Friday, December 11, 2009

Nick, Árvores & Ingratidão


De certo modo, este post é continuação (prometida) daquele sobre o Nick.

Nick Drake é, hoje, referência incontornável no mundo dos singer-songwriters. Sem fazer muita pesquisa, cito de cabeça aqueles normalmente lembrados como influenciados por ele: Ray Lamontagne, José González, Elliott Smith, Jack Johnson, Fionn Regan, Bon Iver, Alexi Murdoch. Destes, acho que o Jack não tem nada a ver com o Nick, quase o mesmo acontecendo com o Ray. O Elliott Smith é notável, mas tem um lado meio punk de todo ausente em Nick.

Alexi Murdoch, o mais "recente" do grupo, tem um timbre de voz muito semelhante e ótimas canções. Tem um disco só, Time without Consequence, mas já fez a trilha-sonora do Away We Go, filme do Sam Mendes que deve chegar por aqui em fevereiro de 2010.

O Andrew Bird e o Damien Rice, que nem botei na lista, são os melhores, mas suas canções são cada vez menos folk.

O José González, com os discos In Our Nature e Veneer, também é o melhor e, este sim, carrega na alma o ethos nickdrakeano. José González é genial.

Porém o mais interessante disso tudo é que toda essa enorme influência do Nick não poderia ter sido jamais imaginada por ele, por sua família, por seus esparsos conhecidos, por seu pequeno público. Nick passou a carreira quase que inteiramente despercebido. Já completamente desiludido, ele deixou as fitas masters do Fruit Tree na portaria da gravadora e se mandou. Como quiseram dar-lhe mais uma chance, ele gravou o disco em apenas duas sessões, da meia-noite às duas da manhã. Imaginem o frio e o silêncio do estúdio. Este frio e este silêncio ouvem-se nas canções, ainda que sua voz aveludada nos traga certo calor.

Depois deste disco ele percebeu que nada mais tinha a fazer neste mundo.

Foi só em 1999, depois que a música "Pink Moon" apareceu num comercial da Volkswagen, que o sucesso veio. Com o reconhecimento, seus discos passaram a vender. E hoje todos querem ser Nick. Mesmo os que não querem têm que lidar com sua figura, in a way or another.

Já usei a palavra "interessante", então direi que o mais incrível nisso tudo é que ele próprio já previra esse sucesso póstumo na canção "Fruit Tree", a penúltima do Five Leaves Left.

"Fame is but a fruit tree, so very unsound
It can never flourish till its stalk in in the ground
So men of fame can never find a way
till time has flown far from their dying day."

O refrão perfeito:

"Forgotten while you're here, remembered for a while
a much updated ruin from a much outdated style."

E a assombrosa última estrofe:
"Fruit tree, fruit tree, no one knows you but the rain and the air
Don't you worry, they'll stand and stare when you're gone
Fruit tree, fruit tree, open your eyes to another year
They'll all know that you were here when you're gone."

E como palavra puxa palavra, esta solitária fuit tree me traz à mente uma outra árvore, A Árvore Generosa, belíssima tristíssima história de Shel Silverstein. Gostava de contá-la em 1991, para a turma do Arthur, da Julia Pelajo, Julia Dornelles, Juliane, Antonio Manoel, Rafinha (que tudo ouvia), Carol, Alice, Alicinha, quando eu trabalhava no Tabladinho. Contava até eles, que tinham quatro anos, chorarem. O Arthur, levadíssimo espertíssimo, fazia biquinho e coçava os olhos, dizia que tinha entrado cisco. Nunca me esqueci dessa história, mas o livro se perdeu ou o deixei como legado na escolinha. Foi só bem recentemente que o nome do livro (este sim eu esquecera) me veio cristalino numa manhã de sexta. Chequei na Estante Virtual, o próprio. Descobri edição nova pela Cosac Naify, com a mesma tradução do Fernando Sabino e com as mesmas ilustrações.

A história, naturalmente, permite diversas leituras. É fácil ver no menino representação exemplar da ingratidão, mas essas facilidade não retira dessa leitura sua validade. O menino é um ingrato, ao menos salva-o (será?) o fato de que ele permance menino por toda a narrativa, mesmo quando já se tornou um velhinho curvado com dentes fracos demais para maçãs (que a árvore, ao final apenas um toco, já não tinha). Essa leitura de que o menino não cresce encontra suporte nas palavras mesmas da árvore: "Venha, Menino, depresa, sente-se em mim e descanse." e nas do narrador, em sua visão-com a árvore: "Foi o que o menino fez".

Exigir que o menino tenha seu momento epifânico como King Lear (afinal, o maior relato já escrito sobre ingratidão) é pedir demais de um menino, mesmo porque a história acaba e não nos parece razoável imaginar o que aconteceria em páginas náo escritas.

E a árvore, que tampouco é uma Cordelia (again, Shakespeare), apenas cumpre seu destino. Ela é aquela mulher sem nome do conto "Death in the Woods", do Sherwood Anderson.

Não pensem que leio apenas Drummond, mas não há como fugir desses versos:

"Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão."

Ah, o livro é dedicado a um... Nick.

2 comments:

Anonymous said...

caraca... eu amo esse livro!

meu pai lia pa caramba pa mim...

:D



JOÃO

A VIDA NUMA GOA said...

Que máximo, João!
Tô impressionado. Mas não deveria, conhecendo pai e conhecendo filho e conhecendo árvore.

Agora pede para o teu pai tocar Nick Drake para você e o pacote fica completo!

(Ou pede para o teu tio...)