Sunday, May 30, 2010

Uma Criança Feliz

Dante sempre faz suas refeições principais ao som do Grupo Olá. O disco inteiro tem quase uma hora. Assim, uma refeição leva, geralmente, o disco todo e mais algumas canções repetidas.

Neste pequeno vídeo, ouve-se o pai assobiando a última, linda, música, "Maria", a única que originalmente não fazia parte do disco, mas nem por isso menos ótima. Ou seja, o disco acabara de acabar (seus 57') e ainda faltava uma colherada. Colherada que reúne a raspa do prato. Raspasse mais, os desenhos do prato vinham junto.

Uma criança feliz.
PS: ah, e reparem que o Dante também está feliz.

Saturday, May 29, 2010

Nós, que do sol fugíamos



Não faz muito, saíamos cedo, muy temprano, às vezes antes mesmo das sete, para passear.

Agora não dá para sair antes das nove. E o passeio da tarde, infelizmente cada vez mais abreviado, começa cada vez mais cedo. Nós, que descíamos às cinco, hoje já pensamos em voltar por esta hora!

E nós, que do sol fugíamos, vamos à cata dele, que cedo se esconde por detrás dos espigões.

E inverno nem começou. Imagina quando 21 do 6 chegar e as amendoeiras da praia se puserem a caducar...

Barroso D'après Monterroso



Bem que eu desconfiava. O Felipe, Felipe Barroso, este mesmo de quem recém falei por aqui, parodiou o menor conto do mundo!

Que é, relembrando:

"Quando acordou, o dinossauro ainda estava ali."

Eis a paródia, sexista, machista, insuportavelmente politicamente incorreta e genial:

"Quando acordou, a baranga ainda estava lá."

Prefiro o "ali" do original ao "lá" do Felipe (a paródia da paródia, o intertexto do interetexto e assim escrevemos o mundo). O título, que o Felipe não deu, só pode ser, claro, "Ressaca". Ou "Carnaval".

De qualquer modo, o guatemalteco que me perdoe, mas assim como Janis fez com a canção de Kris Kristofferson, "Me and Bob McGee", é este um dos casos em que o cover supera o original.

Porventura a Mais Triste

Nas notas de produção da peça The Glass Menagerie (difícil tradução para o português, recentemente escolheram O Zoológico de Vidro: horroroso), o autor Tennessee Williams dá dicas de montagem sobre iluminação, recursos extra-palco e música. Quando trata desta, escreve “it is the lightest, most delicate music in the world and perhaps the saddest.” Daí, quando trabalho esta peça com meus alunos, peço que se imaginem como diretores e tragam para aula o que julgam ser “a música mais leve, delicada e porventura a mais triste do mundo.” O resultado é geralmente bastante diversificado. Em que pese a subjetividade, algumas escolhas nada têm de triste, enquanto outras são francamente interessantes.

Eu também mostro as minhas, que costumam ser:

1) O tema principal de L’Amant, trilha belíssima de Gabriel Yared.
2) Deste mesmo autor, o tema principal do filme Sylvia. Cuidado!
3) A trilha para o primeiro episódio do Decálogo, do Kieslowski, do compositor Preisner. Muito cuidado!
4) Na área do rock progressivo, um pequeno trecho da “Epitaph”, do King Crimson, de 4:00 a 5:14, justo o trecho sem mellotron – eu, que adoro mellotron! Reparem como o fagote passa a bola para a flauta – bom demais.

No campo da música clássica, duas imbatíveis:

5) O Adágio para Cordas, do Barber.
6) O Adágio da Nona Sinfonia do Mahler.

Em relação ao adágio do Barber, o David Lynch pegou pesado ao usá-lo como trilha na cena final de O Homem Elefante. A cena já é triste, a música, tristíssima, juntar as duas é covardia, para chorar a água de uns dois cocos...

Sunday, May 23, 2010

My friend Laph


Ontem voltei a ter com o Laph, my friend Laph, short for Laphroaig (diga /léf-rói/), soberbo malte escocês.

Se toda bebida alcoolica é um gosto adquirido (nem de cerveja se gosta de primeira, eu detestei), whisky é um gosto adquirido dentre as bebidas alcoolicas.

Se todo whisky é um gosto adquirido, single malts, em oposição a essas bobagens perfumadas que atendem por Ballantine's e Johnny Walker, são um gosto ainda mais adquirido.

Se todo single malt é um gosto adquirido, os de Islay, dado o acentuado sabor de turfa e sal, o são ainda mais.

Se todo single malt de Islay é um gosto adquirido, o Laphroaig o é ainda mais, dado o seu forte componente "medicinal" (iodo) presente no nariz e na boca.

Sei que pode parecer mistificação, mas não é. Basta lembrar que durante a Lei Seca nos EUA, o Laph continou sendo exportado para lá, legalmente, sob a prerrogativa de que se tratava de um... medicamento!

O que não deixa de ser verdade...

Aliás, se é um gosto tão adquirido assim, elevado à quinta potência, como fazer para adquiri-lo?

Bem...

Friday, May 21, 2010

140 toques


Não estou no twitter, não sei se vale a pena, já tenho brinquedinhos internéticos demais.

Entanto, a ideia de escrever microcontos, com no máximo 140 toques, seduziu-me. Antes de mostrar, lembro (e reproduzo, não tomará muito espaço) o menor conto do mundo, do guatemalteco Augusto Monterroso, pré-twitter, pré-internet:

"Quando acordou, o dinossauro ainda estava ali."
Tem 48 toques (na tradução). Perto dele, alguns meus são odisseias.

São eles:

Depois de 139 toques, entreolham-se exangues e lascivos: − A saideira? (71)

Após sonoro arroto, Dantinho enrubesce ao ouvir o passarinho: − Bem-te-vi! (74)

Depois de sua broxada, Caio, outrora orgulhoso de suas gozadas, leva uma gozada. (80)

Exímia cozinheira (poeta), Sylvia prepara gostoso lanche para os dois filhos e em seguida enfia a cabeça no forno. (115)

E o velho proctologista (com clínica à Rua Dedo de Deus, 140) incorpora o twitter às suas aulas: economia nos toques, senhores! (127)

Este conto tem exatos 140 toques mas, pobre em enredo, falho em caracterização e sem clímax, não ganharia nem se fosse apaniguado do Sarney. (140)

Thursday, May 20, 2010

Pacote II ou Felipe

O Felipe do pacote (ver post abaixo) é amigo feito em Chicago em 1986. Como ele havia sido também exchange student na área e estava de volta para estudar suas pós, ele fuchicava as brasileiras do AFS que iam morar por lá (a grande maioria nos subúrbios, só o papai sortudo aqui em Chicago mesmo). Mas resolveu conhecer este então rapazote também.

Foi com Felipe que tomei minha primeira Heineken (eu ainda under 18) na noite em que nos conhecemos. Difícil acreditar que estava ali alguém que gostava de poesia, literatura, línguas, ópera, votava nas esquerdas (quando as havia), e ainda por cima era gaiato e piadista insuperável.

Com ele sempre renovo meu léxico cearense. Com ele, claro, aprendi uma de minhas expressões diletas, que sempre divulgo: "Tá mais difícil que emprenhar uma velha em pé numa rede."

Quando ele morava na Inglaterra, segunda metade da década de 90, mandou-me o pedido que eu lhe fizera: Cds do Michael Nyman (Prospero's Book e The Cook).

Então vejam:a primeira Heineken, os primeiros Michael Nymans, duas de minhas paixões perenes.

A ele repito os versos de Vinícius para o Bandeira, que caíram como luva em nosso exílio chicaguense e ainda hoje:

Não foste apenas um segredo
De poesia e de emoção
Foste uma estrela em meu degredo
Poeta, pai, áspero irmão.

Wednesday, May 19, 2010

Dia das Mães (atrasado)

Claro que, a despeito do céu plúmbeo, comemoramos o Dia das Mães, segundo do Tutuca.

Na véspera, acordamos, ele e eu, papo de homem, que o dia pedia mais presentes para a casa, daí a mãe ter ganho espremedor (já ia escrevendo espremedeira) e cafeteira. Como falar em casa é falar nesse molequinho ubíquo (em breve post sobre isso), vieram também DVDs: Snoopy, Cocoricó, Backyardigans.

Na foto, assitem a este último. Vejam como presta atenção, por algum tempo.

Tuesday, May 18, 2010

Nasce a terça-feira

Como do ventre escuro brota
luz azul
e o neon
se derrama sobre as almofadas da sala,
dizemos
que a terça-feira nasceu.
De parto natural. Mãe
e filha passam bem.

Um bem-te-vi rouco,
não se acostuma a esses sustos,
entoa-lhe loas.

Pacote




Poucas coisas me deixam mais feliz do que receber um pacote pelo correio. O dia de ontem foi cheio. A começar, segunda. Ainda que eu não mais as tema, acordar na segunda às 5:10 é sempre acordar na segunda às 5:10. E o ônibus demorou, perigou de eu ir em pé. Stress começou cedo.

Dia muito ocupado, cheio, só volto para casa às 8:30 da noite. Para se ter ideia, não vi Dantuca acordado. (Se bem que o vira de madrugada, ou seja, o dia começara bem antes das 5...).

Mas tem um pacote sobre o revisteiro. Não é de todo surpresa, posto que prometido, mas na alegria detectam-se, vai explicar, laivos de inesperado. Porque nada garantia que chegaria hoje, não sabiam minhas pupilas que iriam encontrá-lo sobre o revisteiro. Daí dilataram-se.

O pacote é do Felipe, velho amigo cearense. Mimos. Para além de dois livros devolvidos, o cabra me presenteia com sete (se-te) livros: contos, poesias, xilogravura. Teve o cuidado ainda de que alguns dos livros (Móbiles, de Luciano Bonfim; Quanto todos acidentes acontecem, de Manuel Ricardo de Lima; Manual de Acrobacia n.1, de Carlos Augusto Lima) chegassem a mim com dedicatórias do autor.

Vamos ser maniqueístas? É a vitória do bem sobre o mal, é o triunfo do entusiasmo sobre as fadigas. Porque eu precisava, como sempre, de poesia, e ela estava ali.

Não bastassem os livros, uma camisa de futebol, do Oeiras Atlético Clube, time da segunda divisão do Piauí. Amarela e azul, com brasão por escudo, terá a camisa suas pretensões helvéticas e medievais, mas o símbolo do clube -- o gavião Carcará -- nela assinala, com ferrete, o sertão. Não que este e medievalismos se excluam, já temos Suassuna e os 12 Pares de França, e era isto então que eu tinha em minha sala, nesta noite de segunda-feira.

Hoje visto a camisa para o passeio matinal com Dantinho. Cruzo com camisas de clubes cariocas, cruzo com uma camisa da Inglaterra, outra do Real Madri, mas só eu, eu e Dantinho, temos a camisa do Oeiras, clube do sertão do Piauí, e esta glória, a glória de ter um amigo que mora perto da linha do Equador, onde pendura suas cuecas para secar, e me manda pacotes, ah, esta glória ninguém nesta praia tem.

Sunday, May 02, 2010

Um galinho distante... Outra música

Bem, como já adiantado no post anterior: segue a linda versão que os queridos Giulia e Julio fizeram para meu poeminha bobo. Foi a primeira vez que ouvi Giulia cantar... Fiquei speechless...

Quem não diz... êpa?!


Êpa! Quem não diz... ave, quem não diz eia, quem não diz opa?!

Hoje pela manhã postei aqui no blog a canção feita pelo Paulo para o poemeto do Dante.

E agora, pouco depois do almoço, foi abrir o e-mail e receber dois presentes: a versão da Giulia para o mesmo poema e um desenho do Fernando!

Uma música para o Dante




Escrevi um poeminha (outro) para o Dante, mas este tem uma pretensão para além das contumazes pretensões de poeta menor (mínimo, se lembrarmos que Bandeira se dizia menor): quer ser musicado. Claro que não por mim, isso já seria pretensão demais, se bem que eu poderia tentar com uma caixinha Fiat Lux e um prato e minha voz sempre desafinada (tavez só Hemeto aprovasse). Pedi, então, que amigos músicos, profissionais e não, fizessem-no por mim.
O primeiro resultado já chegou, música do Paulo Thomaz, que, aliás, está para lançar CD. A música ouve-se no vídeo acima, o poema, que ele tomou corretas liberdades de alterar um pouco, abaixo.

PARA DANTE, A SER MUSICADO
Quando às 4:30 um galinho distante
Canta feliz no quintal em que é rei
O cocoricó chega aos ouvidos do Dante
Que abre os olhinhos e diz: “Codei!”.

Papai aqui, of course, levanta cansado
Mas ao ver o patifinho fica cheio de alegria
E é melhor assim, pensa logo animado
Pois para tanto amor tão curto é o dia.

Saturday, May 01, 2010

Três Pavões, Três Marias


Nesta manhã ouvi as "Peacock Variations", do Zoltán Kodály (1882-1967), em CD que aportou fresquinho ontem aqui em casa.

Engraçado como, grande fã de Bartók, eu nunca, nunquinha, tinha ouvido nada do seu conterrâneo, de quem Bartók foi amigo e companheiro nas expedições musicais para coletar músicas tradicionais húngaras. Não será difícil explicar a ausência de Kodály em meu toca-CDs. Enquanto Bartók foi um compositor eminentemente moderno, bárbaro e marioandradiano, Kodály permaneceu didático e conservador durante toda a sua longa vida. Embora eu tenha acabado de travar contato com a música do sujeito, não sendo justo, portanto, fazer generalizações, creio que não se encontrará em Kodály aquela verve presente no Quarteto # 3 de Bartók muito menos a fúria dos concertos para piano (em Bartók utilizado realmente como instrumento de percussão).

O que se encontra em Kodály, então? Ora, para além do mundo maravilhoso da música tradicional, melodia, muita melodia.

Ouvir as "Peacock Variations" me fez, er, pensar um pouco em pavões, o que me trouxe à mente a escritora norte-americana Flannery O' Connor. Flannery escreveu alguns dos melhores contos da literatura americana do século XX. É preciso ter estômago para ler, por exemplo, "Good Country People". Mas as recompensas são copiosas.

Ah, e enquanto não maquinava seus textos (ou talvez, sim, enquanto os maquinava), Flannery criava pavões, Hobby (?) que lhe rendeu duas crônicas maravihosas.

E palavra-puxa-palavra, pavão-puxa-pavão, lembrei-me do Vale do Pavão, em Visconde de Mauá, onde já estive algumas vezes (criança com 17 anos e burro velho com quase 40) e onde um dia pretendo voltar para fabricar minha cerveja artesanal com a água pura do Rio Preto. Já tenho até slogan: "Cerveja Pavão, a cerveja do povão" (Mentira!)

Cerveja esta dedicada ao melodioso Kodály (aliás, as duas únicas palavras que sei em húngaro são cerveja e obrigado, precisa mais?), à inquieta Flannery e às Três Marias. Que estão no céu.