Não tem "road movies" (Paris, Texas; Sideways; E a sua mãe também)? Não tem "road novels" (Lolita; On the Road, definidor do gênero)? Então proponho que também haja "road songs" e, nesta categoria recém-inventada, my Oscar goes to.... "Willin'", da obscura banda norte-americana Little Feat.
Little Feat é uma banda que passou por diversas formações, mas para mim falar dela é falar de Lowell George, um cara difícil, brigão, que bebia até os sapatos, mas que tocava slide guitar como poucos e compôs pequenas jóias que transitam entre o rock, o country e o folk.
Dizem (o rock 'n' roll tem mais lendas que o folclore celta) que quando ele, então integrante do Mothers of Invention, mostrou "Willin'" ao Frank Zappa, foi... expulso da banda, pois Zappa, ciumento, sentiu que aquele cara ali iria logo chamar atenção demais. Dizem também que ele foi expulso porque a canção traz referências explícitas a drogas e bebida ("weed, whites and wine").
A música é obviamente roadie por falar das viagens do narrador, sempre em busca de uma Alice que parece estar já fora de seu alcance ("Seen my pretty Alice in every headlight / Alice Dallas Alice").
Mas ela é especialmente roadie para mim por três circunstâncias (e talvez quatro ou cinco ou seis) verídicas ("Meninos, eu vi!").
Em 1987, depois de morar um ano em Chicago, chega o dia de eu voltar para o Brasil. Eu e meus pais Dave e Ellen estamos imensamentre tristes na depedida. Pouco antes da partida, Dave me presenteia com uma fita, gravada por ele, cheias de músicas que falam de "going back home", despedidas and what more, coisinhas como "You'll make me lonesome when you go", do Bob Dylan, "White Bird", do It's a Beautiful Day, e, claro, "Willin'", do Leat Feat. Assim, faço toda a bus trip, de Chicago a New York, ouvindo músicas que me marcariam para sempre.
Assim que chego no Brasil, estamos em julho de 1987, embarco com Fred, Miriam e Ana Lúcia em uma viagem mágica por Diamantina, Serro, São Gonçalo do Rio das Pedras e Milho Verde (minha mítica Macondo). Adivinhem que músicas tocam incessantemente naquelas estradas cor de tijolo?
E muitos, muitos anos depois, estou em Goa. Fui, enfim, conhecer a mítica ilha de Chorão, onde me vejo às voltas com sua atemorizante igrejona. Consigo por lá, depois da visita à igreja e a um templo a Ganesha, descolar uma vendinha muito simpática onde tomo uma Kingfisher gelada. O sentido de plenitude não poderia ser maior. E como voltar a Pangim? Arrumo uma carona com um rickshaw, em cuja caçamba viaja uma gurizada feliz que acabou de sair da escola (é uma de minhas fotos goesas mais queridas).
Estou quase sendo jogado para fora do rickshaw, de tão pequeno ele é. I'm drunk and dirty. Ao atravessarmos uma ponte, que música ouço?
I'm drunk and dirty. But I'm still willin'.