Sunday, February 11, 2018

Crônicas Indianas IV :: Varanasi II


Jean-Claude Carrière, citado na primeira postagem sobre a mais santa das sete cidades santas da Índia, já fala dos inconvenientes e perigos de Varanasi. Dentre estes, o pitoresco, "que fere aqui cada olhar noviço, a ponto de frequentemente cegá-lo." Dentre aqueles, o de que não haveria nada a ser visitado, pois os templos históricos, em número de cem, foram todos arrasados pelo Islã e o Templo de Ouro, reconstruído, não seria tão bonito e não franquearia, anyway, a entrada a não-hinduístas. Bem, tivemos melhor sorte que Jean: visitamos o frenético Templo de Ouro, não sem inconvenientes.

Mas o que há realmente para ser visto são os ghats, as numerosas escadas que dão para as águas do Ganges. São cerca de oitenta. Alguns são pop, como  o Dasaswamedh . Outro, como o Manikarnika, é onde se realizam quase todas as cremações: cerca de trezentas por dia. Percorrê-los constitui choque de tal ordem que é preciso uma reorganização para entender que aquilo, afinal, não é um espetáculo,  mas um movimento de fé que existe há séculos e que continua acontecendo neste exato momento e continuará depois que todos partirmos. É como uma cachoeira que nos enche os olhos durante meia-hora. Ela continuará daquele jeito, numa madrugada de 12 de setembro sem ninguém próximo para admirá-la.

Não sei se me faço entender. 

O bom de Varanasi será ficar por muitos dias. Passar mesmo um tempo sem os ghats, apenas entre as ruelas coalhadas de templos e vida e morte. Passar um tempo na parte mais nova e seu trânsito absolutamente infernal. Tornar-se indiano (é fácil) sem câmeras a tiracolo, dissolver-se no formigueiro como o açúcar na água. Tomar lições de cítara e hindi e culinária e, em troca, dar aulas de inglês. E certa tarde esbarrar novamente com eles, talvez aquele formado a partir do suor de Shiva que procurava o brinco de Parvati. Em Varanasi isso não é mitologia, é história.




















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