Friday, December 30, 2011

Uma Fase Muito Chão

Estou numa fase, digamos, muito chão. Isto é: agora que descobri a beleza dos azulejos / ladrilhos hidráulicos, vou à cata deles em antigas igrejas, botecos e lojas. Feita uma descoberta, curvo o pescoço em 90 graus, tirando fotos, esbarrando em tudo e em todos e só tornando a levantá-lo (o pescoço) quando deparo-me novamente com a claridade.

Assim foi na Igreja da Nossa Senhora do Carmo, nossa antiga Sé, quando lá estive numa quarta-feira para papar a missa de N. Senhora da Cabeça.

De lá rumei para a Igreja de N. Senhora do Rosário e S. Benedito, munido já da informação que, após o triste incêndio que a destruiu praticamente toda nos finais dos 60, só os azulejos hidráulicos da sacristia sobreviveram...

No caminho, ainda tinha a Casa Cavé, com mais deles...







Os da Igreja do Rosário:




Os da Casa Cavé:


Wednesday, December 28, 2011

Ufanices



Conheço um punhado de igrejas românicas europeias, estilo, aliás, que aprecio imenso.

Nenhuma, entanto, agrada-me tanto como esta. Chamem-na neo-românica, quasi-românica, pseudo-românica, whatever, é até hoje a única igreja românica que conheço, em todo o mundo, que pode ser contemplada ao som da sinfonia das cigarras. E à sombra do Pico do Papagaio.

Nem Monet teve isso em Rouen.

PS: Mas será mesmo românica? Ou bizantina? Lembram-se disto aqui?

Monday, December 26, 2011

Kombi Progressiva ou Pequena Antologia da Kombi







Odeio carros.

Farei, talvez, uma concessão às kombis, com a condição que, um dia, uma delas realize um meu sonho: levar-me ao México para assistir ao Baja Prog. Desde aqui, da minha porta no Ingá até Mexicali. A kombi será pintata com as cores do país-destino e ouviremos, claro, rock progressivo durante todo o trajeto, incluindo as paradas, à luz e ao bafo das estrelas.


PS: Como falar de rock progressivo e kombis e esquecer desta imagem, a perfeita síntese entre rock progressivo e kombis??

Friday, December 23, 2011

Rua Taturana




Então esbarro com uma rua que homenageia um dos personagens mais maravilhosos da nossa literatura -- o Riobaldo Tatarana.


Riobaldo tornou-se Tatarana depois, quando assumiu a chefia dos jagunços a tiros: "Ah, eu, meu nome era Tatarana."

Antes, foi Urutú-Branco, batizado por Zé Bebelo, ex-chefe: "Ah, o Urutú-Branco: assim é que você devia de se chamar."


Os nomes não pegam nele, o que o leva a refletir: "por meu tiro me respeitavam, quiseram por apelido em mim: primeiro Cerzidor, depois, Tatarana, lagarta-de-fogo. Mas firme não pegou. Em mim, apelido quase não pegava. Será: eu nunca esbarro pelo quieto, num feitio?"


Mas Riobaldo é o preferido dos companheiros, e também do Joca Ramiro, ainda que ele nunca deixe de ser Riobaldo. Nem poderia, rio baldo que é. Daí: Riobaldo Tatarana.


Mas a rua é Taturana, dirão. Dá no mesmo. "Tatá" ou "tatu", em tupi, significa fogo. Encontramos a palavra também em "Boitatá" / "Mboitatá", personagem de nosso folclore, cobra de fogo.

"Rana", em tupi", é "semelhante a", algo como o "like" em inglês, em "childlike", por exemplo. "Tatarana", pois, é "semelhante a fogo" e passou a designar aquela lagarta peluda que queima um bocado.

O sufixo "rana" Guima já o utilizara ao batizar seu primeiro livro de Sagarana, isto é, "à maneira de uma saga". "Saga" nada tem de tupi, é palavra nórdica, em que se pode reconhecer o verbo inglês "to say". Legal, né?

Ao mesclar tupi com dinamarquês, nosso cordisburguês dava mostras já do que aprontava. E de que aprontava. Mais moderno / eterno, impossível.

Porque nem toda rua há-de se chamar Rua Comendador Senador Trombogildo Pereira Júnior







Dando prosseguimento às postagens de ruas com nomes interessantes, que fogem às contumazes homenagens que nossos vereadores gostam de fazer a seus pares, ou seja, a corja de ladrões, estupradores e assassinos.

Quando os puxa-sacos de plantão decidem mudar o nome de uma rua aqui nesta cidade, sempre há chiadeira. Os bisnetos do Visconde Paraguassú se inflamam e relembram suas glórias imorredouras , as descendentes do Coronel Sacanagildo de Almeida Cavalcante batem o pé e rogam pragas, toda a árvore ginecológica do Dr. Onan Bronhoso da Fonseca gritam que isso é sacanagem!

Mas quem, quem defenderá quando (em breve?) decidirem pela mudança dos nomes da Rua Ierê e Tajuri?

Valei-me Tupã.

Mas nada do que tenho visto se equivale a esta... Rua do Z. Uma homenagem ao Zorro? Ou ao sono? =)

Thursday, December 15, 2011

Filho da Puta


Não haverá mais cavalo como aquele. Na primeira metade dos anos 60, precisamente nos anos de 62 e 63, Filho Puta reinou absoluto nas raias do Jóquei.

De todos os jóqueis que o montaram, Barrosinho, de Nova Russas, foi quem mais o compreendeu. Vê-los humilhar os colegas -- cavalos e jóqueis -- era não saber onde terminava o corpo de Barrosinho, onde começava o de Filho da Puta. O fato de Barrosinho medir 1,20 e pesar 40 quilos, o que lhe rendeu entre os colegas despeitados o apelido de Pigmeu, ajudava.

Nas festas que o dono de Filho da Puta promovia no jetset carioca, regadas a champagne e cocaína, Barrosinho proclamava fungando (ou aos soluços): "Esse cavalo não é apenas Filho da Puta, é também filho de uma égua!" Mas ninguém achava graça. Barrosinho, claro, não pertencia e não percebia ser títere. Nem o Filho da Puta.

Mas ganhavam e ganhavam e tudo eram champagne e alfafa fresquinhas. Multidões afluíam de todo o canto para gritar: "Corre, Filho da Puta" e, depois, na vitória, berrarem extasiadas "Filho da Puta! Filho da Puta!". Igual, nem no Maracanã. Tias e mães ouviam filhos e sobrinhos nessa gritaria e, impotentes, nada faziam: era o nome do cavalo.

Em seus lares, esses mesmos filhos e sobrinhos também cavalgavam empregados e empregadas (mesmo, e principalmente, quando chegvam aos 15,16 anos), agregados e agregadas, e chicoteando-lhes o lombo gritavam: "Corre, Filho da Puta!".

Até que um dia apareceu Esmeralda, por quem Filho da Puta caiu de amores. Como estes não eram platônicos, o cavalinho, em meio ao páreo, tinha ereções tão violentas que lhe impediam de correr. Qem acha que exagero, tente. E asssim começou seu declínio. Não havia viseira, tapa-olho, nada: Filho da Puta sentia Esmeralda pelo cheiro e já não terminava corrida.

Tentaram comprar Esmeralda, corredora apenas medíocre, mas seu dono, rival, declarou-a invendável. Barrosinho abandonou-o e em seguida seu dono que, numa festa já não tão badalada, declarou peremptório: "É um grandissíssimo Filho da Puta!".

Foi vendido, exilado em Paquetá, para puxar carroças. Durante a travessia, quem teve a chance de fitar Filho Puta nos olhos óleos entendeu o que realmente é tristeza.

Barrosinho virou garçom do Jóia, o Jóquei virou um imenso shopping center, o país, um matadouro. Seu ex-dono continua o mesmo. E passados alguns anos, quando já mal puxava carroças, Filho da Puta foi sacrificado e virou ração de cachorro.

Hoje é apenas um retrato na parede.

Mas como dói.

Monday, December 12, 2011

Corporal Clegg - Pink Floyd



Música pouco badalada do Pink Floyd, "Corporal Clegg" terá, no mínimo, o mérito de ser uma das primeiras composições antibélicas do Roger Waters. Não é pouco, e ainda tem mais.

A canção servirá com perfeição para ensinar o conceito "the form fits the content", um dos mais caros à literatura e que procuro aplicar quando trabalho canções com meu alunos literariamente.

Senão vejamos. O desdém imenso do narrador pelo militarismo não reside apenas nos versos (nosso personagem não perdeu uma perna na guerra, mas ganhou... uma de madeira; sua medalha foi encontrada no zoológico, e hoje os solitários Mr. e Mrs. Clegg encharcam-se de gim), mas na música em si -- a guitarra ácida, os vocais lisérgicos, o final tumultuado, a linda mudança de tempo e, principalmente, naquele irritante solo de kazoo. Toda a pompa militar que a Sra. Inglaterra sempre amou, plantando colônias e guerras por toda a extensão do globo, como que se reduz àquelas notas marciais estridentes, repetitivas e desagradáveis.

Consigo mesmo visualizar um vagabundo de chapéu coco marchando desengonçado, tentando acompanhar os soldados muito sérios. Ou o Pica-Pau. Todo o mundo do Mr. Clegg, o mundo no qual acreditou, é visto com suprema irrisão pela geração nascida nos 40, interessada em outros tipos de revoluções, mormente as musicais. "Corporal Clegg" poderia ser cantada em javanês, aliás, poderia ser instrumental, que essa crítica, por meios estritamente musicais, já estaria explícita.

By the way, o kazoo possui raríssimas ocorrências no rock, pelo que devemos todos ser gratos a São Vicelino (1080-1154), santo de hoje e de quem sou devoto.

E "coincidência" (epa, mas em literatura, em arte não existem coincidências), o primeiro kazoo foi fabricado por um relojoeiro alemão chamado ... Thaddeus Von Clegg! É a vida, sempre, que supera a arte.

Por que dois vídeos? O primeiro tem a canção completa, com direito a dois solos de kazoo, na verdade o mesmo tocado duas vezes. O segundo é uma rara versão live. Regalem-se as meninas com o Gilmour bonitão tocando o tal kazoo.

Wednesday, December 07, 2011

Três Conceições

Eis que Conceição, na toponímia carioca e fluminense, escande-se em três sílabas: uma rua, um morro, uma ilha.

Na Rua da Conceição, no centro do Rio, esquina com a Júlia Lopes de Almeida, está o botequim mais antigo da cidade em funcionamento: o Bar Jóia, extremamente antigo e supinamente elegante: fotos artísticas, Botafogo por todos os lados, música clássica como trilha-sonora, apenas dois ou três pratos no cardápio do dia. Quer mais, procura um chinês. Seu Jóia já nos deixou, mas Dona Alaíde toca o negócio pra frente com galhardia.

A ilha já não parece ilha, após os tantos aterros. O mesmo que aconteu com a Fiscal e com a das Cobras, no Rio. Mas a Ilha da Conceição está lá e o sentimento de que já foi ilha prova-o o certo isolamento que suas ruas ainda preservam.

O morro? Um dos lugares mais apaixonantes do Rio. Não espalhe ou faça-o somente para os de confiança. Há pouco teve evento de arte por lá e on the top of that apresentou-se a Orquestra Voadora. O rapaz tocando tuba, tão Fellini, não me deixa mentir.






Uma Conceição



Como hoje é dia de Nossa Senhora da Conceição, aquela que se equilibra sobre um quarto crescente, escrevo sobre a imagem que tenho.

É imagem barroca de madeira policromada, com suas volutas e panejamentos e furos de bicho. Ganhou-a meu padrasto, a quem sempre chamei de tio, das mãos de um antiquário, pelas fotos que fez para um seu livro. Se é autêntica, se já viveu centúrias, tenho minhas dúvidas, pois foi presente de antiquário e eu não confio nada nesse tipo de gente.

O valor que ela tem para mim é, usemos palavra tão em voga, agregado. Quando voltei de minha primeira viagem a Ouro Preto, que me marcou para sempre, percebi interessado a imagem da Nossa Senhora da Conceição na arca de meu tio. Percebendo, ele disse, de uma maneira tão desintressada, casual, tão matter-of-factly: "Quando você casar, eu dou ela pra você."

Passaram-se anos. Contra todas as probabilidades das casas de apostas londrinas, casei. No dia do casamento, quando Bia e eu abrimos nosso puxadinho em Pendotiba, o Orlando me entrega um pacote. Era a imagem da Nossa Senhora da Conceição, equilibrando-se sobre lua, anjos, nuvens e ternuras.

O Orlando, homem amoroso e difícil (a "Hard Lovin' Man", do Deep Purple, é dedicada a ele), era capaz de surpresas assim.

Tuesday, December 06, 2011

Viva o 1o Seminário Internacional do Bar Tradicional













Quando soube que em vez de coffee break, haveria chopp break, Bia falou que esse negócio não era sério. Mas é. E eu já cantara esta pedra por aqui, acerca deste Seminário que enfim acontece. Para os desavisados, que não se importam quando o bar-mercearia da esquina troca seus azulejos hidráulicos do piso por lajotas brancas, saibam que um encontro como este, que visa a discutir a preservação e existência de botequins tradicionais, é da maior importância, mormente se lembrarmos a quantidades de estabelecimentos fechados nos últimos anos.


De um tempo para cá, fecharam: Arco Teles, Bar do Garotinho, Flor do Leblon, Tangará, Pinhel, Monteiro, Café Progresso, Penafiel da Gamboa, Garoto das Flores, Bofetada, A Paulistinha, Leiteria Santana. Estes os que fecharam para sempre, subiram o telhado, foram pro céu dos botequins, mas ainda tem os que sofrem mortais descaracterizações, como a já mencionada troca de piso, a retirada de azulejos, de quadros, das geladeiras de madeiras, de serpentinas e, mesmo, claro, trocas de itens de cardápio. Em alguns casos, o fechamento talvez fosse preferível.


A discussão não é simples e não se dá só por aqui. Na minha opinião, não se trata de congelar e muito menos tornar os botequins macumba pra turista, com preços estratosféricos. Como a discussão não é simples, ao menos comecemo-la em caráter mais formal, porque decisões heroicas tomadas em mesas de botequim já temos a mancheias.


Aliás e a propósito, ontem mesmo a Prefeitura do Rio criou um "cadastro de bem cultural" com 12 botequins antigos, o que é uma espécie de tombamento informal.


Os bares selecionados são: Bar Lagoa, Nova Capela, Café Lamas, Bar Luiz, Armazém do Senado, Bar do Jóia, Bar do Gomes, Adega Flor de Coimbra, Restaurante 28, Casa Paladino, Bar Brasil e Cosmopolita.


Claro que faltaram muitos outros, mas já é um começo. Para lá de auspicioso.

Friday, December 02, 2011

Vou levar o meu filho a São Januário



O meu filho fará agora três anos: está quase entrando na idade em que deve começar a ser introduzido a alguns horríveis rituais machistas brasileiros, como o futebol.

Dia desses, pego nele pela calada e aí vamos nós para São Januário, apanhar a barca para a Praça XV que, com alguma sorte, não colidirá contra o cais nem nos deixará à deriva na baía.

Como ainda não sabe ler (um dia?), o primeiro gesto há-de ser o universal infantil de colar o rosto à janela aberta, qual cachorrinho em carro, para ver as águas e a terra distante que passam.

Começarei por lhe tentar nomear morros e picos e fortes da nossa boca banguela, o Cara de Cão ali, os Órgãos acolá, a Fortaleza de Santa Cruz. Terei que ter palavras para a ponte, que não lhe escapará. Sobre esta, aliás, vislumbraremos engarrafamento, mas disso está poupado o meu filho.

Da Praça XV pegaremos o 209. Ao cruzarmos a Leopoldina, tentarei persuadir-lhe como pode ser bonita, ainda que pesada, a estrutura da enorme Estação. Depois identificar-lhe-ei algumas ruas ao longo do caminho. Quando começar a chover, surgirão velhos edifícios e galpões e depósitos e trapiches abandonados, ruas tristes e carcomidas. Ele quererá saber o nome e o destino de cada prédio, de cada pessoa, e na sua cabeça de criança ficará guardada a mesma imagem que guardo da infância: um ônibus que atravessa rápido, como se em fuga, um mundo estático, feito de personagens de presépio que parecem plantados nos pontos, nas ruas, nos quintais das casas, com a única finalidade de nos olharem enquanto passamos.

Almoçaremos no Santa Genoveva, mas não sem antes, claro, traçarmos meia dúzia das impagáveis empadas da Dona Olímpia no Quinta de São Cristóvão, por sinal um dos templos da vascainidade desta cidade. Tentarei tirar uma foto da velha cozinheira minhota, o que muito o divertirá, já que ela, índia arredia, de tudo fará para não ter a alma capturada em meu Nokia.

Subiremos a pé a Rua São Januário, quando então irei falar-lhe do Policarpo e de minhas tentativas de localizar-lhe a casa. Meu filho tudo ouvirá, mas a esta altura um burburinho irá num crescendo inevitável penetrar em nossos ouvidos.

Lancharemos, numa barraquinha, cachorros-quentes Geneal, que isto aqui é jogo de futebol. Uma Coca-Cola para ele, um latão para mim. Dois pacotes de Biscoito Globo, bandeiras, e aí vamos nós, o coração descompassado ao ritmo do ruído surdo dos passos da multidão a caminho do Estádio, nosso Estádio, patrimônio mundial, glória neobarroca construída com o sangue dos portugueses e dos pretos e dos pardos pobres a quem tentaram humilhar e só fizeram fortalecer.

Das entranhas escuras desse monstro de cimento emergiremos para a luz ofuscante dos holofotes junto aos quais a chuva forma fios de prata brilhando na noite. Lá em baixo, o gramado, lindo, perfeito, parece esperar para ser pisado só por deuses, não por simples mortais. De repente, ele estremecerá, a sua mão apertará a minha, excitado e assustado, os olhos fixos na boca do túnel pela qual saem correndo, um a um, os onze deuses cruzmaltinos, saudados por um grito de vinte e cinco mil gargantas: "Vaaaaaas-coooo! Vaaaaaas-coooo!" Este é o instante mágico, o instante iniciático, que sela para sempre o amor irracional entre um homem e um clube de futebol, um amor para a vida, que ninguém, jamais, poderá alterar.

Esta iniciação é tarefa de homem, dever indeclinável de pai, que mulher alguma entende. Nem adianta depois tentar explicar: "Como é que é o futebol, mãe? Olha, cachorro quente amassado no bolso, uma multidão aos gritos, um gramado a brilhar, preto e branco e cruz de malta por todos os lados e nós, encharcados e roucos, patinando na lama." Enfim, uma paixão inexplicável.

PS: Possível que, no caminho, cruzemos com um e outro tricolor e botafoguense que, passado o impulso inicial de menear a cabeça, certamente entenderão este ritual de passagem e iniciação e sorrirão com simpatia.

PS: Este texto foi adaptado do belo texto de Miguel Sousa Tavares, "Vou levar o meu filho às Antas", de Não te deixarei morrer, David Crockett.

Tuesday, November 29, 2011

Sara

Quando a mãe de Sara se soube grávida, ganhou de um amigo um poema que, se não me falho, dizia mais ou menos assim:


Sara é uma linda menina ainda mal-acordada.
Suas pétalas mais sedosas estão ainda fechadas,
dormindo de bom dormir.
Quando Sarinha acordar,
vai pedir leite na xícara de porcelana pintada,
vai querer mel aos golinhos em colherinha de prata,
duas horas vai gastar fazendo trança e castelos.
Estou fazendo um vestido,
uma tarde linda e um chapéu,
pra passear com Sarinha,
quando Sarinha acordar.

Sara acordou há muito, embora ainda adore dormir de bom dormir. Ainda bebe mel aos golinhos e faz castelos e poemas. Assim é Sara. Enquanto seus amigos ficam em dúvida entre Engenharia de Produção, Relações Internacionais e Direito, Sara não sabe se faz Português-Latim ou Português-Literatura. Quando suas amigas iam ver o Mickey, ela subia com o pai para Milho Verde para colher sempre-vivas vestindo saia godê. Ao completar dezoito, não pediu carro nem viagem nem boite, mas uma Olivetti para bater seus textos. Um dia virá o carro, mas será uma kombi que a levará ao México. Sara não dirige, vai ao lado, lendo cadernos de Eisenstein e o diário de Frida Kahlo.

Tenho inveja desse que vai ao seu lado.


O primeiro texto de Sara na Olivetti

Sunday, November 27, 2011

Miniconto visceralmente dinobuzzatiano em que o próprio título é quase maior que o conto


O menino e o sono nunca foram de intimidades, o que talvez explique as madrugadas em claro, horas a fio, para grande desconsolo do pai.

Acometido pela pneumonia, o menino, inda que febril, dormia noites inteiras.

Que saudades das noites em claro, as suas fadigas, ver o dia quebrando as barras.

Friday, November 25, 2011

My sweet George acusado de plágio






My sweet George acusado de plágio ou... Afinal, houve plágio aqui?

Um dos casos mais emblemáticos de plágio na história da música envolve nosso querido George. Poucos sabem / lembram, é provável que tenha havido um abafamento do caso, voluntário ou não, por parte dos admiradores do quiet beatle. Por exemplo, se os dois livros que tenho sobre George, um deles de quase 500 páginas, tratam do assunto, é de causar estupefação que o recém-lançado documentário de Scorsese sobre Mr. Harrison, Living in the Material World, seja silente sobre tema tão controverso, ainda mais se lembrarmos que o documentário é longo, ocupando dois DVDs.

O fato é que a canção "My Sweet Lord", presente no primeiro disco solo (triplo!) de George Harrison foi acusada de plágio por um grupo norte-americano de garotas chamado The Chiffons, hoje mais lembrado por isso do que por qualquer outra coisa (apesar do abafamento). No começo tudo foram flores: All Things Must Pass chegava ao topo das paradas e "My Sweet Lord" era a canção mais tocada. Depois, os espinhos: a acusação, a batalha judicial para que o caso fosse resolvido off-court, o que os advogados dos queixosos rejeitaram, insistindo em que o ex-beatle plagiara a canção "He's so fine".

Passados dez anos, o veredicto: o juiz anuiu que Goerge praticara SUBCONSCIOUS PLAGIARISM. Talvez a Excelência tenha ficado sem graça de afirmar que o ex-beatle plagiou e saiu-se com esta, não sei. O termo parece jocoso, eufemístico, mas, numa análise mais aprofundada, terá sua validade.

Subconsciente ou não, na superfície George teve que desembolsar quase 600 mil dólares, nota preta mesmo para um astro do rock. E mesmo para um homem mais ligado nas coisas do espírito.

Outro dia preparei um texto com algumas questões para meus alunos. Ao fim da aula, toquei, é claro, as duas canções, perguntando-lhes: "E aí, afinal, houve plágio?" A maioria ficou em cima do muro, mesmo porque era um grupo com vários beatlemaníacos. Uma aluna apenas foi categórica no sim.

E aí, houve plágio?

O que eu acho? Bem, uma história: em 1986 ou 87 estava eu em Chicago no carro com meu American dad quando começa a tocar a tal da música das Chiffons no rádio. Pulei no assento, bati a cabeça no teto do Subaru e exclamei: "Mas isso é 'My sweet Lord'!". E olha que não ouvia a música do George há anos... Por aí, avalia-se.

Saturday, November 19, 2011

Mexendo em Vespero - Русский Прогрессивный рок



Não conheço nenhuma banda russa de rock progressivo nos anos 70. Com certeza, a galera criativa de lá cortava um dobrado com regimes totalitários.

Mas a coisa mudou, e hoje temos LIITLE TRAGEDIES (porventura o mais famoso), APPLE, GOURISHANKAR e a VESPERO, originalíssima no que faz um space rock tingido de cor local (incorporar terroir, sem cair na macumba pra turista é atitude prog bagaray).

Nos anos 80 teve o Autograph.

Do primeiro citado conheço o "Return", que nunca fez muito a minha cabeça, mas confesso que tenho que dar-lhe segundas chances.

O APPLE ("Crossroads") é uma maravilha, principalmente para fãs de Spock's Beard (fase Neal), como eu.

Apesar de uma bateria eletrônica irritante aqui e ali, o "2nd Hands", trabalho do Gourishankar, é muito bom. Interessante ter saído por um selo canadense, o Unicorn.

Tem também o "Rainy Season" (o disco também se chama "Return" ::: coincidência), e aí já estamos entrando na senda da boa música eletrônica, à la Tangerine Dream.

A lamentar que poucas das bandas cantem em russo, principalmente se lembramos que o russo é a língua da alma. O Autograph o fez, o Little Tragedies ora sim, ora não.

Agora ouçam esse VESPERO e me digam se não é uma sonzeira do cacete, à la Birds and Buildings...

Добрый день

Friday, November 18, 2011

O Miguel Ângelo dos Botequins II

Neste post sobre o Nilton Bravo, fiei-me no Jaguar, que contabilizara apenas três quadros restantes do nosso Miguel Ângelo dos botequins. Sou amigo do Jaguar, mas sou mais amigo da verdade. Tem muito mais Nilton Bravo por aí!


Em passeio pelo Cachambi (que passeio!: restaurante Evandro's, Cachambeer, cerveja artesanal no Suingue Brasileiro, rua Vasco da Gama e, last but not least, um Bravo legítimo!), descobri belíssimo painel do Bravo no Café e Bar Brasília. Do Bravo não, dos Bravos... A simpaticíssima Dona Margarida, de claros olhos transmontanos, e interessada pelo meu interesse, revelou-me que o grande painel, feito num dia, foi pintado metade pelo Bravo pai e metade pelo Bravo filho.... Não tem o Bruegel the Elder e Bruegel the Younger?, então temos nosso Bravo Pai e Bravo Filho.

Na periferia do Grajaú, em frente ao antigo zoológico, descobri também um no Café e Bar Canto do Minho que, pelo estilo (vejam o flamboyant / ipê), tem grande chance de pertencer ao catálogo dos Bravo.

Suspeita semelhante nutro em relação a pintura encontrada no Flor do Bairro, localizado no bairro de Vasco da Gama.

E eis que um leitor do blog, o Rixa, descobriu um Bravo na Matacavalos, dentro de um... açougue! Faço questão de reproduzir a foto que ele me mandou como forma de agradecimento.

Mas o que esqueci de mencionar é que tinha esta cidade um autêntico museu do Nilton Bravo no bar Arco Teles, localizado no Arco dos Teles e atualmente fechado. Neste bar havia nove (!) painéis do artista, o maior acervo reunido. Os azulejos eram azuis e pretos, rara combinação. Cheguei a frequentá-lo, mas, infelizmente, não tirei nenhuma foto. A que reproduzo é foto da foto que se encontra no Rio Botequim 1999. O local se encontra em obras e sempre que por lá passo (e mesmo quando não passo) sou assaltado por temores em relação aos quadros.


Se o novo dono os retirou com o intuito de mudernizar o bar, é um ignorante. Se tentar comercializá-los, é bom que saiba que um quadro do Nilton Bravo só tem valor em um botequim. Fora dali, revelará tão-somente as limitações de um pinto naïf. Se os destruiu, é um iconoclasta, um criminoso. Meu temor, percebe-se, é justificado, haja vista a uglification of the world que grassa por aí.


Bar Brasília, no Cachambi:





Bar Canto do Minho, no Grajaú:



Flor do Bairro, em Vasco da Gama:




O açougue na Matacavalos:




O finado Arco Teles:

Le Orme




Neste post aqui lembrei os 40 anos do rock progressivo italiano. Ora, não fica bonito lembrar isso e esquecer que, há exatos 10 anos, isto é, em novembro de 2001, aportou por aqui o Le Orme, uma das bandas mais importantes do movimento.

Vieram tocar no extinto (chuif...) Rio Art Rock Festival, evento que durou mais de uma década e trouxe tantos grupos bons. Com efeito, quando comecei a escutar Le Orme, em 1984, não poderia sonhar que um dia iria vê-los ao vivo. O Leonardo Nahoum trouxera também o Banco no ano anterior. Depois, fora do RARF, veio o Premiata. Ou seja, a Santíssima Trindade do Rock Progressivo Italiano já tocou no Brasil. Não é pouco. Mais ainda se lembrarmos (este blog quer catar o miúdo e o esquecido) que também tocaram Baletto di Bronzo (abrindo para o Banco) e, em um distante Festival da Canção nos 70, o Formula Tre.

O show do Le Orme foi memorável em todos os aspectos. Abriram com "Collage", canção imortal, própria de aberturas e fanfarras, progressiva até a medula no que mescla sonoridades europeias clássicas (Scarlatti) e roquenrol. Tocaram o Felona e Sorona de fio a pavio. Depois, como se fosse beber um copo d'água, Tagliapietra sentou-se no chão, todo de branco, para tocar cítara.

Na véspera eu, macaquinho de auditório, fui ao Hotel Argentina colher o autógrafo do baterista Michi dei Rossi. Ele não foi muito simpático, limitando-se a murumurar "Estrana visione" quando lhe estiquei a capa do meu vinil do Collage, lançado por aqui pela Philips em 1975.

Tenho o autógrafo do Rossi (aliás, tenho o do Tagliapietra também, mas isso é outra história), tenho o pôster do RARF encimando minha coleção de CDs. Tenho as lembranças do show. Já posso morrer tranquilo.

Mas quero viver mais 200 anos, na esperança de revê-los ao vivo.

Thursday, November 17, 2011

A música erudita morreu, viva a música erudita!: Nico Muhly



Quem assistiu a O Leitor prestando atenção à música já o conhece, mesmo sem o saber: Nico Muhly.

Nico é uma espécie de enfant terrible da cena erudita atual. Escreveu uma ópera na qual um solitário anda por Londres à busca de amigos, que queiram ver suas fotos, escrever em seu mural, curtir seus comentários... Quite familiar, uh? A ópera se chama Two Boys, mas já tem outra, a Dark Sisters. Aos trinta anos, tem também um concerto para violino... elétrico. A peça postada chama-se "Skip Town" e é tocada pelo próprio.

Como se percebe, a música erudita morreu. Viva a música erudita!

PS: Prestigie o artista, comprando seus CDs e indo aos concertos / shows. A vida não se resume (ainda) à tela do computador.

O CORNO DO BOTECO

A verdade é que São Jorge impera, quase ubíquo nos botequins cariocas. Vira e mexe surge uma Nossa Senhora, uma Sagrada Família ou um outro santo.

Mas os cornos, antíquissimos e poderosos amuletos do paganismo, fazem-se também presentes. Colocar chifres na frente da casa, no telhado, é prática ancestral, sendo eles dos mais poderosos símbolos de proteção.

No Nordeste e em Goiás colocavam-se cornos na roça. Meu Folclore Goiano, de José Teixeira, confirma. Quem aí já viu um espantalho? Eu vi um em São Tomé das Letras, mas isso serão europeizações que não se enraizaram aqui. O corno, sim. E da roça passou à botica, à mercearia, ao boteco, onde o vendeiro carece de proteção menos do pinguço que quer debitar uma cachaça e mais do governo que quer cobrar-lhe impostos escorchantes.

Seguem três ocorrências de corno: Glória, Flamengo, Praça da Bandeira. No da Praça, os atuais donos, cearenses, disseram-me que os antigos, purtugueses, não gostavam dessas coisas. Pode ser.

Quando for de dono de boteco, vou de São Jorge, Sâo José e corno. Sabem como é, pelo sim, pelo não... chá de barbatimão.


Confeitaria e Bar Solange - Glória



Café e Bar Martins - Flamengo


Bar e Restaurante Carne de Sol - Praça da Bandeira

Wednesday, November 16, 2011

AZULEJOS DE BOTEQUIM

Minha magnum opus sobre azulejos em botequins contará com cerca de dez volumes, sendo que o lançamento do primeiro está previsto para agosto de 2017. De modo a evitar tumultos, como aqueles a que recentemente assistimos no show dos Beatles no Shea Stadium, a distribuição de senhas começará em breve. Atentos, pois!

Entretanto, para saciar a voracidade dos insaciáveis, ora publico alguns teasers do que andei encontrando por aí.

Embora não desgoste de todo de azulejos modernos (haverá mesmo espaço para eles no apêndice do oitavo volume), meu negócio mesmo é azulejo velho, de preferência naquelas inefáveis combinações bicromáticas. São azulejos que, após a montagem, ficam como um tabuleiro de xadrez. A este recurso dá-se o nome de enxaquetamento.

Como era de se esperar, a combinação azul / branco é a mais comum, seguida de perto pelos maravilhosos azul / amarelo. Mas eis que encontramos também azul / azul piscina, azul / rosa, azul piscina / branco, preto / rosa, amarelo / roxo, branco / verde escuro e amarelo / preto.

Ora publicamos somente uma foto de cada (duas da mais comum), a título de exemplo. Se você conhece algum boteco com azulejos assim enxaquetados, deixe a dica nos comentários, por favor.

Santa Mônica -Praça Mauá


Confraria do Bode Cheiroso - Tijuca


Roças do Minho - Grajaú


Fica Bem - Benfica


Jôdecama - São Cristóvão


Almeria - Praça da Bandeira


Tosão de Ouro - Vila Isabel


Balcão Tombado - Caju


105 Pontes - Maracanã


Enchendo Linguiça - Grajaú