sobre caju a primeira serendipity do blog (aqui).

Outra: pensando nesta postagem, perguntava-me, com alguns fumos, se seria esta a primeira vez que o soneto iria para a rede. Fui checar. Não é a primeira vez, já teve publicação, inclusive num blog que traz por epígrafe a frase de Einstein sobre o 'silêncio dos bons'. Frase que me viera à mente há pouco quando pensei nas manifestações de logo mais na Cinelândia.

Claro que foi serendipity. Para todos os efeitos, consulte-se "A Escova e a Dúvida", um dos prefácios de Tutaméia


Amo na vida as coisas que têm sumo
E oferecem matéria onde pegar
Amo a noite, amo a música, amo o mar
Amo a mulher, amo o álcool e amo o fumo.

Por isso amo o caju, em que resumo
Esse materialismo elementar
Fruto de cica, fruto de manchar
Sempre mordaz, constantemente a prumo.

Amo vê-lo agarrado ao cajueiro
À beira-mar, a copular com o galho
A castanha brutal como que tesa:

O único fruto – não fruta – brasileiro
Que possui consistência de caralho
E carrega um culhão na natureza.

Wednesday, September 26, 2018

Soneto de uma Rima Só para aquele cujo nome não se deve


Fascista distinguível pelo faro
um odor putrefato e nem tão raro
Um ratapulgo imundo e sem preparo
Misógino racista escroto ignaro.

#elenão! Ele nunca! Fique claro
neste soneto altíssono declaro
Se às vezes desanimo, logo saro
e busco forças pro combate amaro.

#elenão! Ele nunca! Fique claro
Portugal aderiu, do Porto ao Faro
não aceitar este destino avaro.

A luta continua, põe reparo
pois tudo que te peço, ó meu caro,
ouve: é jamais votar no              .

Tuesday, September 25, 2018

Sonhei com esta casa no subúrbio


sonhei com esta casa no subúrbio
toda ela no estilo das Missões
colunas salomônicas, volutas
telhado em caprichada geometria
o infalível painel na platibanda
traz São José pintado por Igrejas
a torre circular é bem singela
ou não seria casa de subúrbio
sonhei com esta casa e nela assistem
três bobos dos mais bobos da cidade:
eu, ela, o pequeno, ninguém mais
(talvez um gato); em noites quentes de verão
 nós tomaremos nus sobre os caquinhos
intermináveis banhos de mangueira




Sunday, September 23, 2018

Serendipity I ::: Cajus



Estávamos eu, Camila e Dante no banco de trás do carro do meu cunhado, que dirigia e tinha a seu lado minha irmã Kátia. Seguíamos para a festa de aniversário da Patrícia, prima do Dante que completava quatro anos com festa. Quase na entrada do túnel, Afonso, o cunhado, diz estar levando caixa de caju para meu pai, que sempre foi a louca das frutas em especial o caju e a manga. Aproveito para comentar que em Goa fazem um aguardente de caju famoso, o poderoso fenim, e sublinho que não é cousa como cachaça com caju, mas de. Nisso, digo à Camila que é este um dos poucos casos em que uma palavra da língua inglesa veio do português, no caso, caju > cashew, os indo-portugueses de antanho pronunciando /cashu/.

Camila se pergunta se jackfruit também teria vindo de jaca.

Não sei. Sei que ao entrar na Sala de Inglês na terça-feira seguinte havia esta mensagem no pequeno quadro-negro que mantemos para variedades.

*******

Uma coincidência veramente espantosa

Sem dúvida que estamos aqui em pleno território da serendipity, confira-se o quarto e último prefácio de Tutaméia, "Sobre a Escova e a Dúvida".

Un certo Miguilim viveva con la madre :: Guimarães Rosa em italiano


Contrariando bons-sensos, Guimarães Rosa foi taduzido. Por razões óbvias, não tanto quanto Jorge Amado, mas numa qualidade tal que, Rosa, num de seus exageros, chegou a afirmar que para se entender sua obra seria necessário ler sua tradução para o italiano.

Sua correspondência com Edoardo Bizzarri é capítulo alto na história das traduções literárias brasileiras. Bizzarri descobria coisas que nem Rosa (ambiguidade, per favore) e chegavam a um nível de detalhamentos que só mesmo amantes pela palavra podem ter.

Un certo Miguilim viveva con la madre, il padre e i fratelli, lontano, assai lontano di qui, molto piú in là della Vereda-della-Gallinella-d'Acqua, e di altre veredaas senza nome o poco conosciute, in un punto remoto, nel Mutúm. In mezzo ai Campos Gerais, ma in un avvallamento in zona di foreste, terra nera, alle falde delle montagne. Miguilim aveva otto anni. Quando ne aveva compiuit sette, si era allontanato dí lí per la prima volta: lo zio Terés l'aveva portato a cavallo, sul davanti della sella, perché fosse cresimato a Sucurijú, dove passava il vescovo. Del viaggio, che durò vari giorni, Miguilim aveva conservato intontiti ricordi, che si confondevano nella sua testolina. Di una cosa, non poteva dimenticarsi: qualcuno, che era stato nel Mutúm, aveva detto: "È un bel posto, tra i monti, con molte petraie e molta foresta, fuori di mano; e ci piove sempre..."



Postagem dedicada a meu colega português Ricardo António Alves, leitor de Rosa, e que desde 2005 toca o ótimo blog Abencerragem.

Saturday, September 22, 2018

A Coleção de Livrinhos do Mundo


Tirando proveito desta primeira tarde de sábado de primavera para organizar a coleção querida que Dante e eu mantemos de livrinhos. Livrinhos das línguas do mundo vasto mundo

Temos em português, castelhano, francês, alemão, italiano.

E nestas que seguem, alfabéticos ::

africâner 
alguerês
alsaciano
amárico
árabe
árabe do Líbano
balinês
bretão
búlgaro
catalão
cingalês
concanim
coreano
croata
dinamarquês
finlandês
galês
gatês
georgiano
grego
hebraico
hindi
holandês
hñähñus
húngaro
indonèsio
irlandês
japonês
letão
luxemburguês
macedônio
maltês
nepalês
quéchua
rapanui
romeno
samoano
sérvio
sotho
sueco
tailandês
tcheco
turco
vietnamita
xhosa
zulu

E falta tanta coisa ainda

Friday, September 21, 2018

Os Hai-Kais do Millôr (incluindo um para o Bozo)


Publicado pela Editora Nórdica em 1986, este pequeno tesouro reúne não apenas 81 hai-kais do Millôr mas também suas ilustrações, uma "pequena introdução para os não-iniciados" e um posfácio de Alfredo Grieco.

Quando digo 'ilustração' é porque Millôr, fiel à tradição do haiga, ilustra ele mesmo cada um dos poemetos. É fiel aqui para poder ser gostosamente infiel ali.

Uma pequena seleção de quase 27 anos de produção, de 1959 a 1986, todos atualíssimos como este escrito para o Bozo:

Com que grandeza
Ele se elevou
Às maiores baixezas!




Wednesday, September 19, 2018

Marielle Dylan Franco


Há alguns anos já, pra mais de década, trabalho "Blowin' in the wind" com meus alunos do 1o ano EM. Primeiro separo as primeiras partes das perguntas "How many roads must a man walk down" / "How many seas must a white dove sail" etc de suas contrapartes "Before you call him a man?" / "Before she sleeps in the sand?" etc e eles devem, levados pela semântica e sintaxe, juntá-las. Depois, ainda sem dar a letra, toco a música para eles conferirem. Enfim, dou a letra. E basicamente falamos de perguntas retóricas, seu conceito, sua utilização. Terminamos com um texto ótimo que relata o impacto da canção na luta pelos direitos civis nos anos 60 nos EUA.

É isso.

Era isso.

Este ano, a barbárie com a Marielle Franco. E como não relacionar os versos "And how many deaths will it take till he knows / That too many people have died?" com "Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?", a postagem da Marielle poucos dias antes.

E lá foram eles os alunos atrás das Marielles grafitadas pela cidade. A do Marcelo Ment é uma referência, mas há outras.


porque Marielle é uma semente







Tuesday, September 18, 2018

Vim de família racista

Tijuca

Vim de uma família moderadamente racista, que se não empunhava estandartes da KKK (que mal saberia o que é) fazia coisas como a que vou contar.

Como já sei o que vou contar, melhor tirar o advérbio de modo: Vim de uma família racista. A pequena-burguesia tijucana clássica, embora tenham vindo de Copacabana (antes de se instalar "nas montanhas") e isso talvez só piore.

Odiavam Carlos Lacerda e os militares, amavam Getúlio, idolatravam Brizola. E racistas.

Atravessei os anos do Ensino Médio sem namorada, não por falta de vontades e simpatias que eu inventava. Ao entrar na UERJ para cursar Psicologia em 1986, aquele desbunde em várias frentes. Dentre eles, Beth, com quem comecei a namorar. Beth, mulata.

Levei-a para um almoço de domingo na casa da minha avó, onde almoçamos -- eu, ela, minha vó e minha tia -- macarrão com galinha. Um dos momentos mais constrangedores que já vivi. O silêncio absoluto só quebrado pelo tilintar dos talheres. Beth de cabeça baixa, querendo apenas que o chão se abrisse e a sugasse para bem longe dali. Minha tia de cabeça erguida. Silenciosa e erguida. Minha avó não lembro, mas silenciosa também, embora um sorriso amarelo aqui e ali.

Não me lembro bem de como me senti durante o macarrão com galinha -- isso são lembranças guardadas que foram se organizando com o tempo. Em geral é assim, né?

Com o tempo percebo, a cada dia, o absurdo de toda a situação. E a crueldade. Porque poderia ter havido perguntas sobre os estudos, sobre a família, essas bobagens para quebrar gelo. Os von Sydows sempre foram maus conversadores, mas não fizeram esse trivial por deliberada perversidade.

Dias depois tive ainda de ouvir da minha mãe: Mas ela é escurinha, né?, assim, no meio da escadaria do nosso prédio. Muitos degraus. E nenhuma galinha de domingo onde eu pudesse cravar os dentes.

Sunday, September 16, 2018

Das Crianças Espertas


Dizemos que uma criança é inteligente, ou melhor, esperta, quando ela imita bem o mundo adulto. Quanto mais fidedigna e realista a imitação, mais esperta. Exemplo: a criança de seus quatro anos replica uma propaganda de TV ou uma música atual: esperta. Se atinge nuances como se lembrar de um detalhe da propaganda ou um modular de voz da canção: muito esperta. Por aí vai, o mundo adulto (ah e mundo adulto neurotípico e ocidental e masculino e blablablá) é referência contra a qual as imitações são julgadas.

Se não imita tão bem, enfim.

Se sequer tem esse mundo como parâmetro e isso nem é uma opção, enfim enfim

Bem-vindos ao autismo. E embora eu seja dos primeiros a concordar que acompanhar o autista em seu cotidiano não seja nada fácil, parece-me claro que essas noções de 'fácil' e 'difícil' são ainda as tomadas de empréstimo ao universo ""normal"". Daí, neurotípico-cêntrico, à falta de termo

Friday, September 14, 2018

Suspiria / Suspirium


 Como todos sabemos, a banda italiana Goblin notabilizou-se pelas suas trilhas-sonoras, em especial para os filmes de terror / suspense de Dario Argento. Se causa estranhamento seu aparecimento relativamente tardio (1975), esclareça-se que eles já existiam, porém com o nome de Cherry Five, prog sinfônico de ótima fatura, em outra pegada.

Das trilhas é consenso destacar Profondo Rosso (1975) e Suspiria (1977).

E agora a razão de ser desta postagem: e não é que este último foi 'refilmado' por Luca Guadagnino (Me chame pelo seu nome)?

E com trilha 'reescrita' pelo Thom Yorke?



Tuesday, September 11, 2018

Rosa, Soberbo


Preciso como minha vó contando seus causos: esquecia tudo. Pois: sei que foi um escritor brasileiro falando de um francês e o que dizia era: invejava quem nunca o tivesse lido porque aí poderia fazê-lo pela primeira vez.

Possível que fosse Jorge de Lima ou Murilo Mendes falando de algum escritor católico, talvez Bernanos.

Eu sentia assim em relação a Guimarães Rosa, pois quando descobri de amar li tudo de uma vez só, li e reli, que sou assim completista

Faltavam "Os Chapéus Transeuntes".

No Dia dos Namorados deste ano almoçamos e depois esbarrei num sebo, desses de calçada, onde comprei Os Sete Pecados Capitais, 1964, em que cada romancista escreve sobre um pecado.

O primeiro é precisamente o já então consagrado João Guimarães Rosa, a tratar da soberba. Deixei para o final e quando a ele cheguei, já animadíssimo com a alta beleza dos outros seis pecados, a cargo de Mário Donato (ira), Guilherme Figueiredo (gula), Carlos Heitor Cony (luxúria), Otto Lara Rezend (avareza), José Condé (inveja) e Lygia Fagundes Telles (preguiça), foi para encontrar nonadas assim:

Eu queria que ela quisesse, que aquiescesse, que viesse, longe dos outros, só para me comigo, igual à minha ternura, só para mim.

Sunday, September 09, 2018

Dante ficou doce, doce, doce, doce, doce


Nunca tinha ouvido falar em Munhoz e Mariano e a festa junina do Dante estava muuito alta. Tal qual sessão de cinema, se incomoda a mim, imagina a ele, a sensibilidade extrema dos sentidos e todos ao mesmo tempo agora. Coisa boa que foi no Salgueiro, ali no antigo campo do Confiança, ninguém conhece essa história: o time de futebol da Fábrica Confiança treinava e jogava ali, que no passado as indústrias têxteis tinham seus times de futebol, daí também o Bangu.

Então a música estava muito alta e Dante me arrastava pra longe do fervo, dávamos volta no campo, eu revisitando as arquibancadas de madeira.

Mas quando voltamos ao epicentro, Camila ajuda e Isabela aparece. Isabela, caipirinha mais linda e sábia deixa meu poeta florentino bêbo. Calmo e bêbo e eufórico, de alegrias.

Eu nunca que tinha ouvido falar em Munhoz e Mariano e agora toca "Camaro Amarelo" aqui em casa todo dia, dez, quinze vezes, aquelas desmesurações do autismo. E quando o Dante ri eu gosto mais do que fosse sinfonia do Prokofiev.











Minha Pedra do Reino



Tenho o gosto de contar com a primeira edição autografada de A Pedra do Reino, do Ariano Suassuna, lançada em 1971 pela José Olympio. Nome completo: Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, romance armorial-popular brasileiro, nota de Rachel de Queiroz, posfácio de Maximiano Campos. A a ilustração da capa é de Gian Calvi, linda porém já modificada para a segunda edição.

No dia seguinte, ainda na "Carnaúba", comemos um almoço que só o Sertão poderia oferecer integralmente: carne de tatu-verdadeiro cozinhado no casco; farofa de cuscuz, enriquecida com ovos cozidos e pedaços esfiapados da mesma carne de tatu; carne-de-sol assada; feijão-mulatinho, cozinhado com pedaços de cascão de queijo, linguiça e jerimum; e, como sobremesa, primeiro uma umbuzada, depois doce de goiaba feito em casa e comido com queijo de manteiga.

Harmonização:


Saturday, September 08, 2018

Lira dos Cinquent'Anos : 50 Fotos


Em junho tornei-me cinquentenário, merda isso de envelhecer sem a calma que Bilac que não teve. No entanto vieram Eric de São Paulo, Felipe e João de Fortaleza, Damian da Eslovênia para ajudar a assoprar as velas que se multiplicam sobre o bolo. Não é pouco.

No sábado teve curry, curries. Na semana anterior teve Lamas e muitos harumakis. Eric (aqui) registra tudo.