Thursday, November 28, 2013

Mal dito poeta Glauco Mattoso


Num sábado em que minha mãe estava aqui para ajudar com o Dante, esqueci sobre a mesa da sala o Pegadas Noturnas (Dissonetos Barrockistas), do Glauco Mattoso.

A mãe, uma conservadora que gosta de passar por liberal, chegou-se a mim e disse: "Aqueles poemas ali, hein, Evandro?!?""

Glauco Mattoso nasceu Pedro José Ferreira da Silva no dia de São Pedro (arrá!) em 1951. Em decorrência do glaucoma, acaba por perder completamente a visão e daí adota o pseudônimo. Ou seja, Pedro era glaucomatoso, e do nome trivial (Pedro, José, Ferreira e, last but not least, Silva!) nasce o poeta absolutamente sui generis, primus inter pares, maldito, daqueles cujos livros não devem ser esquecidos sobre a mesa da sala.

Porque o Glauco pega pesado. Homossexual, podólatra e masoquista assumido, o poeta é o primeiro a rir de si mesmo e assim, um pouco à la Madame Satã, instaurar o seu lugar de respeito.

Glauco Mattoso é, antes de mais nada, poeta satírico, da família de Emílio de Menezes, Gregório de Matos e, por que não?, Augusto dos Anjos. Isso não o impede, como não impediu os poetas citados, de ser poeta profundamente rigoroso, profundamente conhecedor da métrica da língua portuguesa, coisa arquirrara por aqui.

Glauco Mattoso gosta de sonetos. Gosta, digamos. Ele é, simplesmente, o maior sonetista de todos os tempos da história da humanidade. O recordista, o italiano Giuseppe Belli, ex-recordista, escreveu apenas 2279, ao passo que o cego já chegou a.... bem., leia abaixo o soneto que eu fiz pra ele.

GLAUCO SONETO

Rua Morgado de Matheus :: o palco
do soneteiro mais iconoclasta.
Um Zé perdido numa Silva gasta
que encontrou-se no mato como Glauco.

Nem chegues perto se tens a alma casta
Aqui não rola vaselina ou talco
expõe as taras em alto catafalco
e a hipocrisia o cego assim devasta.

São 5.550
e 5 sonetos, quem é que tenta
sobrepujar-lhe o récorde alcançado?

Neguinho aí não chega nem aos pés.
E o dissoluto doudo por chulés
fica puto quando ouve um pé quebrado.


Tuesday, November 26, 2013

Igreja de Nossa Senhora da Saúde



Agora que vão adiantadas as obras do "Porto Maravilha", com famílias expulsas, pelo menos um botequim tradiconal (o Bar Porreta) posto abaixo e novas avenidas traçadas, o meu célebre 750 Charitas-Gávea passeia todo pimpão por espaços antes de todo ocultos da vista dos homens.

A igrejinha de N.S. da Saúde, que empresta o nome ao bairro e que só podia ser vista de relance do alto do Elevado, certamente será redescoberta pela população. E isso, depois de tudo por que ela passou, é coisa boa.

Visitei-a ano passado, não sem antes enfrentar a desconfiança quase grosseira do atual zelador (aliás, vascaíno fanático, trazendo esta paixão em comum tatuada na pele).

Era a única, ou das únicas, igrejas cariocas com alguma policromia na azulejaria. Conserva na sacristia um lavabo de embrechados também sui generis (conchas, cacos de louça, cacos de azulejos holandeses). E na pintura da nave (técnica de marouflage, em que a tela pintada é colada à superfície) andorinhas vão voando seus voos barrocos.

A igreja passou por restauração cuidadosa. Mas vale a pena conhecer um pouco de suas vicissitudes, na pena de Alexei Bueno, em sua pequena obra-prima Gamboa:


"Uma das coisas extraordinárias nessa igreja, para além de sua arquitetura, é o seu lento martírio, o mudo martírio dos monumentos desprezados pela urbe. Com os aterros, perdeu o mar, a vista, e ficou cercada de armazéns imundos e nuvens de monóxido de carbono. Com a construção de uma nova matriz, perdeu os fiéis. Tombada pelo Iphan em1938, foi restaurada pelo mesmo órgão nos anos 1960, e novamente no fim da década seguinte. Nos anos 1980, o vigia que nela morava, bêbado, louco os ou dois, matou toda a família em crime de pouca repercussão, como todas as tragédias populares. Abandonada, foi sendo pilhada paulatinamente, desde alfaias e pedaços de talha até que, horror dos horrores, fato inacreditável, surrupiaram-lhe dois dos painéis de azulejo [placa na igreja fala em quatro painéis], peça a peça, em trabalho cirúrgico e demorado, deixando imcompleta, provavelmente para sempe, a linda bande dessiné azul que contava a história do sábio José e de seus desalmados irmãos. Para cúmulo de tudo, exatamente embaixo de sua fachada ergueu a Casa da Moeda uma monstruosa almanjarra metálica, crematório de cédulas velhas e imprestáveis, sonhos desfeitos de fortuna que vão poluir impiedosamente a igreja secular em cima." (pp. 37-38)




O lavabo de embrechados




Sunday, November 24, 2013

O Homem e Sua Hora - Mário Faustino ::: 1a Edição Autógrafa




Uma das jóias da coroa :: minha primeira edição do Mário Faustino autografada.

Adquiri o livro no dia de São Sebastião em 1992. Preço de banana nanica. Era da biblioteca de Carlyle Martins que, até onde sei, foi poeta cearense de versos convencionais que morreu muito velho.

Mário foi poeta piauiense de versos nada convencionais que morreu muito novo. Sua imagética perturba.

Exatos, rigorosos, muito musicais seus decassílabos.


O mundo que venci deu-me um amor,
Um troféu perigoso, este cavalo
Carregado de infantes couraçados.
O mundo que venci deu-me um amor
Alado galoupando em céus irados,
Por cima de qualquer muro de credo,
Por cima de qualquer fosso de sexo.
O mundo que venci deu-me um amor
Amor feito de insulto e pranto e riso,
Amor que força as portas dos infernos,
Amor que galga o cume ao paraíso.
Amor que dorme e treme. Que desperta
E torna contra mim, e me devora
E me rumina em cantos de vitória.

Uma Cerveja para o Rock Progressivo Italiano

Cilene, Giovanni e intérprete



Um dos momentos altos do Mondial de la Bière: Cilene Saorin em conversa com Giovanni Campari, do Birrificio dal Ducato. A cervejaria é outra jóia do movimento de cervejas artesanais italianas e em vários momentos lembrou-me a Baladin, de que sou grande entusiasta.

Se Teo Musso, da Baladin, toca música para seus levedos, não falta música por aqui tambén e a história não poderia ser diferente, mesmo porque o birrificio situa-se em Roncole, Roncole Verdi, cidade natal de Giuseppe Verdi, que neste ano completa vinte pares de mãozinhas cheias.

Suas cervejas, da concepção ao produto final, passando naturalmente pelo processo, são impregnadas de música e poesia. Nos rótulos há trechos de poemas. Montale já pareceu por aqui.

Então é isso: tomar uma birra italiana, direto da terra de Verdi e de quebra um verso de Montale no rótulo. Por enquanto, sigo sonhando. As Dal Ducato, que viriam para o festival, encontram-se retidas no porto do Rio de Janeiro. Contra a poesia, a pesada antipoesia da burocracia e exigências alfandegárias brasileiras.

 Para terminar: ao fim de sua fala, fui trocar umas palavras com o sujeito, identificando-me como profondo appassionato e grande intenditore di rock progessivo italiano degli anni 70. Para contextualizá-lo (sim , era necessário: imagina você acabar de falar de cerveja e lhe surge um brasiliano amalucado do nada falando-lhe de música de 40 anos atrás), citei os 3 grandes: PFM, Banco, Le Orme.

Ele conhecia. E respondeu-me com, nesta ordem, I Giganti e Area. Ganhei meu dia, que já estava ganho, e quando lhe pedi uma birra em homenagem a estas bandas, pude mesmo ouvir a voz de Demetrio Stratos mesclando-se à melodia do "Va Pensiero".



Saturday, November 23, 2013

Pintando leitores

Tivesse espaço ainda, começava nova coleção: telas retratando leitores.

Seguem alguns exemplos. Todos os artistas têm sites, basta guglar seus nomes.

Todos me agradam imenso. Na pintura de Jose Ruesga a leitora não tem os olhos sobre o livro, naquele momento barthesiano do levantá-los, tamanho o impacto.

Esse momento, aliás, me inspirou poema ano passado.






PS: Sem o site português lindo Clube de Leitores, este post e outras coisas aqui não seriam possíveis.

High Life Club




Para quem gosta de trabalhos em estuque e serralheria (epa!), vale a pena pegar a Rua Santo Amaro, na Glória, para conhecer a antiga sede do High Life Club. O suntuoso prédio pertenceu aos descendentes do Barão do Rio Negro até 1900 e depois funcionou como teatro e café-concerto (!). Aqui tinham lugar bailes de carnaval famosos. 

Imagino a malta pra lá de high recitando trovas jocosas em frente ao Asilo São Cornélio, depois tentando escalar o mítico Relógio e ainda, os sobreviventes, tomando banho no histórico Chafariz.

Como tudo que sobe, desce, O High Life desceu suas portas em 1957.

Hoje no prédio funciona uma repartição burocrática. Os fantasmas, imortalmente entediados, só aparecem depois do fim do expediente.

Cortiços III


Depois de algum tempo (aqui e aqui), volto aos cortiços desta Muy Leal. O cortiço a que fiz referência no primeiro post, espaço simbólico da minha infância, está virando edifício de luxo. Ou seja, nem os cortiços escapam à sanha.

Os de São Cristóvão ficam na Rua Ceará. Em suas entranhas tantas vidas. Como eu literarizo tudo, impossível deixar passar que, quando morou em cortiço da Rua do Lavradio, Lima Barreto era amigo de um cearense ("Dava-me com um rapaz do Ceará, meu colega de curso, de nome Chagas, vadio que nem ele, mesmo estroina e desregrado").

E como eu literarizo tudo, impossível não pensar nas vidas que arfam nesses prédios que mal se sustestam de pé, como duas velhas bêbadas, no João Romão, na Bertoleza, na Rita Baiana, no Capoeira Firmo.

E atentem para o tamanho descomunal das portas.


Glória

Santa Teresa

São Cristóvão

São Cristóvão

Friday, November 22, 2013

Mondial de la Bière e a produção cervejeira nacional hoje






Na fase de reler Gulas antigas, caiu-me às mãos o exemplar de julho de 2002, cuja capa nos traz uma maravilhosa lasagna.

Na seção "Gulodices", cuja intenção era / é apresentar lançamentos da área gastronômica, temos a apresentação de duas cervejas brasileiras.... a Bohemia escura e a... Primus, em lata. 

Desta última lemos: "Depois de um período sem lançamentos, o mundo das cervejas volta a se agitar. A novidade é a Primus Pilsen, da Schincariol. Elaborada com malte e lúpulo especiais, apresenta bom corpo e espuma cremosa e consistente."

O texto é de uma pobreza de dar dó mas o que sobressai é o tom elogioso. A cerveja da Schincariol, em lata, tinha espuma cremosa e consistente. Ou a escassez de produtos novos fez com que o resenhista se desmanchasse por qualquer produto novo (novo?) que apareceu, ou sua ignorância era imensa. Ou o jabá foi generoso. Quiçá os três.

Mas não deixa de ser muito interessante. Há apenas (digo-o sem ironia) dez anos a escassez de lançamentos no campo das cervejas brasileiras era tão grande que permitia resenhas assim. Hoje as cervejas brasileiras atingiram um patamar tal que, sem meus hiperbolismos habituais, ao ir a um festival como o Mondial de la Biére, acho muito mais interessante conhecer novidades brasileiras do que ficar examinando o cardápio de belgas, inglesas e alemães.

Algumas estrangeira serão ótimas, claro, mas cerveja é pão, daí quando mais fresca melhor.

E no festival meus destaques vão para a Jeffrey, gostosa carioca Weiss, a Jupiter, que eu já mencionara aqui, e a Imperial India Pale Ale da Invicta, a cerveja mais amarga do Brasil.

Niterói ::: 440 anos


Hoje Niterói completa 440 anos e acordei com ganas de escrever um texto muito mas muito amargo sobre esta cidade onde moro há 18 anos.

Queria texto com a raiva dos que são escorraçados sem explicação, com o desencanto dos frustrados, com o fel dos amargurados. Queria texto que não deixasse pedra sob pedra. Texto que mandasse bem mandada à merda essa corja de políticos carniceiros e também cutucasse (sentiriam?) essa população alienada e acomodada, que guarda dinheiro debaixo do colchão e crê que o sumo da vida reside num almoço na Paludo ou no Porcão e nos inevitáveis arrotos que se lhe seguem.

Isso seria só a introdução.

Ao saír para alguma inspiração, dou de cara com mais uma casa posta abaixo no Ingá, casa que para mim tinha história.

Ao continuar a deambulação, entro no recém-inaugurado Museu Janete Costa de Arte Popular.

Ao atravessar a rua, volto ao Solar do Jambeiro, onde descubro exposição de fotografia em monóculos "Um Olhar sobre a Diversidade", acerca da comunidade LGBT. A exposição faz parte das atividades do Centro de Cultura LGBT - Prof. José Carlos Barcelos, meu amado, eterno, orientador, sobre quem há pouco escrevi aqui.

Outros, não eu!, o texto rancoroso escrevam hoje. A Lilith do meu ombro esquerdo ronrona como gatinho persa de 4 meses de idade.


PS: Parabéns, Niterói. (Sem exclamação)








Wednesday, November 20, 2013

"Longe da Árvore", de Andrew Solomon



A única pessoa que ainda me escreve cartas é meu pai. Ele gosta de mandar resenhas de livros e recortes de jornal em geral. Não, ele não é aposentado. Mas sempre encontra tempo para fazer isso e sobretudo para ler: compulsiva e onivoramente.

A mais recente que recebi, deixei-a jogada no escritório, sem abrir, com a desculpa contumaz da falta de tempo. Numa manhã de domingo particularmente difícil e estressante com o Dante (estávamos sozinhos), abri. Era a resenha da Folha de São Paulo de Longe da Árvore, recém-lançado no país, bem como uma longa (e ótima) entrevista com o autor Andrew Solomon. Senti-me estranhamente melhor.

Na tarde do dia seguinte não havia nada a fazer senão comprar o livro. Ainda na barca, voei para o capítulo 5.

Não é leitura que se faz impunemente. Eu me enxerguei tão claramente ali, e ao Dante, que, no mínimo, senti-me menos só. Não é leitura que se faz impunemente, não é leitura que se faz sem lágrimas ou sem identificação. Não é leitura que se faz sem alívio e fortalecimento, mas tampouco é leitura feita sem desespero.

Seu levantamento exaustivo, seu conhecimento vasto e minucioso sobre os assuntos impressionam. Entremear relatos acerca das famílias que têm filhos com necessidades especiais com dados técnico-científicos sobre as doenças e ainda com as lutas e embates sócio-políticos atuais (as informações acerca da polarização dos defensores da neurodiversidade e aqueles que "odeiam"o autismo são exemplo) acaba por emprestar à obra uma coesão admirável.

Longe da Árvore coloca-se muito além dessa bobajada de autoajuda e "superação" que infesta as livrarias (e as prateleiras do facebook), tanto que os dois últimos parágrafos do capítulo 5 bem como os relatos dos filicídios são estarrecedores. Mas é uma perturbação pela qual eu precisava passar.

Mas / E travar contato com pessoas como Cece, que já tomou Abilify, Topamax, Seroquel, Prozac, lorazepam, Depakote, trazodona, Risperdal, Anafranil, Lamictal, Benadryl, melatonina e Calms Forté, e com Icilda e Marvin Brown foi das experiências mais fortes por que já passei desde que o Dante nasceu.

Este é o Andrew Solomon



Este é o Dante

Tuesday, November 19, 2013

Nem Toda Maçã é Beatles :: John Tavener



O compositor britânico John Tavener (não confundir com o quinhentista John Taverner, de quem ele dizia descender) faelceu há poucos dias e embora eu desgoste big time dessa onda de música sacra (Pärt me aborrece no todo, salvo alguma coisa de Gorécki), meu interesse por ele haveria de ser, no mínimo, histórico, de vez que a cantata The Whale saiu pela Apple.

Em 1968. Imaginem, uma loucura dessas saindo pelo selo dos Beatles no ano do Álbum Branco (e no ano em que nasci, caray!). A história do profeta Jonas devorado pela baleia.

A obra é mais que interessante. Revolution # 9 vira pirulito. E Tavener aqui é tudo que George Martin não quis ser.


Thursday, November 14, 2013

Os Azulejos da Pastelaria Chic's



Acreditem: gosto mais de laranjada do que de suco de laranja, mas não creio haja aqui metáfora para coisa alguma. A do Bob's era ótima mas, por estranhas razões, acabou. Impagável mesmo era a Laranjada Americana, no comecinho da Buenos Aires, o pai sempre levava. Havia três tamanhos, identificados por fichas coloridas. E, glória suprema, era servida em cones de papel. Geladíssima, eterna. Passei lá ano passado apenas para comprovar que se convertera em uma lanchonete vulgar, outra em meio a tantas outras. Jurei nunca mais pôr os pés lá.

Não só jurei nunca mais pôr os pés lá como jurei nunca mais beber laranjada. A promessa não esmoreceu até que ontem esbarrei na Pastelaria Chic's, também no Centro. A laranjada não vem em cones mas, maravilhosa, é servida em copos de papel, de modo que se pode morder as bordas. No copo de papel há laranjas desenhadas. O pequeno estabelecimento é forrado de azulejos de laranjas! Seus vértices formam mais laranjas! Não bastasse, um lindo painel tematizando a colheita das ditas frutas, semelhante aos do Ateliê Moral (ver aqui).

E ainda trabalha com fichas.




Tuesday, November 12, 2013

Pode ser que eu nem mais levante



aperta o livro contra o peito
para que deitado
eu me veja entre as filigranas de pedra do mosteiro
e entre os azulejos do botequim do subúrbio
sonhe o dia inteiro

e se (e somente se)
trouxeres ao peito de olhos fechados aquele soneto bobo que te escrevi
pode ser que eu nem mais levante

(afinal, pra quê?)


PS: Quem quiser conhecer mais da pintora ucraniana Svetlana Rumak (é possível que não?), espia aqui :: http://rumak.net/

Os filicidas


Os filicidas dirão que matam por amor
se  filho autista
todos acreditarão ou fingem
e p(r)egarão penas brandas.

Não simpatizo com os filicidas
mas com um e outro concordo
aqui
o filho sofrera repetidas repetidas repetidas mortes
deste mesmos
que agora escrevem cartas pros jornais.

A borboleta de vidro do Ingá



As casas do Ingá desaparecem a passos largos. A construtora / imobiliária (tudo farinha do mesmo saco) que contrói o espigão de 300 andares onde antes havia casa anuncia: "Venha para o Ingá, um bairro histórico de muitas casas" e coisas do gênero.

Também eu moro em prédio. A crítica é direcionada ao ritmo desordenado e vertiginoso da verticalização e ao desprezo à memória do bairro.

Chego a desconfiar levemente que uma galerinha aí deve estar enchendo as burras com cobre grosso e boa parte dessa galerinha é gente "oficial", da prefeitura. Mas é só uma desconfiança, sou muito desconfiado.

Uma das casas que tinha seus dias contados virou estabelecimento comercial. Menos mal. Ela tinha até pombal, verdadeira relíquia. O estabelecimento comercial retirou o pombal, mas conserva alguns singelos vitrais.

Reparem o detalhe do casal de borboletas.





Monday, November 11, 2013

Queria descrever o que há nas mãos



queria descrever o que há nas mãos
que de toque em toque açulam a gula
queria descrever o que há nos olhos
mas eu sequer lhes aprendi a cor
queria aprisionar o que há na voz
toda ela mel aveia e andorinhas
queria ao menos poder entender
essa história de andares ponta pés
queria reter teus silêncios graves
bem como os sinos das capelas longes
que badalam álacres quando ris
é um dever de casa caprichado
mas vem ssshhh deita ao meu lado de sorte
que eu deixe tudo pra depois da morte

Sunday, November 10, 2013

Teus braços serão nichos



nesta noite teus braços serão nichos
recebam eles minha alma espúria
neles recebam o que restar de fúria
o dia inteiro salivada ::: bicho
da terra tão pequeno muitas vezes
vou como folha morta para lá
e para cá :: agora fico aqui
neste abrigo de desgarradas reses ::
o gato do Itaim que ninguém quis
a poetisa rafaelita que
por azar se casou com o poeta
famoso a banda que ninguém conhece
adormeço vário sob tuas asas
voo pelo abismo e o pouso em casa

O Cerco de Lisboa (num Painel de Azulejos do Grajaú)


(Não) Descubro a história do cerco de Lisboa num painel carcomido de azulejos policromados em um prédio também ele carcomido no Grajaú.

Descobri ano passado, volto hoje para (não) tirar melhores fotos, um pouco como o ornitólogo à caça daquele último uirapuru.

Em que pese o mau estado, de beleza excepcional.

Impossível (não) lembrar do Raimundo Benvindo Silva e da Maria Sara, do Mogueime e da Ouroana, personagens imortais da História do Cerco de Lisboa, do José. Confesso, e era antes do meio-dia, que cheguei a descobri-los em meio àquela soldadesca e monte de lanças.

E o Grajaú (ainda) tem coisas belas, belas como um copo de prata.