Thursday, January 27, 2011

5000 Vezes ou Bar Flor do Tâmega


Fiz cálculos e, juro, cheguei ao número exato 5.000. Foram 5 mil as vezes em que passei, na ida e na volta, em frente ao Bar Flor do Tâmega, na Praça Santo Cristo.

5 mil. Pegando o 996 (agora 751): Charitas-Gávea-Charitas, desde 1993, quando comecei a namorar a Bia.

5.000 vezes passando por esta fachada com quatro portas em arco e cantaria, que dão acesso a um botequim de pé-direito alto, estantes espelhadas, azulejos e uma como que exposição permanente de pinturas naïf, ou seja, vários elementos que amo. Mas eu jamais tinha entrado. Bem, um pecado a menos em minha vida, já que lá passei em minhas andanças pelo Santo Cristo. Aliás, foi precisamente o Flor que motivou o passeio pelo Santo Cristo.

Como na véspera eu tivera forte piriri, decido não pegar leve (um raio não cai duas vezes no mesmo lugar), e vou de dois clássicos da baixa culinária: caldinho de feijão e risoto de camarão. O caldinho é de improviso, sequer consta do "cardápio", também este improvisado. Chega sem mimos: sem salsinha, sem torresmos. Para piorar, em copo de requeijão, copo que, creio, mal serve ao fim à que se destina. Moral da história: estava delicioso, pois tempero é tudo. O risoto, claro, é risoto brasileiro, nada tem de italiano, posto que não é feito de arroz de grano duro, como o arboreo ou carnaroli. Mais apropriado seria chamar-lhe "arroz de camarão", como os portugueses o fazem, de modo a não conspurcar o glorioso nome da iguaria do Piemonte. Moral da história: estava divino, não deixei grão sobre grão e mais comera se mais houvera.

No boteco a conversa é animadíssima e logo me encontro dividindo a cerveja dos habituês, gente da área, de boa saúde, boa gamboa e, claro, de Santo Cristo.

Indignação



É o terceiro romance de Philip Roth que leio, depois de Dying Animal e A Humilhação, e o melhor até agora. Não digo que é o melhor disparado porque também gostei imenso dos outros dois, mas enquanto estes lidavam, basicamente, com a dura questão do envelhecimento, do amor no envelhecimento, Indignação, para além de tratar de questões humanas igualmente complexas, também lida com os problemas de uma nação. Quando Roth tenta fazer isso em Dying Animal, o faz mal, a narrativa para para que o autor (e não o narrador) disserte sobre a liberação da sexualidade nos EUA. Ou seja, tecnicamente falando, o romance (Dying Animal, não este) falha neste aspecto.


Já a ação de Indignação tem a Guerra da Coreia como pano de fundo, até que esta ocupe o centro das ações de forma magistral. A única coisa que falha aqui é a tentativa (machadiana) de o narrador apresentar-se como defunto-autor (ou autor defunto?). Pra quê isso? Não se desenvolve, não convence, não nada.... Mas está aqui este painel maravilhoso dos EUA do pós-guerra, está aqui a mediocridade asfixiante do Midwest norte-americano (Winesburg não foi proposital: é a Winesburg do Sherwood Anderson) e, principalmente, estão aqui personagens maravilhosos (este, o forte de Roth): Marcus Messner, seu pai (!), sua mãe, Flusser, Elwyn, Caudwell, Lentz. E, claro, Olivia. Por mais achatados que alguns destes personagens sejam, não são menos fascinante e inesquecíveis.


Marcus Messner, aliás, embora inteligente demais e calculista demais (com o que este too much tem de negativo) lembou-me mais tarde o Quentin, personagem imortal de The Sound and the Fury, de Faulkner.


E, ao tecer esta comparação, não posso pensar em homenagem maior a Philip Roth.

Wednesday, January 19, 2011

O Disco do Ano

Bem, não ouvi o Lover's End do Moon Safari ainda, o que talvez pudesse alterar minha escolha.

Do que ouvi, fico com o Il Tempio delle Clessidre, com o retorno realmente triunfal do Stefano Lupo., ex-vocalista do Museo Rosenbach.

Erra quem diz que o disco é meramente derivativo. Claro que a influência do Museo é patente, não só por causa do vocal, mas por causa da tecladista Elisa, fã confessa. Mas há também traços de Anglagard e Finisterre (à época já devidamente influenciados pelo Museo). Enfim, é um trabalho de rock progressivo italiano sinfônico no sentido pleno do termo. Superou minhas expectativas.

Claro que gostei muito também do Areknamés.

Em termos de descoberta do ano, fico com o primeiro do Magma, que ainda não conhecia. Descoberta do disco, claro, não da banda. Não esperava muito e caí de quatro. Mais jazzístico sim, mais Coltrane, nem tanto zeuhl, por vezes deliciosamente datado. Mas se estamos falando de um disco "datado", e sua data é precisamente 1970, pode sossegar...

Em termos de redescobertas, fico com o David Gray, singer-songwriter de primeira, nem tanto pelo Foundling, disco duplo de 2010, também ótimo, mas pelo "conjunto da obra".

Ainda neste quesito, menções honrosíssimas: One, do Neal Morse, e Pequeñas Anécdotas, do Sui Generis, que voltei a ouvir até gastar...

Tuesday, January 18, 2011

Dante goes downtown!




Não é o Dante, até hoje, menino de muitos passeios longínquos, embora passeie demasiado pelo bairro nosso e pelos vizinhos a norte a a sul, sempre margeando a boca banguela também conhecida por Guanabara.

Quando se aventura por bairros distantes, no Rio, é sempre para... consultas, o que, venhamos, não merece o nome eufemístico de passeio, embora do táxi ele goste um bocado.

Mas não é que uma dessas consultas converteu-se mesmo em passeio? A ida, de praxe, de táxi. A volta, esta que foi boa, de barca, com direito a Paço Imperial. Fiquem seus olhos e memória encharcados da cantaria barroca do Paço e do Mestre Valentim.

Friday, January 14, 2011

Al-Fárábi





Eu já conhecia o Al-Fárábi, nele comprara A Arte de Goa, Damão e Diu, assim como já conhecia o Maurício desde os seus tempos de Berinjela. Eu já bebera um chopp no Al-Fárábi, desfrutando deste luxo que é tomar chopp em meio a livros.

Mas desde que o simpático sebo, situado na Rua do Rosário, passara a trabalhar com cervejas especiais, eu ainda não tinha ido.

Chego cedo, entrando nas 10 horas (da manhã!), vindo a pé do Santos Dumont, o que de pronto me faz indagar: a que horas mesmo minha religião permite que eu comece a tomar cerveja? Quando é dia de Bola Preta, quando é dia de clube, sei que os horários são mais permissivos e premite-se mesmo que os trabalhos sejam abertos ainda pela hora do café. Mas e hoje? Enrolo um pouco, mas logo não resisto: peço um Backer Brown, cerveja que nunca me encheu os olhos e continua a não o fazer.

Percorro o sebo. A seção de literatura estrangeira é ótima. Para se ter ideia, há dois títulos diferentes de Dino Buzzati, o grande escritor italiano difícil de se encontrar por aí. O Al-Fárrábi, corram que vai esgotar, tem também livro de 1975 sobre arte uzbeque, quando ainda existia a URSS. Por aí, repito, se avalia o quão gostoso é correr suas estantes com um copo na mão.

Quando encontro livro da chinesa Shan Sa (A Jogadora de Go, em ótimo estado por apenas 13 pilas), resolvo fazer um upgrade nas birras. Por sugestão do Maurício, abro uma Brew Dog, escocesa simplesmente excepcional. A vida se me torna boa, o estresse, ainda morno do aeroporto, parece distante. Depois emendo uma Flying Dog. Ora, sou grande apreciador desta cerveja norte-americana, em especial da Double Dog, uma double pale ale. Mas o que Maurício me apresenta é uma edição de aniversário, uma Indian pale ale, meu estilo preferido, e ainda por cima Belgian Style! Uma cerveja estupenda, arrasa-quarteirão, que atende pelo nome doce e carinhoso de Raging Bitch.

Quem souber reponde: em que outro lugar se pode tomar cervejas como essas (a carta é extensa, eles têm todas as trapistas), namorar gravuras de Carybé e comprar um romance de Shan Sa? Tudo em um dos espaços mais deliciosos do Rio...

Dante ri


Sei que há. Quem controle com exatidão a primeira palminha, a primeira palavra, primeira risada. Com Dante não foi assim. Temos dados imprecisos, inexatos, não menos amorosos.

Neste ano que passou, porém, preciso: em Maio pôs-se sentado. Claro que já sentara antes, mas foi entrar o mês (May Queen) que se pôs definitivamente sentado. E aquele menino, calvinho nas costas da cabecinha de tanto ficar deitado, passou a... detestar ficar deitado. Quer é sentar-se e em seguida gatinhar aonde for possível, segura ele.

Este foi um dos ganhos de Dantuca em 2010. No último dia do ano, põe-se a gargalhar. Novamente, não pela primeira vez, mas de maneira sistemática. Se é para escrevermos em livro ou blog de recordação, fique em memória o dia de 31 de dezembro de 2010 para assinalar as gargalhadas do Dante. Na esperança de que o dia tenha sido simbólico, e ele muito gargalhe neste ano.

(i do not not know what it is about you that closes

and opens; only something in me understands

the voice of your eyes is deeper than all roses)

Tuesday, January 11, 2011

Libertação

Termino 10 e começo 11 lendo Libertação, de Sándor Márai, algo nada auspicioso, é um ano que fecha e outro que se inaugura mal, dado que o livro é insuportável.

Entende-se que um escritor húngaro nascido em 1900 precise acertar contas com o passado político de seu país, em século tão turbulento. Lamenta-se que, para tal, lance mão de uma alegoria tão pesada quanto pueril.

O romance é de um didatismo intolerável. Trechos como:

"Mas um dia é preciso arrumar as coisas. Não se pode viver assim. Os judeus, os burgueses, os nazistas, os bolcheviques, o ódio, todos odeiam todos... não, assim não se pode viver"

"Erzsébet compreendeu e descobriu naquele momento que a guerra não apenas consistia em ações militares, nas casernas e nos campos de batalha, mas também existia na alma das pessoas."

São trechos que parecem extraídos de uma cartilha de catequese para alunos da quarta série de colégio católico. Ou de uma campanha da fraternidade. Fizeram-me esfregar os olhos e voltar para a capa do livro. Este é o Sándor Márai de Rebeldes?

O diálogo entre a protagonista e o professor paralítico, quando deixados a sós no porão, lembraram-me outro romance insuportável: o Canaã, de Graça Aranha, romance de tese, no que tem este de mais típico. E pior.

Nem tudo se perde. A cena final é bem construída, a ideia toda do enredo é ótima, o que faz pensar que as 144 páginas poderiam ser condensadas de modo a dar um bom conto.

O que me alegra é que, graças, só li este romance agora. Fosse a primeira obra de Sándor lida, teria eu certamente parado por aqui mesmo com o escritor, o que me furtaria do contundente As Brasas, e das obras-primas Divórcio em Buda, De Verdade, O Legado de Eszter e Rebeldes.

Monday, January 10, 2011

Modern Sound (II)

Mas engana-se quem pensa que comi satisfeito o frio prato da vingança com o destino da Modern Sound. Acho o seu fechamento lamentável. Uma boa loja de CDs, assim como uma boa livraria, é um dos poucos refúgios de civilização em um mundo inóspito, ainda que o atendimento, como frisei no post anterior, deixe às vezes a desejar. Mas esta é uma das escolhas do mundo contemporâneo, não apenas dos cariocas ou brasileiros. Escolheram baixar, baixar tudo em vez de comprarem CDs. Há os que baixam para conhecer e depois compram. A maioria apenas baixa, julga-se mesmo no direito de fazer downloads ilegais. Lembro-me de quando começou essa história, conversei a respeito com o dono da Penny Lane, loja de CDs especializada em rock progressivo situada no Flamengo. Que, claro, já fechou. Um colega tinha gostado do CD da trilha de As Horas (comprado da Modern Sound) que eu lhe mostrara e o tinha baixado em casa. O dono da finada Penny Lane disse simplesmente: “É um CD a menos que vou vender...”. E assim, de CD a menos a CD a menos, fecham-se lojas. Em breve, post sobre o assunto.

Tenho muitas lembranças boas da Modern Sound. Lá comprei dois Nymans difíceis: o The Kiss e o já mencionado O Marido da Cabeleireira. Lá, por volta de 2000, adquiri o célebre livro do Paolo Barotto, The Return of the Italian Pop, então única referência sobre a cena progressiva italiana e que me serviu de bíblia por anos. Aliás, a MS tinha uma vasta seção de rock progressivo, algo inédito nesta cidade, excetuando-se, claro, as lojas especializadas como a Halley. Lá, em quente janeiro de 1997, comprei a integral das sinfonias do Prokofiev, regência de Seiji Osawa, bem como o Alexander Nevski. Lá comprei (2001?, 2002?), o Sandinista, do The Clash, e, de rock progressivo italiano, o Frontiera, do Procession, o Duello Madre, e alguns itens raros como o Laser, o Franco Maria Giannini e o fabuloso Enzo Capuano, dentre outras coisas. Lá comprei também o vídeo (VHS!) do Unplugged, show memorável do 10,000 Maniacs. E foi na MS também que redescobri (e comprei) um dos melhores discos infantis brasileiros, o Brincando de Roda, da Solange Maria, que só conhecia em fita cassete. Tudo, claro, a peso de ouro, que para a loja o dólar estava sempre altíssimo e ele não eram de dar descontos (a não ser, claro, fosse você um Chico, um Ed, uma Rita).

Bem antes disso, foi lá, em 1982, que fiz minhas primeiras compras de disco importado. Depois de meses economizando o dinheiro da merenda, meu irmão e eu vamos lá com a grana suficiente para dois discos. Compro o Live I, do Cream; ele, o primeiro do Iron Maiden, totalmente no escuro, atraído unicamente pela capa. O Iron aportava assim na cidade, nas caixas que ficavam logo à entrada, antes de serem catalogadas nas respectivas seções. Poucos meses depois, no meu aniversário, o pai generoso concede-me três (!) discos importados. Nessas célebres caixas, que ficavam no chão, descubro os dois primeiros do Ozzy e o ao vivo do Judas Priest, o Unleashed in the East que tornar-se-ia um de meus discos de cabeceira pelos próximos anos, fazendo mesmo com que eu passasse a assinar Evandro Luis Halford.

Tudo isso na Modern Sound, que ora fecha as portas para sempre.

Wednesday, January 05, 2011

E a Modern Sound, hein?

Muitos bytes foram escritos na imprensa ultimamente acerca da Modern Sound, tradicional loja de discos de Copacabana, que fechou suas portas no fim de 2010.

Uma das últimas lembranças que tenho foi algo que li há uns 3 anos: o filho do dono, Pedro filho, afirmava que o que vai fechar são essas lojas de porta de rua, com fumaça de carro, essas vão fechar mesmo. Afirmação categórica, deselegante, arrogante. Acreditava ele que a MS era impermeável às mudanças e que pelo fato de ter sido transformada em casa de shows com restaurante iria sobreviver à, digamos, era digital.

Aliás, arrogância sempre foi uma das marcas registradas da loja. (Sobre isso não li uma linha nos artigos recentes). Os donos, os vendedores, os seguranças deviam ser muito cordiais com os artistas, com o Chico, com a Marina, com a Adriana, com a maioria dos turistas, mas professor, fisioterapeuta ou dona de casa que lá entrasse era tratado como se estivesse recebendo favores das Suas Excelências.

Um fato é inesquecível: procurava eu a trilha sonora de O Marido da Cabelereira, do Michael Nyman. A filha do dono, a Carolina, estava no caixa, e havia me dito que a o CD estava lá, na seção das trilhas. Ora, eu já percorrera duas vezes toda a seção, de fio e pavio, e nada encontrara e daí voltei a ela. O que faz a moça? Sem uma palavra, sai de seu altar irritada, vai até a seção, encontra o CD e coloca-o sobre o balcão. Sem uma palavra. Eu não tinha encontrado o CD porque era uma edição japonesa (como eu saberia?) e a lombada vinha toda escrita em caracteres japoneses! Ousei mesmo comentar com ela: "Desculpe, é que me esqueci de todo o japonês que aprendi no Segundo Grau", ao que a alta dama nada respondeu.

Mas devo ser honesto e lembrar que tratamento grosseiro em lojas de discos não era privilégio da Modern Sound. Eu já passara por experiências semelhantes em Bruxelas e em Paris (duas vezes, a última, então, só faltou eu quebrar aquilo tudo). Devo ser honesto também e lembrar que voltas a vida dá. Poucos anos depois, tenho esta mesma Carolina como aluna! No curso de Produção Fomográfica da Estácio! Era boa aluna e pessoa razoavelmente afável. Num dia em que saímos com a turma para tomar cerveja, lembrei-lhe do episódio. Ela, naturalmente, ficou muito impressionada, mesmo incrédula, afirmando que não se lembrava de nada... É que as feridas, minha cara, ficam em que as sofre, não em quem as causa.

Tuesday, January 04, 2011

Fala, Brasil!


Dia 24/12 marco almoço com o pai no Bar Brasil. A caminho, ouço a voz aflita da mana ao telefone: "Hoje é dia 24, vai estar fechado!". Bem, fechados estavam Belmonte, Mofo, Juca e outros que tais arrivistas, mas uma casa centenária (1907) como esta não deixa seus fregueses na mão.
O Bar Brasil não sai de moda porque nunca nela esteve. Era tradicional quando a Lapa era boêmia (anos 30 a 60), continuou a sê-lo quando a Lapa virou off do off e segue impávido agora que o bairro voltou a ser in.
É daqueles em que se entra e não se tem vontade de sair. Não posso dizer "e de onde só se sai no dia seguinte" porque, alheio a toda a badalação do entorno, fecha à meia-noite, fazendo dos boêmios Cinderelas.
Tem pé direito alto, geladeira de madeira, ilustrações de Jorge Selarón. Tem duas entradas: pela Mém de Sá e pela Lavradio. A culinária alemã é mestiça: o kassler vem com tutu de feijão. Tem bolo de carne famoso (tô fora). Não tem caldinho de feijão, mas a lentilha garni. Tem garçons sóbrios, de uma honestidade desconcertante. Ao recolher nossas cumbucas vazias, Adauto disse da lentilha: "Hoje não está muito boa, né? Está dura..." Pai e eu nem respondemos, menos pela perplexidade, mais por estarmos ocupados lambendo beiços.
Tem chope famoso, que desce de chopeira com torre de bronze. Mas cá entre nós, o chope da Inbev anda tão aguado, tão anódino, que não há serpentina que o salve...

Sunday, January 02, 2011

Barreira do Vasco




A Barreira do Vasco, labiríntica favela horizontal do lado de São Januário, sempre meteu medo, e não só nos torcedores adversários. Favela braba, que mesmo antes de ser ocupada por facções (hoje sei lá qual) já infernizava os próprios jogadores do Vasco.

Não sei se foram as UPPs, não sei se foi a histórica ocupação do Alemão, a verdade é que me enchi de coragem para, dia deste de calor ameno (sem ironia), nela tomar uma cerveja. Ficamos pelas bordas, claro, que de homem corajoso demais o cemitério está cheio. E lá, enfim, nem UPP tem.

Mas que foi bom demais, isso foi, puxando assunto com os empregados das biroscas, cearense este recém-chegado, paraibano aquele, cujo trâiler traz desenhados Edmundo e Juninho Pernambucano.

Para comer, nada de Barreira (nem UPP tem e de homem corajoso o cemitério...): escorregamos para o Cidade do Porto, em pleno Campo de São Cristóvão, ao lado do bem mais famoso Adegão. O bolinho de bacalhau é impagável, dos top 5 da cidade. Como assim não são mais conhecidos e cantados em prosa e verso? Deixo aqui minha contribuição. =)

Nora

Para começar o ano com estilo, abro, já em 1/1/11, uma Nora, estupenda cerveja da italiana Baladin.

O Piemonte é lugar de vinhos, dos clássicos BBB: Barbera, Barolo, Barbaresco. Nunca me esquecerei quando lá estive em 2001: como os dois últimos, quando dos grandes produtores como o Gaja, são troppo caros, mesmo lá, caímos de boca nos Barbera: untuosos, tânicos, encorpados a ponto de serem mordidos.

Mas Teo Musso, dando as costas à tradição, quis é fazer cerveja, transformando, em 1996, seu beer pub em brewpub e, num país de Peronis, Nastro Azurros e Morettis, as sensaborias equivalentes às Skol e Brahma daqui (não tão ruins, claro), deu para fazer birras desafiadoras. Hoje é um dos cervejeiros mais carismáticos e criativos da Itália, da Europa, do planeta.

Ele toca música para seus levedos durante o processo de fermentação, acreditando conseguir melhores resultados.

Consegue. Esta Nora (6,8%) é inspirada no Egito antigo (no rótulo lê-se birra egizia, que delícia!), utilizando grãos de camala, gengibre e.... mirra! Isso mesmo: mirra! Não estão os reizinhos a caminho de Belém? Pois mais um pretexto para se tomar a Nora. Leva ainda resinas etíopes, o que lhe confere certo amargor balsâmico. Estas resinas entram aqui quase em substituição total ao lúpulo que, enfim, entra na receita só por conta da legislação, isto é, para que se possa chamar a Nora de cerveja.

Ótima carbonatação, notas cítricas no nariz (por causa do gengibre?). Na boca lembra de leve uma gueze belga, mas é mais doce, menos seca e, claro, mais doce.

Esta é a Nora que sogra sofisticada nenhuma rejeitará...

Imaculada



Ao fim da Rua do Acre, colado mesmo à Praça Mauá, deve-se subir escadinha suspeitíssima e, em seguida, dobrar a esquerda. A escadinha faz as vezes de passagem do tempo: estamos na subida do vetusto Morro da Conceição, na Ladeira João Homem, deixando para trás o Rio e o século XXI. Logo à esquerda, o Bar Imaculada, que abriu as portas no segundo semestre de 2010.

Gosto já deste jogo de opostos, em harmonia. No Morro da Conceição, o Bar Imaculada, dois atributos inequivocamente femininos, situados, entretanto, na Ladeira João Homem, masculinidade redundante a yinyanzar com a feminilidade citada.

Gosto também desta calma, deste refúgio: a escadinha suspeitosa deixa para trás a cidade e seus vícios e nos põe em contato com uma cidade outra, desconhecida, mesmo por aqueles que aqui vivem 60, 70 anos e se jactam de fazê-lo.

Gosto da vasta oferta de cervejas artesanais brasileiras, como também gosto de o bar ser também galeria de arte, com xilos espalhadas nas paredes.

Mas, sendo terça e hora de almoço, não há como explorar os petiscos (como o bolinho de arroz com feijão e bacon). A casa só serve refeições neste horário, apenas quatro, rabiscadas com giz no quadro-negro da entrada, à moda de bistrô.

Mas quem zangaria? Saí alimentado de refúgios e surpresas e, como ninguém é de ferro, três ótimas ales brazucas: a Opa, de Joinville, a Bierland, de Blumenau (como ficou boa!), e a Ouro Preto, da Falke. Assim, é melhor, pois tenho pretextos para voltar, em breve.

Ao descer, dou de cara (azar, hein?) com o Beco das Sardinhas, paraíso dos "frangos marítimos" (!) onde não faltam locais para o meu de-comer.