Saturday, November 28, 2020

Amor às cigarras: de pai pra filho, de pai pra filho

Com sua pedagogia muito própria (aqui), meu pai me ensinou amor às cigarras, por que sou grato, que é dos grandes que carrego. E feliz agora por conseguir transmiti-lo ao Dante, a comprovação veio hoje. Naquela hora preferida delas, uma gritou, agarrada ao flamboyant, sua cabeça de noiva, as asas como véu, translúcidas. Dante estava de pé no corredor e apontou para o ouvido, sem incômodo. Perguntei O que é, Dante? Ele sorriu e apertou o nariz, seu jeito de dizer sol (e piscina)

 A cigarra atrelas as patas é no nosso coração.

E com Adélia, de novo

Thursday, November 19, 2020

Gruta de Capri

 Estrategicamente situada na Miguel de Frias, quase dando para dizer que Praia de Icaraí, a Gruta de Capri foi por muitos anos o principal vértice do triângulo etílico-gastronômico de que também faziam parte o Chalé (bom para empadas e chope em pé) e o Ponto Jovem (bom para sanduíches). A Gruta era boa para as massas e para a pizza, que os habituês pediam com o molho da casa.

Muitos já assistiram a filmes e a shows e concertos na UFF -- confessai! -- mais pensando na pizza que viria depois. Muitos mesmo às vezes só iam ao Maracanã para poder, na volta, descer ali de 703 e pedir a napolitana. Com o molho da casa.

Havia dois ambientes e se o salão ao lado era mais reservado e tinha o garçom mais simpático, o principal nos brindava com o soberbo painel azulejar do Angelo Toledano, sobre o qual já escrevi aqui. Para que televisão se podíamos repousar ali nossas retinas tão fatigadas? O imenso painel era como as pinturas de Nilton Bravo nos botequins: em meio a uma e outra garfada, um e outro gole, o devaneio por entre ipês e castelos e, aqui, pela atmosfera onírica de estalactites e estalagmites. Para que televisão?

A Gruta fechou. Não é pequeno o risco de o imóvel ser vendido ou alugado para mais uma drogaria que irá tapá-lo com as estantes de Rivotril ou simplesmente cobri-lo com mãos de tinta. Seu tombamento, portanto, é tão urgente quanto imperioso.


Tuesday, November 10, 2020

'Mu', Riccardo Cocciante

 

Não, juro que não é provocação ao gado bolsonarista, já que não uso o blog para isto e deixo postagens políticas para o face e o insta. Chama-se Mu o trabalho de Riccardo Cocciante lançado em 1972, revelador, se ainda fosse necessário prová-lo, dos ventos progressivos que sopravam no Bel Paese na primeira metade dos anos 70. Isto é, o cantautore nascido no Vietnã (e ao contrário de um Nick Drake nascido na Birmânia e um Fred Mercury no Zanzibar, por lá morou até os 13 anos) não era de fatura progressiva, mas surfou na onda, assim como I Giganti e Dik Dik.

E surfou muito bem, num disco ótimo. Creio que não será impossível torcer o nariz para certa impostação pop ou algum melodrama (presente em outros discos do movimento), mas não ser tocado pela beleza de "Coltivò tutte le Valli" e "Era Mattino sul Mondo", com suas doses generosas de mellotron, será revelador de cinismo

Não se tocar com a tecladeira (ele próprio, o Riccardo, toca piano e moog e temos o Paolo Rustichelli, antes de lançar o Opera Prima) será indício de surdez.
 
Esses são os destaques, num disco que de resto lembra um Famiglia degli  Ortega ou um Blocco Mentale, aquele clima de Deus e cannabis.
 
Não figura no 50 Album per Scoprire il Rock Progressivo Italiano degli Anni '70, de Riccardo Storti e Donato Zoppo. Nem nos 100 álbuns do Rock Progressivo Italiano, do Andrea Parentin ou na seção italiana do Prog 40, mas recebe elogios do Paolo Barotto em The Return of Italian Pop e foram estes que, há muitos anos, me fizeram correr atrás do CD.
 
 E ainda temos o maior destaque de todos: "Corpo di Creta", epifania grandiosa, que encerra o disco de forma sublime, ombreando com o quê de melhor se fez no rock progressivo italiano.