Monday, July 30, 2018

Com minha mãe no Peru


Não sei ao certo o dia, sei que foi bem no finzinho de julho : estávamos Camila e eu no quarto em Montevidéu, quando, por mensagem, meu sobrinho responde "Ela não aguentou, tio". A avó do Dante, já há anos Vovó Lelé, minha companheira de cerveja, confissões, gargalhadas, planejados assassinatos e doçuras, encantara-se (aqui e aqui e aqui)

Fiz o que podia na ocasião: chorei, tossi, postei no facebook "Song for Guy".

Semana passada, Camila e eu na varanda de restaurante em Águas Calientes, na parada obrigatória que os visitantes de Machu Picchu fazem. Entro no face e ele, o facebook e sua contumaz infalível memória, me lembra do acontecimento, há exatos três anos. Mostro a foto, eu imberbe de camisa do Vasco ao lado da flamenguista implacável, em sua feijoada de 70 anos no centro do Rio.

E começa a tocar no restaurante "Song for Guy".

Até a Camila, cética cética para esse tipo de coisas, esbugalha os olhos como eu nunca vira. Ficamos mesmerizados por alguns segundos eternos. Sentindo a presença, quem sabe.



Depois chega meu hambúrguer de alpaca, onde cravo os dentes. Pelo que a Vovó Lelé me daria um belo puxão de orelha.





Tuesday, July 17, 2018

Um Ment pra chamar de nosso


Até hoje bendigo a manhã em que andei por Vila Isabel e topei com um grafite muito expressivo, colorido, lindo, o rosto de uma mulher, tão real e surreal, olhos grandes, cabelos em caracóis, convidando quantos sentidos e intuições restavam. Sou entendedor incipiente, porém sensível, da arte do grafite, o suficiente para perceber grande talento ali. Aí foi chegar em casa, fazer pesquisa mínima para logo chegar ao nome de Marcelo Ment (aqui e aqui). Fiz o que se faz, segui-lo no Instagram, mas fui um pouco além, meu temperamento drummondiano de tímido sem-vergonha: vem cá, você não faz uma coisa assim com o Dante não?

Primeiro pensei numa tela e ele, que então começara a dedicar-se a elas, anuiu. E vieram casamento, filho, viagens, desencontros, passaram-se anos. Quando conseguimos organizar uma data, já tínhamos certeza de que tinha de ser na parede mesmo, grafite é grafite, beleza efêmera e arriscada.

Para Marcelo, que neste 2018 completa vinte anos de carreira, um desafio, ele que não tem / tinha por hábito pintar crianças.

O resultado superou, em muito, qualquer expectativa: Dante tão fiel a si mesmo, mas antes fiel à arte e ao sonho, sem cair em retratismo insosso.

Agora é sempre o susto: entrar no quarto e dar com ele contemplando o Pico do Perdido. O mesmo susto da manhã em Vila Isabel.
















Monday, July 16, 2018

Melchior Vulpius ( 1560 - 1615 )



família pobre de artesãos
estudou na escola local
lá em Wasungen na Turíngia
frequentou escola em Speyer

casou-se (qual o nome dela?)
obteve cargo no Ginásio
1596
nomeado cantor em Weimar

escreveu e publicou música
de igreja a mais conhecida é
o hino Ach, mit Bleib deiner
Gnade, com texto de Josué

o que a enciclopédia não diz
é que pensando nele nu-
-ma tarde Mariane Moore
me veio com

crescendos antidoting death ---
love's signature cementing faith ::

a chancela do amor abençoa a fé
e a morte anula com os seus crescendos




Friday, July 13, 2018

Crônicas Floripas IV ::: Mosaico de Martinho de Haro


Como acontece comigo com azulejos: de tanto por eles procurar, eles como que procuram por mim, oferecendo-se. Uma pequena recompensa, talvez, que não desdenho. Mosaicos como azulejos. Assim em Juiz de Fora (aqui), assim em Florianópolis. Foi sair do hotel e esbarrar com os painéis. 

Este aqui é de Martinho de Haro, artista catarinense nascido em 1907 na cidade mais fria do país. O painel, de certo modo lembra o de Mucci citado, ao atender a objetivos específicos: aqui, uma ode à industrialização de Santa Catarina, representada na figura dos operários na forja. Se os temas parecem 'insossos', 'pouco poéticos', são mais do que salvos pelo rigor e pelas cores das tesselas: efeito verdadeiramente arrebatador.

O filho de Martinho Haro é Rodrigo Haro, poeta, pintor e também mosaicista. Há painéis dele pela capital, que não cheguei a ver.






Sunday, July 08, 2018

No meio do caminho tinha uma paineira




Cheguei da rua animado para escrever sobre a paineira da Mearim esquina com a Itabaiana. A grande senhora espinhuda, já quase sem folhas, nevava flocos de algodão na quietude da manhã. O chão à sua volta, um tapete de nuvens. Aí veio essa história do Lula, ficamos excitadíssimos aqui em casa, mas agora volto à paineira, agora já noite fresca e ela, árvore sagrada na mitologia maia, ainda lá, uns frutos grandes como abacates, os flocos de algodão em doce voo.

Drummond fez o seu elefante -- massa imponente e frágil -- de madeira, algodão, doçura e paina. Então abaixei-me e catei o que pude da paina no chão. Não para fazer elefante, quem me dera essas habilidades, mas travesseirinhos. Um pro Dante, outro pra Lelê, outro pra Lara. Outro pra Páti, outro pro Francisco.

Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos moveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
de paina, de doçura.
A cola vai fixar
suas orelhas pensas.

< carlos >

Lelê

Páti

Lara

paina

Thursday, July 05, 2018

Arte Belga :: Exposição



Não é provocação. 

No início de junho estive em São Paulo e, grande sorte, lá estava a exposição 100 Anos de Arte Belga : do Impressionismo ao Abstracionismo. São belgas dois dos meus pintores diletos: Ensor e Paul Delvaux. Isso para ficarmos nos modernos, senão entram também os Bruegel amados. E, claro, no coração mora também Matisse, tão associado aos meus livros do Jorge de Lima.

Brinquei que, sem ler legendas, encontraria as obras dos dois. Nada difícil.

E lá estavam também Rysselberghe, De Saedeleer, Smits e De Smet (tão Di!). Soberbo é pouco. (Os abstratos me disseram pouco ou nada.)


Minha vida divide-se em A.D. e D.D. Num distante ano A.D. estava eu só em Bruxelas visitando o Museu de Arte Moderna. Eu já bebera Maresouds e Mort Subite, as galerias estavam vazias. Eu me deitava em frente às pinturas, em frente aos Ensor, Matisse e Paul Delvaux e contemplava. Cochilava e então acordava com aqueles sonhos / delírios à minha frente. Que experiência.







Wednesday, July 04, 2018

Crônicas Floripas III :: Sequência de Camarão



Não se deve voltar aonde se foi feliz, reza o tão sábio provérbio mexicano. Se são dias de Copa do Mundo, e para ficarmos no México, lembremos que o Brasil voltou em 1986, apenas 16 anos depois da glória de 1970, e caiu melancolicamente diante de uma França que nem era forte como viria a ser.

Sempre segui esse ensinamento à risca. Sempre até voltar um dia a Goiás Velho e gostar, regostar. A Goa voltei no espaço de um ano e inventei que não voltei porque não tinha de fato saído de lá.


Goa dá voltas e voltarei enfim
Que voltar é refúgio de quem vive
Para dizer no aeroporto de Pangim:
Voltar, não volto. Sempre aqui estive
 


Enfim.

É bom ter experiências gastronômicas memoráveis, mas a sabedoria mexicana parece encaixar-se com exatidão aqui. Conheci a famosa sequência de camarão de Florianópolis, da linda Lagoa da Conceição para ser mais preciso, em 1995. Tinha as melhores lembranças: comida deliciosa, fartura, preço baixo, orgia gastronômica a ponto de se deixar belos camarões gordinhos no prato. Isso no tempo em que sequência tinha trema.

Tudo passado. O preço aumentou, o sabor é absolutamente trivial, não há nada de fartura e, pior, o próprio nome sequência deveria ser aposentado, de vez que os camarões hoje chegam à mesa ao mesmo tempo. Depois vem um peixe com molho de camarão miúdo, onde nada presta. Isso tudo na Avenida das Rendeiras e tampouco há rendeiras.

Os Azulejos do Ostradamus ::: Crônicas Floripas II


O Ostradamus é para eventos que se querem inesquecíveis, dada a sua localização, a qualidade da sua cozinha, seus preços e, last but not least, os inúmeros painéis azulejares da fachada. Há não muito estes eram policromados, agora estão na mais tradicional combinação branco-azul cobalto, com alguns detalhes em dourado. Optou-se, pois, em resgatar certo espírito purtuguês, açoriano para ser mais preciso, detalhe de que Ribeirão da Ilha, bem como Santo Antônio de Lisboa, é tão cioso (ver aqui).

O proprietário do restaurante, um local, no entanto, não importou nada. O trabalho é todo de Jesus Fernandes, cujo ateliê fica a poucos metros das esplêndidas ostras depuradas.

Os motivos vão da habitual mitologia colonialista às tradições locais, passando, por óbvio, pelos arrebatadores acepipes por lá servidos.

Como apreciei a obra antes de entrar, senti-me Drummond no Hotel Toffolo: "Como se cidade não nos servisse o seu pão de nuvens". Porém, sendo ostras a especialidade, entrei ainda mais faminto.