Na livraria gentil onde enfim me dão direções de como chegar ao
Centro Cultural Andrade Muricy, coneço quadro em que os poetas curitibanos Emílio de Menezes e Paulo Leminski bebem juntos. Na verdade, apenas Emílio bebe, embora, na ilustração, Paulo já tivesse idades para tal e com certeza não faria desfeita.
Nessa chatice que é a vida real nunca beberam juntos. 44 anos separam Emílio de Paulo em idade de cervejadas.
Em recente entrevista, o poeta incômodo cego e sadomasoquista e soneteiro recordista mundial Glauco Mattoso respondeu que gostaria de convidar Emílio de Menezes para um café, Na verdade, não para um café (é que perguntaram assim), mas para um banquete dionisíaco e uma bacanal homérica.
Cito, respeitano-lhe a ortografia:
"Emílio de Menezes, o curytibano gordão e politicamente incorrecto ue Machado de Assis não queria na ABL por causa da vida bohemia, que os collegas invejosos criticavam por causa da vocação "mercenaria" de fazer annuncios publicitarios em verso, que os modernistas desprezavam por causa do supposto obsoletismo parnasiano, que os criticos moralistas condemnavam por causa da veia fescennina ou que os nutricionistas actuaes censurariam por causa da gluttoneria, mas cuja poesia é magistralmente exemplar, seja a serio ou fazendo humor."
Emílio me diverte largamente. Leio, sorrio, rio rios. Na minha humilde avaliação, a poesia satírica sobrevive melhor que a "séria", indelevelmente datada.
Mas mesmo da satírica, o seu legado parece reduzido ao trocadilho. A praga do trocadilho, que acomete mesmo poetas bons. Gente que escreve coisas como (acabei de inventar, para a ocasião): "Oh o sertão / como pode / ser tão" e chama de haikai, chama de poesia.
Emílio, Deus o tenha em um tonel de cerveja, é mais do que isso. Seguem dois exemplos.
[ALCOOLISMO (II)]
Viram? O caso até parece peta!
Quem leu acaso, ao lado, o outro soneto,
Vê que, comigo, está fazendo um dueto
A séria e severíssima GAZETA.
Se, de um lado, lhe veio hoje à veneta
Mostrar do vício o fúnebre esboceto,
De outro lado vai dando, em tom faceto,
"Reclame" à clara, à escura, à mista, à preta!
É que não tem razão a velha rixa
De quem, às claras, bebe por capricho,
Com quem, ocultamente, escorropicha:
Do barril de bom chope, ao claro esguicho,
Depois de salgadíssima salsicha,
Deixem lá que é bem bom matar o bicho!...
DEDICATÓRIA (numa página de livro)
Não fora o medo de uma rima em igre
E, nela, eu moldaria este soneto.
Mas vejo o caso preto, mas tão preto,
Que a própria tinta preta mais denigre.
Eia! Alma à larga! O medo, dela, emigre
Pois lá acima, já está, pronto, um quarteto,
E eu creio bem que, dando um tom faceto,
Alcanço um D. Xiquote e amanso um tigre.
Bem! Vou ver se consegue este terceto
Que o verbo "denigrar" para ele imigre
(O "denegrir" já foi metido a espeto).
Que um não denigra e que outro não denigre
A intenção de ofertar este folheto
Ao talento sem par do Bastos Tigre.