Friday, September 09, 2011

Bateu! (Eh, trem bão!)

Quando eu acampava em Visconde de Mauá, na primeira metade dos anos 80, era comum encontrar-me, quase sempre à minha revelia, em uma rodinha onde circulava de mão em mão, e de boca em boca, um cigarrinho de cannabis. Quando chegava a minha vez, eu declinava, mas, para ser gentil, costumava ajudar na circulação daquilo que chamavam de "cachimbo da paz", fazendo com que este chegasse ao sujeito ao meu lado. Era um ritual sério e silencioso, dir-se-ia mesmo que religioso, sagrado, sacrossanto. Eu era o careta do grupo, pelo menos era assim que o pessoal, muito libertário e transgressor, me chamava. O silêncio só era interrompido quando alguém, de voz embargada, segurando ao máximo aquela fumaça santa na boca, gemia: "Bateu..!". Era rastilho de pólvora. Súbito ouvia-se outro "bateu" aqui, outro ali, outro acoli. O cigarrinho babado, chupado, beijado e mordido, fazia suas últimas órbitas, dentre aqueles jovens já devidamente... batidos.
Lembrei-me disso outro dia.
Quem gosta muito de música e a consome em excesso irá me entender: quanto tempo leva até que uma música, uma peça, um movimento, todo um CD, seja devidamente assimilado? Naturalmente a resposta dependerá de inúmeros fatores, como quanto tempo disponibilizamos para ele (não acontece de às vezes ouvirmos um CD e logo o deixarmos de lado, para só descobri-lo muito tempo depois, if ever?), sua complexidade e a experiência do ouvinte enquanto tal. Acontece de eu investir em um CD muitas vezes em vão, ao passo que com outros a assimilação, isto é, a compreensão e, consequentemente o gostar de verdade (gostar sem entender é mistificação, algo comum com os cinéfilos de Bergman), vem quando menos se espera.
Com o Big Big Train a epifania se deu no ônibus, depois de algumas, mas não muitas, audições, mais precisamente com a explosão dos metais aos 8'40'' da canção "Victorian Brickwork" do CD The Underfall Yard. A sensação de que já conhecia aquilo, de que sempre conheci aquilo, ao ouvir a tuba, o trombone, a corneta, a trompa. Nada sampleado, senhores, tudo carinhosamente analógico, acústico, artesanal, orquestral. Os metais, por sinal, marcam presença também em outras canções deste ótimo disco.
Segurei a respiração, mantive aquela notas musicais na cabeça e, no meio da ponte, exclamei de mim para mim com voz embargada: "Bateu!".
 

 

No comments: