Monday, January 04, 2010

Eu não falia, vovó?




Quando miudinha, minha sobrinha Karolina tinha a mania de dizer "Eu não falia, vovó, eu não falia?" Sou pouco preciso ao dizer "mania", é provável que ela tenha dito umas poucas vezes, talvez uma única vezinha, e minha mãe e eu inventamos que era mania, porque nós fazemos assim: tudo inventamos, exageramos, alargamos, se é para tornar mais divertido ou bonito. Sequer saberia dizer agora se este "falia" tinha (ou teve) o valor de "falava" ou "falei". O que acham? Tem bem mais cara de pretérito perfeito, mas a certeza deixo para os linguistas de plantão, que a minha linguística (que a Faculdade de Letras quase assassinou) é a de Oswald, a da poesia, a das imprecisões.

Bem, a que vem isso tudo? Participo ativamente de alguns fóruns sobre rock progressivo na internet. Neles já disse mais de uma vez que, se um dia eu me converter, se um dia eu deixar de ser este ateu que sou (mas que reza no aperto, é devoto de São José e de Ganesha), a culpa é do Neal Morse. Explico.

Neal Morse era o líder da ótima banda Spock's Beard, uma das mais importantes da cena progressiva nos anos 90. Depois de seis ótimos trabalhos, caiu fora para se dedicar à carreira solo. E a Jesus. Todos os seus discos tratam explícita e incansavelmente de religião. Eu acho isso um saco, mas o problema é que as músicas são ótimas, maravilhosas, pegajosas, grudentas, irresistíveis. Deus meu (opa!), ouvi ontem e hoje o One e o ?, seu segundo e terceiro trabalhos, respectivamente, e tem horas que dá vontade de gritar na rua, de dançar na praia, de... enfim, se converter, cacete!

Estava eu hoje chegando a São Domingos, onde tinha meu primeiro compromisso do ano no COLUNI (o Colégio de Aplicação da UFF), quando começa a tocar a canção "Outside Looking In", umas das poucas lentas desta montanha-russa de louvação a Jesus (mas também a guitarras, a baixo, a bateria e tecladeira!) que é o ?. O que faço (meu compromisso já fora para o espaço, ninguém apareceu, só euzinho aqui)? Vejo a porta da igreja de São Domingos de Gusmão aberta e, qual cachorro, entro! Culpa do Neal! Eu não falia, vovó, que isso ia acontecer um dia?

A igreja é véia, do século XVIII ou mesmo XVII, chegou a receber a família imperial algumas vezes, que gostava de atravessar a baía (vinham de catamarã ou pegavam a ponte? Que dúvida...) para ter com Deus. Sucessivas reformas, no entanto, tiraram-lhe aquele cheiro rançoso e delicioso de igreja velha. O golpe de misericórdia veio na primeira década do século XX. Ainda não existiam Mário de Andrade e SPHAN para zelar pelo nosso passado...

De qualquer modo, a igreja é bonitinha. Imagens antigas já não há, levadas que foram pelos antiquários e sacristãos. Mas sempre vale a visita.

E num único post cabem sobrinha, linguística, rock progressivo, conversão e patrimônio histórico.

Eu não falia, vovó?

6 comments:

Anonymous said...

adorei este post!
cabe tudo mesmo! rs

Karolina von Sydow said...

Eu não falia, vovó? ^^

A VIDA NUMA GOA said...

Olha ela aí!

Anonymous said...

Que os linguístas não me ouçam, mas sou muito mais pela linguística de Oswald e da poesia...

bloggi said...

kkkkkkkk adorei!

bloggi said...

meu ex marido costumava me dizer que para ter fé é preciso muita maturidade. Havia uma vontade de me espezinhar declarada, mas não deixei de ficar intrigada até hoje. Quem sabe a sua pode estar chegando! Pelo menos se você se converter terá algum consolo. ;-)