Monday, March 30, 2020

Millie Small :: O Primeiro Cover de Nick Drake


A primeira música de Nick Drake a ser interpretada por outro artista (ai que difícil falar isso, tão mais fácil dizer to be covered) foi "Mayfair", pequena canção, das primeiras de Nick. O feito histórico coube a Millie Small, em 1970, em seu álbum Time will tell (epa, algum semelhança com "Time has told me"?), ela que já estourara seis anos antes com "My boy lollipop", isto é, 'meu menino pirulito' (epa!).

Na maravilhosa biografia Remembered for a While, sua irmã Gabrielle Drake espanta-se por nem ser canção tipicamente Nick, dada a sua simplicidade.

Ora, Gay (assim Nick chamava sua irmã), é justo por ser simples que logo encontrou acolhida no álbum de outro artista. 

"Mayfair" acabou não saindo em nenhum dos três álbuns que Nick lançou em vida, só vindo a ser oficialmente publicada em Made to Love Magic, de 2004, que reune quase que apenas faixas inéditas ("River Man" e "Thoughts of Mary Jane" também estão lá!).

A interpretação aguda de Millie é uma graça, um pouco como os covers que Elton John fez no início da carreira. Seria demais pedir o ethos nickdrakeano? Inda mais em 1970? Seria.




WHISKY QUARENTENA



Talvez por ser apreciador de single malts, sempre fui avesso à ideia de coquetéis com whisky, e aqui creio que encontraria concordância com o mixologista mais herético: não dá para misturar um Islay, um Speyside com soda, angostura ou limão. 

Reconheço que isso pode parecer pedante, mas não apenas: as dificuldades de equilibrar sabores aqui podem ser tamanhas que talvez seja simplesmente mais fácil aceitar que nem todo whisky serve para drinques.

Enfim.

Mas a vontade de provar a "água da vida" de modo mais leve (e no verão!) levou-me aos coquetéis. E há três dias, animado com a puríssima essência de baunilha que Camila trouxe de Londres, inventei um:

1 dose de whisky, usei o Jameson envelhecido em barris de IPA
2 doses de H2OH limão
meio limão espremido
1 fatia de limão para jogar dentro
2 gotinhas de extrato de baunilha
gelo a gosto


Depois vi que Mark Twain inventara coisa semelhante, conforme escreveu em carta de 1874 para sua mulher: 50 ml. de Scotch; 20 ml. de suco de limão, 30 ml. de xarope (qual? de quê?), angostura.

Meu Whisky Quarentena trocou a angostura pela baunilha. E acalmou tudo com o H2OH.

Sunday, March 29, 2020

DEEM-ME CAFÉ. QUERO ESCREVER :: A Morte de Bilac ou Nava e a Espanhola II


Curioso que pouco se mencione o dado: Olavo Bilac morreu de gripe, de gripe espanhola, longe da velhice, aos 53 anos de idade.

Pedro Nava mais uma vez brilha ao descrever como sua morte o marcou:

"Outra emoção eu curtiria ainda, em Barão de Itapagipe, ao abrir os jornais de 18 de dezembro daquele 1918. Traziam em manchete, JÁ RAIA A MADRUGADA, DÊEM-ME CAFÉ, QUERO ESCREVER. Era a morte de Bilac. O alexandrino perfeito Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac tivera seu fecho de ouro àquele dia nefasto. Acabara a poesia. Só compreendi depois o que senti e porque fiquei olhando tanto tempo a pedreira do Turano. Eu queria esculpir ali que Bilac tinha morrido. Rasgar na rocha, que Bilac tinha morrido. Entendi isto depois, um dia qualquer, consultando a Britânica sobre Tennyson. Lá encontrei escrito:  'The news of Byron's death (April 19, 1824) made a deep impression on him. "It was a day", he said, "when the whole world seemed to be darkened for me"; he went out in the woods and carved "Byron is dead" upon a rock'. Isto, isto mesmo. Ainda que mal comparando..."

PS: Ainda que pior comparando, foi um pouco o que senti quando Drummond morreu, em agosto de 1987 (aqui).

Saturday, March 28, 2020

Pedro Nava e a Gripe Espanhola

Pedo Nava discorre longamente sobre a gripe espanhola de 1918 no maravilhoso capítulo "Major Ávila" no antológico Chão de Ferro, seu terceiro volume de memórias.

Quando escreve "comecei a sentir o troço", ele quer dizer que foi o momento em que caiu a ficha de que a coisa era mesmo séria, não que ele mesmo, então com quinze anos, tivesse caído doente. Ainda, pois cairia pouco depois.

Comecei a sentir o troço numa segunda-feira de meados de outubro em que, voltando ao colégio, encontrei apenas onze alunos do nosso terceiro ano de quarenta e seis. Trinta e cinco colegas tinham caído gripados de sábado para o primeiro dia da semana subsequente. Chegamos ao colégio às 9 horas. Ao meio-dia, dos sãos, entrados, já uns dez estavam tiritando na Enfermaria e sendo purgados pelo Cruz. À uma hora o Diretor Laet, o Quintino, o médico da casa, o Leandro e o Fortes passaram carrancudos nos corredores e foram se trancar no Salão de Honra. Às duas, assistíamos a uma aula do Thiré, quando entrou o próprio Chefe de Disciplina, disse umas palavras ao nosso professor que logo declarou sua aula suspensa e que, por ordem do Diretor, devíamos subir para os dormitórios, vestir nossos uniformes de saída e irmos o mais depressa possível para nossas casas. O Colégio fechava por tempo indeterminado. Sobretudo que não nos demorássemos na rua. Voltei rapidamente para Major Ávila, 16. Quando eu saíra de manhã, tinha deixado a casa no seu aspecto habitual. Quando chegui, tinham caído com febre alta e calafrios a Eponina, o Ernesto, a Sinhá-Cota e o Gabriel.

Thursday, March 26, 2020

Navegar em Nava :: Hoje é Aniversário do Meu Pai


Esta minha coleção de Pedro Nava, minha naveana, orgulho da minha vida. Os seis livros de memória, que li e reli de modo febril, foram todos comprados por meu pai, que hoje completa 85 anos.

Meu pai assim, apresentando-me à vida sempre, sempre sem forçar nada, aliás, me ensinando tanta coisa no seu jeito

Me lembro mesmo de, talvez 1983, talvez 1984, eu olhar para seus livros do Nava e pensar 'Caramba, como deve ser chato isso'. Em 1996, 1997, fazendo meu mestrado, deixei a chatice do Afonso Celso de lado e caí de boca e alma em Pedro Nava. 

Li compulsivamente. Li de ter febre, li de sonhar com ele dizendo EU SOU O COMENDADOR, li de ter que percorrer seus caminhos, de conhecer seu sobrinho, de ir a Juiz de Fora. E de reler sempre. E nunca desvendar tudo. Mistério que a vida me emprestou.

Os livros do meu pai foram um pouco dilapidados, os anos difíceis do Dante (como para os CDs, aqui). Mas são os do meu coração, porque têm todas as minhas anotações e, claro, a assinatura do meu pai.

Mas comprei também dois exemplares autografados. E tenho alguns estudos, e suas cartas e pequeno diário de viagem.





Wednesday, March 25, 2020

Alguns (poucos) Grafites de Belém


Perde-se o timing e a postagem chega com seu atraso de oito meses, enfim, nada que uma quarentena não possa consertar.

Passeando pelas ruas centrais de Belém (ou seria periferia do centro?), após visitar a Feira do Açaí (aqui) e a caminho do magnífico Palacete Pinho, recolho estes quatro lindos grafites.

É muita beleza para uma só manhã. Não eram nem 8 horas.




Fotografei um Frans Post


Como aquelas matérias que eu garoto lia na revista Planeta: a foto é tirada e, uma vez revelada, percebiam-se nela fantasmas, avantesmas, fluidos, espectros, poltergeists, a Vovó Finocchia.

Tirei estas duas fotos da margem do Rio São Francisco, em Januária, no finalzinho do ano passado. Não apareceu o fantasma do Vovô Marcelo, mas não é uma pintura de Frans Post?

E não usei filtro algum, mesmo porque não inventaram o filtro franzpostProX2.

As fotos:



A pintura de Frans Post, Igreja de São Cosme e São Damião em Igarassu, 1645:


Sunday, March 22, 2020

Conheci a Última. Última Leite da Rocha


Foi no primeiro dia do ano, em Buritizinho, marco territorial 59 / 95 do Museu Casa Guimarães Rosa, que conheci a Última, que amamentava seu bebê, proseava com os amigos, cortava lenha, ajudava na cozinha a preparar a galinhada. 'Por que Última?' 'Porque meu pai achava que era a última. Mas depois veio a Mariana'.





Meu amigo Geraldo Osbin, à direita, com morador de Buritizinho



Friday, March 13, 2020

Em Catas Altas altas são as torres


Em Catas Altas Camila aprende
a palavra arbaleta
está paga a viagem
sete horas na estrada sob chuva e desastres
o que são sete horas
Pois que tem uma palavra, volta a Catas Altas
tantos anos atrás: um menino na torre
se diz nervoso e a deixa tocar o sino
crianças sob o coruchéu
Em Catas Altas altas são as torres
o resto serão chinesices
coruchéus
arbaletas
incapazes de medir
o suor das estrelas nos teus olhos



Saturday, March 07, 2020

Minha Xakriabá van Gogh


Em 1992 fiz epifânica viagem ao Ceará, desembarcando em Brasília com oito máscaras de barro, minhas oito cariris. O cólera grassava no país, a viagem foi em meio a chuvas e pontes quebradas, mas a única baixa foi o nariz quebrado de uma delas, hoje tão bem colado que ninguém nota.

Ano passado não tive a mesma sorte. Trouxe de Caruaru uma única peça do Ademilson Eudocio, filho do grande Manuel Eudocio, e ela chegou com pernas e aba do véu quebradas.

E este ano trouxe linda máscara de cerâmica do Nei, da etnia xakriabá (aqui), e esta aporta no Grajaú sem orelha. Bastava colar, então deixei-a ao lado da máscara na poltrona, sem contar que o Dante, dando vazão a antigos impulsos que eu julgava controlados, jogou-a varanda abaixo, junto com todos os potinhos de rapé de Montes Claros.

Que farei com esta máscara sem orelha?

Acredito que o Nei ou sua mulher Ivanir fariam uma nova, moleza, e até seria interessante essa orelha viajando lá dos sertões das Gerais para cá. Acolho, no entanto, ideia da dileta amiga Claudia: esta é minha máscara xakriabá sem orelha esquerda, uai. Algum problema, vai batê? Garanto que ela já tem mais história que muita máscara xakriabá aqui no Grajaú com as duas orelhas.

Ficará na sala, onde ouvimos tanta música boa. Se ela tiver algum problema de audição, só aumentar o volume. Que aqui trabalhamos com inclusão.


estas são as cariris

Friday, March 06, 2020

Entre os Xakriabá



O massacre sofrido pelos Xakriabá em fevereiro de 1987, em que três lideranças foram assassinadas, culminou, ao menos, com a demarcação de suas terras, na margem esquerda do São Francisco, lá em cima nos Gerais mineiros.

Embora o território atualmente demarcado e homologado represente apenas 1/3 da sua terra tradicional, não deixa de ser uma vitória, mais ainda quando Xakriabás já ocupam / ocuparam cargos políticos no município de São João das Missões, inclusive o de prefeito.

Mas o genocídio vem de longe. Vivendo no norte de Minas, eles bateram de frente com os bandeirantes, desde o início do século XVIII. E com missionários. E depois com garimpeiros e pecuaristas. Não é pouco. Consta que receberam bem escravos negros fugidos e com eles misturaram-se, numa miscigenação bem mais espontânea e bonita que a idealizada pelo Gilberto Freyre para os portugueses. Digo-o sem idealização.

Quando tracei meu roteiro pelo norte de Minas, incluindo Manga (aqui), Januária (aqui) e o Peruaçu, queria por força conhecer membros da etnia, e o destino se encarregou disso ao fazer com que a minha guia no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu fosse a Ivanir, índia xakriabá.

Ela não apenas foi guia competente, dedicada, gentil, como de quebra levou-me depois para a aldeia, onde pernoitei em sua casa. Aí descubro que ela e seu marido Nei são exímios ceramistas, sendo ele ainda estudioso do assunto. E tanto brinco com seus filhos lindos, Ian Sirê e Ianny. Parte da noite passamos comendo monte de pequi. Pra cada um que eu urbanoide comia, todo preocupado com os espinhos, os piás comiam cinco.


O teto da Associação Cultural tem a forma dum cocar





Escola da aldeia onde Nei leciona













A borduna pra dar na cabeça do bolsonaro

A xakriabá linda que encontrei na beira da estrada