Sempre que penso em um disco do ano, faço-o em duas frentes: o disco lançado no ano que passou e o disco de que mais gostei no ano, independente de quando foi lançado. É possível que haja interseção entre as duas categorias, como poderia ser o presente caso, mas, for the sake of variety, escolhamos dois álbuns diferentes.
Nada aqui é a ferro e fogo. Fico com estes dois, ambos maravilhosos, como poderia ontem e poderei amanhã me decidir por outros.
Nada aqui é a ferro e fogo. Fico com estes dois, ambos maravilhosos, como poderia ontem e poderei amanhã me decidir por outros.
Na categoria, pois, "descoberta do ano", fico com o Love Hate Round Trip (2006), da banda italiana Areknamés.
Na categoria "lançamento de 2009", fico com o Hazards of Love, dos norte-americanos The Decemberists.
O Areknamés nos propõe um progressivo sinfônico pesado, muito soturno, emocionado, denso, com um trabalho de produção acima da média. A comparação com o Van der Graaf Generator é inevitável, e olha que é difícil encontrar bandas claramente influenciadas pelo VdGG, muito mais difícil do que encontrar influenciadas por Yes, Genesis, ELP ou King Crimson. Isso se dá porque, para lembrar o Van der Graaf, mesmo que vagamente, deve haver uma semelhança com o que a banda inglesa tem de mais notável, os vocais de Peter Hammill. (E não, como boa parte de uma crítica incipiente e preguiçosa amiúde faz: "Tem sax? Lembra VdGG!"). E como é difícil assemelhar-se aos vocais únicos e apaixonados do Peter! Bem, mas a voz de Michele lembra muito a do Mr. Hammill, impressionante! Tanto o timbre quanto o alcance e a impostação e a enorme dramaticidade. Claro que a qualidade maior do álbum não se resume a "lembrar VdGG". As composições são soberbas e complexas e há um peso, com riffs sabbathianos, de todo ausente do Van der Graaf.
O engraçado é que cheguei a fugir desta banda quando na Halley me disseram, falando de seu primeiro trabalho homônimo (2003), que o som era doom. Ouvir isso e ver que o disco fora lançado pelo selo genovês Black Widow afastaram-me. Acabei comprando o Love Hate na Rock Symphony sem esperar muito. Caí de quatro.
Só para terminar: a música "Ignis Fatuus" bem poderá ser lembrada como a "House with no Door" dos anos 00. Digo isto porque não consigo pensar em elogio maior.
Na categoria "lançamento de 2009", fico com o Hazards of Love, dos norte-americanos The Decemberists.
O Areknamés nos propõe um progressivo sinfônico pesado, muito soturno, emocionado, denso, com um trabalho de produção acima da média. A comparação com o Van der Graaf Generator é inevitável, e olha que é difícil encontrar bandas claramente influenciadas pelo VdGG, muito mais difícil do que encontrar influenciadas por Yes, Genesis, ELP ou King Crimson. Isso se dá porque, para lembrar o Van der Graaf, mesmo que vagamente, deve haver uma semelhança com o que a banda inglesa tem de mais notável, os vocais de Peter Hammill. (E não, como boa parte de uma crítica incipiente e preguiçosa amiúde faz: "Tem sax? Lembra VdGG!"). E como é difícil assemelhar-se aos vocais únicos e apaixonados do Peter! Bem, mas a voz de Michele lembra muito a do Mr. Hammill, impressionante! Tanto o timbre quanto o alcance e a impostação e a enorme dramaticidade. Claro que a qualidade maior do álbum não se resume a "lembrar VdGG". As composições são soberbas e complexas e há um peso, com riffs sabbathianos, de todo ausente do Van der Graaf.
O engraçado é que cheguei a fugir desta banda quando na Halley me disseram, falando de seu primeiro trabalho homônimo (2003), que o som era doom. Ouvir isso e ver que o disco fora lançado pelo selo genovês Black Widow afastaram-me. Acabei comprando o Love Hate na Rock Symphony sem esperar muito. Caí de quatro.
Só para terminar: a música "Ignis Fatuus" bem poderá ser lembrada como a "House with no Door" dos anos 00. Digo isto porque não consigo pensar em elogio maior.
Em uma época em que o importante é baixar musiquinhas para servirem de ringtones para o celular, lançar uma ópera-rock com 17 canções interligadas que fluem ininterruptamente, como fazem os Decemberists nesta obra-prima que é Hazards of Love, é marca inequívoca de uma atitude progressiva. O som transita entre o indie, o pop de altíssima qualidade (David Bowie inicial, Talking Heads, Pulp) e o progressivo, mas a fatura é predominantemente folk, seja na instrumentação, seja nas letras.
Ópera-rock, o disco nos apresenta uma história repleta de verve. Percebe-se um cuidado estrutural quase joyceano (sei que exagero): entre as 8 canções iniciais e as 8 finais, um interlúdio, instrumental, belíssimo. Depois dele, os temas retornam com novas e variegadas roupagens, como "The Hazards of Love" e "The Wanting Comes in Waves".
Difícil dizer que as letras são o ponto forte do trabalho, pois isso pode implicar que a música vem em segundo plano, o que não é verdade. Mas as letras, sim, mostram como o manancial folk é inesgotável e está sempre sujeito a releituras. Repletas de inventividade e maldade (o folclore é cheio de perversidades, senhores, não estamos a falar de Disneilândia), elas nos levam a um mundo fantástico e, por isso mesmo, ambíguo. E, sem querer, faço um link com o post anterior, o do malfadado leiteiro: se viver é muito perigoso, não o será também amar? Hazardous.
Outro ponto alto reside nos vocais. Os de Colin Meloy são desenvoltos e sinceros. Os femininos, apaixonados e operísticos. Os coros, estupendos.
Obra-prima. E pensar que ainda existem aquelas viúvas insuportáveis dos anos 70...