Sim, fui ao show do Paul, quitando dívida e angústias que tinha para comigo. Fui, vi, vivi, cantei, pulei, já posso subir no telhado sossegado. Este é o tipo do texto que não sei bem como começar, nem como dar prosseguimento, tantas são as abordagens possíveis. Porque estou a falar de Beatles, paixão perene, que carrego sob minha pele há 35 anos e ao escrever estas palavras, exatamente agora, meus olhos umedecem e minha pele fica como a de ganso.
Vive em mim, indelevelmente litogravada em minha memória, a tarde de 1976 em que fui à loja de discos Ton-Ton na Verdun, Grajaú, e comprei o Revolver por 88 cruzeiros. Minha mãe, no carro a esperar, me instruíra para que eu pedisse ao vendedor que tocasse as músicas antes de comprar, "para ver se eu gostava". Assim o fiz, muito cheio de constrangimentos, e o sujeito levantava a agulha música a música, depois de cada meneio de cabeça meu. A introdução de "Love you to" pareceu-me interminável.
Eu tinha só oito anos, mas amei Revolver com todas as forças que um menino casimiriano pode ter. Só um ano depois viria outro, o For Sale. Reparem a minha idade, reparem os anos, 76, 77, anos daquela diarreia musical que se chama disco music.
Sofri bullying ocasionais. Meu irmão às vezes me sacaneava, meus amigos. Não era época para se gostar de Beatles, ninguém sequer conhecia. Eu amava escondido, mistificado. Porque não era apenas "Dr. Robert" ou "Eight Days a Week", eram coisas como "Hey Jude", "I want you (she's so heavy)", "A Day in the Life". O lado B inteiro do Abbey Road. Como, músicas assim? Como, o quê, de onde vinha aquilo? Haveria uma chave para explicar tamanho mistério?
Dos oito aons onze anos foi assim. Não tinha namorada, embora me apaixonasse uma três vezes por dia, mas tinha os Beatles, meu refúgio, meu segredo. Aquele presente que um tio seu te dá, uma pedrinha do Urucuia, uma pedrinha lunar.
Hoje meus alunos gostam de Beatles, o show do Paul reúne, fácil, três gerações. Acho ótimo. Em 1995 não conseguia dar aula direito porque meus alunos ensaiavam passinhos de funk. Hoje eles choram porque não conseguiram ingresso e choram se conseguiram. E eu com eles.
Aliás, o mistério daquelas três músicas, e tantas outras, mesmo as banais como "I'm Down" continua. E olha que passei por muito rock progressivo e muito Prokofiev, Bártok e Shostakovich.