Saturday, May 21, 2011

Fiat lux!




Em um nível mais mundano que "Fiat Lux!", lembremos que Göethe morreu pedindo "Luz, mais luz!".

Algumas bandas prog parecem atender aos pedidos com exatidão: são as bandas do lado ensolarado do rock progressivo.

Nada contra as que fogem à tanta luminosidade (o Pink Floyd já pedira "Dig a hole, forget the sun"); pelo contrário, adoro Magma, Änglagard, Araknamés e, claro, VdGG. E muitas outras.

Mas as "ensolaradas" me cativam um bocado. Engraçado que a Suécia tenha uma escola delas: Kaipa, Flower Kings, Moon Safari, que se espraia para a Noruega, com um perfeito exemplo desta linha que é o Magic Pie...

Wednesday, May 18, 2011

Os Gay




Acerca de todo o quiproquó em relação ao livro didático Por uma Vida Melhor que, a julgar pela imprensa e por algumas sumidades, tem por intenção ensinar os alunos a falar e a escrever errado, uma comparação parece-me pertinente, inda que eu não desconheça que uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.


Há uma semana a mesma imprensa e boa parte da população esclarecida (não falo dos retrógados e machistas recalcados de plantão) enalteciam a decisão do STF de reconhecer a união civil de casais homossexuais. Agora, boa parte desta mesma turma põe-se a uivar de ódio e baba bílis porque uma obra didática deseja tratar de conceitos seriíssimos como variação linguística e preconceito linguístico. Admitem que os “erros” e os “coloquialismos” (do jeito que falam parece que todo falar coloquial é “erro”) podem até estar presentes na fala de personagens (um pouco como o Chico Bento), mas jamais em um contexto sério, como um livro. Pois, afinal, como fica a concordância? (Ou “como fica as concordâncias”, citando um jornalista da Globo que criticava duramente o tal do livro didático).


Bem, gostaria apenas de lembrar que em uma fala como “as casa grande”, a concordância fica muito bem, ela está lá, porém feita de outro modo que não o da Norma Culta (que nada mais é que uma outra variação possível da língua), mesmo porque não existem línguas sem concordância. O falante que diz “as casas grandes” está seguindo uma regra que afirma ser necessário colocar a marca de plural no artigo, no substantivo e no adjetivo para demonstrar que se deseja expressar a ideia de plural. O falante de uma variação linguística que diz “as casa grande” também está seguindo uma regra (não há língua sem regras), uma gramática, uma lógica interna, que houve por bem pluralizar apenas o artigo para transmitir a ideia de plural. Há regra aqui. Não é algo caótico ou aleatório. Ele não vai dizer “as casa grande” hoje, para amanhã dizer “a casas grande” e, depois de amanhã, “a casa grandes”. Ele sabe, ainda que inconscientemente, que ao pluralizar o artigo apenas, todo o sintagma fica no plural. Técnica e cientificamente falando, é uma solução encontrada por uma comunidade de falantes mais econômica do que a que põe a marca de plural no artigo, no substantivo e no adjetivo (eh, redundância!). E para quem aceitar a argumentação até aqui, mas quiser obtemperar, “Ah, mas convenhamos que é coisa de gente preguiçosa”, lembro apenas que o inglês, de maneira análoga, põe a marca de plural em apenas um dos termos, no caso o substantivo, dizendo “the big houses” e não “thes bigs houses”. Falam (e escrevem) assim o acadêmico de Harvard e Shakespeare, e ninguém diz que são preguiçosos.


E onde entram os gays aqui? Ora, quem bradou indignado “Onde fica a concordância?” está levando em conta apenas um modelo possível de concordância, que não pode ser o único em uma língua que possui milhões de falantes. Assim como muita gente bradou “E onde fica a família?”, quando da tal aprovação do STF. Ou seja, existe um modelo de família, o homem, a mulher, os filhos (de preferência um casal), mas este modelo, meus caros, já não dá conta de toda a diversidade e variedade e preferências de toda uma população não apenas brasileira, mas mundial.



Em tempo, sou, sim, a favor de que a escola ensine a Norma Culta (por Oculta e idiota que às vezes seja), mas sempre chamando a atenção para o fenômeno das variações.
Porque acho mesmo, com Barthes, que devemos ser poliglotas em nossa própria língua, dominando o maior número possível de variações, incluindo a tal da Norma. Mas, deixem-me, novamente com Barthes, falar de acordo com as minhas perversões.



Porque língua, afinal, safada e promíscua, existe para dar prazer.

Friday, May 13, 2011

Beatles: As Músicas que Ninguém Ouve (I)



Durante o ano em que morei em Chicago, houve dias em que chegava da escola e punha direto para tocar "Don't pass me by", canção do Álbum Branco dos Beatles. Pela época, não tinha como eu ir ouvindo a música já a caminho de casa, no discman e muito menos no iPod. Então, era chegar, pegar o primeiro disco, pôr o lado da maçã mordida para cima e levar a agulha até a sexta faixa.

De tanto executar essa operação, uma vez o Dave, my American father, disse que eu era a única pessoa que ele conhecia que pegava o Álbum Branco só para ouvir aquela música, o que recebi como um elogio.

A própria descrição da operação é já reveladora do lugar que a primeira música composta por Ringo Starr teve em um disco do Beatles: a sexta faixa do lado 2 de um disco duplo. Bem, alguma música teria que ser a sexta do lado 2, como alguma teria que ser a quarta do lado 3 ou a terceira do lado 4, mas nada é acidental.

A música de Starkey, Richard Starkey, existia já há alguns anos, porém não lhe fora dada ainda a chance de conhecer a luz do dia, apesar dos rogos do baterista. Convém lembrar que mesmo o George suava para conseguir inserir as suas (se "Taxman" abre Revolver, como já postei por aqui, as suas "Not Guilty", "Sour Milk Sea" e "Circles" ficaram de fora do AB) porque, emfim, não era tarefa fácil escrever canções em um grupo onde havia Lennon e McCartney.

Um biógrafo do Ringo, Alan Clayson, é cruel: diz que a presença de "Don't pass me by" em um disco dos Beatles mostra o quanto o nível de exigência da banda (e aqui leia-se John, Paul e George Martin) havia caído. Já David Quantick, que dedicou ao AB um livro inteiro, é menos malvado, embora admita que, fosse o AB um disco simples, esta é uma das canções que teria ficado de fora.

Ainda bem que não ficou, ainda bem que o disco é duplo, é ideal para ser o disco dos Beatles a ser levado para a ilha deserta pelo motivo simples de ter mais músicas.

"Don't pass me by" conta apenas com dois beatles: Ringo e Paul, este no baixo e piano e Ringo no piano, bateria e, claro, vocais. O instrumento que se sobressai, no entanto, é o viloino country, tocado por Jack Fallon, capaz de enervar qualquer um, mas que eu adoro. O piano... bem, não esperem um piano Steinway. É mais uma pianola desafinada, provavelmente a que tocava no saloon quando Rocky Racoon e Dan travaram seu embate.

Ringo iria ainda cantar em "Goodnight" (composição dos mestres), a última faixa do disco, ironicamente colocada depois da apocalíptica "Revolution 9" e, graças a uma orquestração disneylândia, uma das poucas músicas dos Beatles que realmente evito. (Mas que vale ouvir em seus primeiros takes, ainda sem o maldito edulcorado arranjo).

Oito Motivos para se ouvir "Don't pass me by":

1) Ela te deixa feliz.
2) Tem um violino country-western contagiante, que soa mais como uma rabeca.
3) Dá para ouvir no telhado.
4) É boa para ensinar o phrasal verb do título.
5) É um sal de frutas para as dores de cotovelo, e talvez por isso eu a ouvisse tanto em Chicago, ignorado que eu era pelas deusas de olhos claros da Francis Parker High School.
6) Ela saiu como single na Escandinávia!
7) Foi gravada há exatos vinte dias antes de eu nascer, sendo este, e apenas este, um motivo de ordem estritamente pessoal.
8) It's a Ringo's!

Thursday, May 05, 2011

Caju





Quando menino, meu trote preferido consistia em, depois de ligar para um número qualquer, falar ligeiro em um tom anasalado e distante: "Alô! Aqui é da Rádio Nacional. A senhora saberia dizer qual o cemitério do Rio de Janeiro que tem o nome de uma fruta?". A vítima, entre assustada, desconfiada e incrédula, sempre balbuciava um "O quê?" ou algo próximo a isso, e eu então repetia mais espaçadamente: "Qual o cemitério do Rio de Janeiro que tem o nome de uma fruta?" Aí, era batata, a pobre dizia: "Caju!", certa que ganharia uma geladeira, e eu, extasiado, gritava do outro lado: "Pega a castanha e enfia no cu!".

Eram assim os trotes da minha infância. Fosse eu psicólogo, tivesse eu terminado o meu curso, diria hoje que eram bons tempos, hoje é tudo mais violento e com efeito é, se levarmos em conta trotes de falsos sequestros.

E o Caju continua no imginário do carioca como nome de cemitério, poucos sabendo que na verdade trata-se de quatro cemitérios, um deles judeu. São cemitérios antigos, um deles o primeiro para os negros e indígenas, que antes eram sepultos em frente à Igreja de Santa Rita, onde até hoje estão, sabe-se lá como descansam sob o peso de tantos ônibus na Marechal Floriano.

Mas o Caju é mais, bem mais que cemitérios. Lá situa-se uma jóia colonial: a Casa de Banhos D. João VI. Quando pedi à taxista que para lá me conduzisse (era uma taxista), fiz questão de dizer que não se tratava de puteiro, mas sim da casa oitocentista onde nosso antigo monarca foi tomar banhos por recomendações médicas, pois um carrapato cravara-lhe os dentes.

Daí pode-se afirmar que os banhos de mar nasceram no Caju. Para uma cidade como esta, que tanto se vangloria de suas praias, não me parece pouco.

A praia do Caju sumiu, tantas vezes aterrada. O Caju, como a Gamboa, o Santo Cristo, a Saúde, o Catumbi, é dos bairros tradicionais, ricos em história, que tanto sofreram e sofrem com descaracterizações mutiladoras.

O que se vê hoje no Caju é mui provavelmente uma caricatura do que este bairro foi no passado.

Mas ainda se encontra muita coisa interessante. Por isso a ele voltarei, em passeios e no blog.

Wednesday, May 04, 2011

BAUER



Sei que normalmente o mar se divide quando o assunto é Radiohead: uma parte da galera prog gosta enquanto outra parte detesta ou, o que é mais comum, diz detestar sem conhecer. Estou entre os que gostam, e muito, embora já não os acompanhe como fazia. The Bends e Ok Computer são dois discos importantíssimos para o rock, principalmente o último, se o assunto é rock progressivo. Para o bem e para o mal, a influência deste disco no meio progressivo foi enorme, mesmo entre bandas razoavelmente estabilizadas como o Porcupine Tree e o Anekdoten.

Na Argentina a influência atende pelo nome das bandas Fraktal e BAUER, menos em En Otra Ciudad e muito em Astronauta Olvidado. Pelas atmosferas altamente viajantes, pelos vocais torturados à la Thom Yorke, pelas letras, pelas ondas de mellotron (sampleado!!), pode-se dizer que Astronauta Olvidado é o Ok Computer em castellaño. Sem qualquer demérito para um ou outro.

A minha preferida é esta:

ZURICH QUEDA EM PARIS
Pensé
que después de tanto tiempo
íbamos a reconocernos.
Pero es imposible,
en medio de este aeropuerto
todo es tan blanco
que el recuerdo de tus ojos
se desvanece en la luz.


http://youtu.be/tvcwQ6VXf_k

Tuesday, May 03, 2011

Bom Jesus da Coluna - More pix











Mistério que a Vida me Emprestou. Desvendado.













Qual Riobaldo, que assim expressava seu amor por Diadorim, tinha eu um mistério que a vida me emprestou. Era uma igreja barroca, com aspectos de muito velha, que eu sempre via da ponte, à direita quando vinha de Niterói, à esquerda quando voltava. Que igreja era aquela? Eu perguntava aos poucos conhecidos que poderiam se interessar por igrejas velhas e nada, ninguém sabia. E como chegar lá, que bairro seria aquele?

Até que há cerca de uns dois anos saiu notinha no Ancelmo Góis sobre uma igreja recém-restaurada. Pronto, só podia ser aquela. Exultei. Mas perdi a nota e com ela a referência e assim o mistério perdurou.

Até que num domingo, folheando meu Guia de Bens Tombados, jóia comprada na feirinha da Praça XV, descubro por acaso. Se é que o "por acaso" cabe para apaziguar um mistério que vinha desde 1993. Não foi "por acaso".


A igreja se chama Bom Jesus da Coluna, está na Ilha do Fundão, mais precisamente no terreno de um quartel. É aberta à visitação, bastando cumprir certo ritual burocrático militar. Mas ninguém se intimide: todos os militares com quem tratei foram solícitos.

Chegar a um local que me instigava há quase vinte anos seria já motivo de júbilo, mas meu espanto aumentou (júbilo = espanto = júbilo) porque não havia "apenas" uma igreja velha, mas também o quartel, que já fora convento franciscano (1719), hospital dos Lázaros (1833) e asilo dos Inválidos da Pátria (1875), que recebeu soldados da Guerra do Paraguai, de Canudos e do Contestado! Cáspite!

O convento-hospital-asilo-hoje-quartel está em estado deplorável, mas gosto assim mesmo. A igreja, restaurada em 2007 e 2008, está um brinco, estalando de linda.

As ilhas sofreram sucessivos aterros e, assim, fundiram-se. A Ilha mesmo se chama Ilha do Bom Jesus da Coluna. Mas se chamava da Caqueirada, quando os primeiros franciscanos por lá pisaram em 1699.