Sunday, July 26, 2015

E a saideira, mãe?



Do not go gentle into that good night
Dylan Thomas

A morte é sempre uma surpresa, seja nos acidentes seja quando ela faz sua ronda por anos a fio. A tua foi surpresa menos pela rapidez (entrar no hospital pela manhã e morrer neste mesmo dia) do que pela falta da saideira. Sim, acabaste morrendo como a mãe do Almodóvar: sozinha num hospital indiferente. Nem ele nem eu iremos jamais nos perdoar por isso, embora nada pudéssemos fazer em contrário, agora que a modernidade expulsou a morte do interior das casas com seres e objetos amados para as enfermarias, para efeito de assepsia.

Mas e a saideira, mãe?

Esta, uma de nossas cumplicidades. Nossos almoços festivos no La Mole, que duravam horas, não poderiam, é claro, terminar no La Mole, mas num botequim qualquer, talvez o Bar do Velhinho, talvez aquele outro na mesma rua, ambos já infelizmente sepultados e transformados em padarias e lanchonetes. Para efeito de assepsia.

A saideira, claro, incompreendida pelos de fora do círculo da cumplicidade. Não se tratava apenas de beber mais, mas a tentativa vã de reter, de eternizar aquele momento em que tudo parece melhor, as pessoas são gentis, a acalásia não incomoda tanto, os filhos não se desentendem, os netos não se esquecem de ligar ou, melhor, não te jogam da rocha tarpeia, como tão unicamente dizias em teu léxico familiar.

Víamos a corrosão da família e nos entristecíamos mas, durante a saideira, a família era grande e unida.

Pela varanda, sobre meu ombro esquerdo, caducam três grandes amendoeiras nesta manhã de chuva triste. Não estavam assim há uma semana, quando fui para o Uruguai. Esses os sinais do tempo: voltar de viagem e ver que caducam as amendoeiras, deixando pelo chão o tapete de grandes folhas escarlates. Caducam as amendoeiras por todo o teu amado Grajaú. Que nunca mais será o mesmo. 


1 comment:

Graziela Albuquerque said...

Poesia pura!