Monday, January 31, 2022

Deitando a Etiqueta às Urtigas

 


A capital culinária da França e, portanto, uma das capitais culinárias do mundo, tem em seus bouchons sua expressão máxima

Não bastassem as comidinhas absolutamente singulares, como os patês, as andouillettes (salsichas de tripas de porco que merecem postagem própria), as quenelles, os queijos, Lyon é ainda a terra do Beaujolais, esse vinho travesso que se anuncia "est arrivé". Nos bouchons, os da casa são servidos em garrafa de fundo falso, o Pot Beaujolais

Camila empolgou tanto que fez o que se vê acima: deitou a etiqueta às urtigas e bebeu do gargalo

A senhora da mesa ao lado, uma condessa de nariz adunco, arregalou as íris como nem os Lumière sonharam e pensou 'Dieu, se essa moça tão linda pode fazer isso, também eu'. Logo todas bebiam do gargalo e Camila entabulou com elas conversa tão natural, que como retomada depois de anos

Das melhores memórias



Sunday, January 30, 2022

O Homem com Anjos na Cabeça

A frase é de Picasso ('Não sei se onde ele tira essas imagens, ele deve ter um anjo na cabeça') e vindo de quem vem deve ser tomada como um grande elogio. E é perfeita, pois Chagall tinha anjos na cabeça

Certa vez li que pensaram em canonizar Gaudí. Não pelos milagres que teria operado, mas pelo fato de muitas pessoas ficarem tão abismadas ao entrarem na Sagrada Família que se convertiam. O que não deixa de ser. Eu mesmo digo que se um dia virar cristão (não tenho vontade), a culpa é do Neal Morse. Ou do Chagall

A descoberta dos vitrais de Edmond Bille em Lausanne foi uma surpresa (aqui). A visita aos vitrais de Chagall na igreja de Fraumünster em Zürich, sobre os quais eu já tinha lido e visto fotos, foi surpresa do mesmo jeito. Porque não adianta ver fotos antes, a gente não está preparado para aquilo. É como conhecer Veneza ou Milho Verde. Eu não tinha vontade de ir embora. Eu dava as costas e voltava o rosto para aquelas figuras no típico azul Chagall, mas também em verde, amarelo, vermelho. Alguma conversão aconteceu? Por ora digo apenas que quando o mundo parecer 'um vácuo atormentado, um sistema de erros', existe o refúgio em Chagall

PS: A pesquisa neste blog me trouxe várias referências a Chagall, incluindo o poema "A Arte da Levitação", do Voo Sem Pássaro









Saturday, January 29, 2022

Os teus olhos são vitrais / Que mudam de cor com o céu

Se sabíamos que em Zürich esperavam-nos os de Chagall, a descoberta dos vitrais de Edmond Bille na imponente catedral gótica de Lausanne foi alumbramento e surpresa. Logo percebemos que as obras não eram contemporâneas à igreja, do século XII, e o sol encontrava meios de incidir sobre as cores e raios de fogo que como se formavam. Enfim encontramos assinatura e data no canto inferior de um deles: Edmond Bille, pintor suíço, 1932. Eu sempre falo isso, parco que é meu repertório de hipérboles, mas vá lá: só essas vitrais já pagariam o passeio a Lausanne

 

Os teus olhos são vitrais
Que mudam de cor com o céu
E quando sorriem iguais
Quando sorriem iguais
Quem muda de cor sou eu
 
Tomara teus olhos vissem
O amor que tenho por ti
Nem o entardecer me acalma
Nem o entardecer me acalma
Na ânsia de te ter aqui
 
(Madredeus)

 










Wednesday, January 12, 2022

Rock Progressivo Italiano : o Ano de 1972

 




Se 1971 marca o início de fato do rock progressivo italiano, 1972 fica sendo o ano da sua consolidação, com algumas bandas dando continuidade ao seu trabalho (Balletto, Formula 3, Le Orme, Osanna), muitas estreando (Garybaldi, Quella Vecchia Locanda), e outras, das mais seminais do movimento, estreando com dois discos (!) (Banco, Jumbo, Premiata). Há também aquelas que, infelizmente, lançariam seu único trabalho (Capitolo 6, Paese dei Balocchi, Reale Accademia di Musica)
 
Não olvidemos dos cantautori, com trabalhos de altíssima qualidade, alguns verdadeiramente históricos como os de Franco Battiato e Alan Sorrenti
 
São discos lançados em 1972 da minha coleção, alguns lançamentos não estão na foto porque não os possuo, como os dois do New Trolls
 
Gravado em 72, o Buon Vecchio Charlie só viria a ser lançado quase duas décadas depois
 
Teremos, portanto, muitos cinquentenários para comemorar!

Tuesday, January 11, 2022

A árvore comedora de bolas e pipas

 


Dante tem umas coisas tão engraçadas. Reparem que na foto há uma bola dourada presa na palmeira, qual goiaba, enquanto ela segura a vermelha. Zangado. Mas não porque a dourada ficou presa nos galhos, mas por não conseguir fazer o mesmo com a outra. Ajudo, tentamos, mas é questão de vento e sorte. Em vão

Isso me lembra a famosa, para os fãs de Peanuts, claro, árvore comedora de pipas do Charlie Brown. Fracassado como jogador de beisebol, fracassado no amor (a Ruivinha nem sabe que ele existe e ele não percebe o amor ali à mão da Patty), fracassa também na tentativa de empinar pipas, que ficam todas presas na maldita árvore. (Eu tampouco conseguia empiná-las, exceto na praia, mas aí sempre aparecia um malandrão com cerol)

Voltando ao Dante: a diferença é que o Charlie Brown fica puto, triste, frustrado, tadinho, enquanto que o Dante quer porque quer que seu balão fique preso na árvore

Pensando bem, no fim dá igual: ele também fica bem frustrado, a ponto de eu ter de intervir 



Sunday, January 09, 2022

Nossa Cortina Miguilim

No dia 12 de dezembro de 2019, animado com viagem recente que eu fizera a Andrequicé (aqui e aqui), encomendei a algumas bordadeiras de lá uma cortina que tematizasse o "Campo Geral", do Miguilim e Dito. Para o quarto do Dante. Duas semanas depois, não sem alguns mal-entendidos, fui conferir o trabalho in loco, já bem adiantado (quatro bordadeiras bordavam). As agulhas avançaram, bem como outros mal-entendidos, de modo que, cortina pronta, no dia 20 de fevereiro, novas discussões impediram a concretização do negócio! Cortina pronta!

Recuperado da experiência, dois meses depois fiz nova encomenda. Para outra bordadeira, claro! Com apenas duas mãos desenhando Miguilim, Dito, Cuca Pingo-de-Ouro e rol de buritis, ficou pronta ontem, 1 ano e oito meses depois. Nem senti passar. Minha amiga Dallena, que intermediou tudo, mandou fotos, de surpresa. Tive alegrias nos olhos. Obrigado, Dallena, obrigado, Dona Lourdes

Agora já não sei se a quero cortina. Ou colcha. Ou na parede. Ou se saio enrolado nela, como um manto da apresentação do Bispo do Rosário

 





Dona Lourdes

 



Saturday, January 08, 2022

Que guarda o guarda-chuva além da chuva II

Eu lembrava, sim, de ter postado algo por aqui sobre a relação Dante / guarda-chuvas, mas me esquecera inteiramente de ter escrito soneto para esta relação (aqui)! 

Viramos o ano em Prata dos Aredes, interior de Teresópolis. Isolado, lindo, natureza exuberante (parece hotel de selva, Pampi disse ao ver vídeo) com rio e arapongas. Úmido. Muita, muita chuva. Tinha muito pra dar errado, por causa do tempo, mas deu incrivelmente certo, com Dante batendo récordes de soninho, no seu cantinho que amou, que Bachelard amaria.

Deu certo também porque tínhamos guarda-chuva, um único que por lá ficou, depois de combater o bom combate e fazer a alegria do mocinho.

Gostei das fotos, que aqui publico, junto com algumas mais antigas, da postagem antiga.














Friday, January 07, 2022

Dante, eu, tererê

Pensei tranças pra mim e pro Dante para marcar não só o seu décimo-terceiro aniversário como a nossa união. Tranças no plural porque para ele e para mim, mas apenas uma em cada cabeça. Aí entrei, com a ajuda da madrinha Isabela Santos, no universo delas, até então desconhecido para mim: nagô, box braid, crochet braid etc. Reparei como tanta gente usa tranças no Rio de Janeiro (é sempre assim) e descobri que as trancistas são muito ocupadas: na terça dizem ter disponibilidade para no dia seguinte afirmarem solenes que estão com a agenda cheia. Uma mandou eu procurar outra trancista, como quem manda se queixar ao bispo, para não dizer coisa pior. Outra nada diz, fica de responder e some, tipo sair para comprar Coca com casco de Pepsi. Cheguei a dizer pra Isabela: ó, na próxima encarnação a gente volta trancista, trabalho não falta e não tem que corrigir prova.

Acabou foi melhor assim. Porque a Nadine, igualmente atenciosa com o Dante, me fez ver que o que eu queria era uma tererê, algo mais sutil para começar. Passou a dica do lugar: Posto 6. Chegando no calçadão, logo avistamos moça na areia, fôlder na mão, caminhando como quem vende cuscuz ou mate. Deus ex-machina. Pego Dante pela mão e lá vamos atrás dela, desce a escada, corre na areia, chama a trancista. Falamos, negociamos, e ela ali mesmo faz o tererê azul na gente. Chama-se Minerva, veio da República Dominicana. Como esquecer? Até ano passado seria difícil segurá-lo ali, pois ele ia querer mergulhar de roupa e tudo. Hoje, já não ligando tanto para praia, reclama que quer mate, quer fazer xixi, quer ir embora. Na hora de fazer a dele, ligou a sirene mais forte. Mas insisto. No final, estamos felizes.

No dia seguinte, estamos radiantes.

Eu tinha minhas inseguranças se ele aceitaria a tererê numa boa, sabendo que autista tem, por exemplo, histórico de irritação com etiquetas de camisa. Já teve a fase de eu cortar todas. Se ele reclamasse, por óbvio que eu ia correr para desfazer. Na manhã do dia seguinte às vezes descobre a trança e reclama um pedaço. Depois aceita e parece gostar.

Duas semanas depois, no carro, na volta de Terê (Terê-Tererê), brinca contente com ela na janela. É mesmo um menino feliz com sua trança ao vento -- o seu sorriso. Ontem, dia 4 de janeiro, a dele caiu. Hoje sentiu falta e pediu outra.

Vamos atrás da Minerva





Tuesday, January 04, 2022

Oi, Céu Azul

 


Falei já aqui de Out of the Blue (1977), ótimo disco duplo da Electric Light Orchestra (ELO) e postei a música "Mr. Blue Sky", o grande destaque do disco, da banda, do art rock / pop progressivo. Faltou dizer que a música é assim tão genial porque nascida de experiência de viagem / trabalho do Jeff Lynne. Ele na Suíça para compor e a pátria de Rousseau sendo a pátria de Rousseau: chuva, frio, 24 horas de céu plúmbeo. Ele não escreve nada, deprimido (não custa lembrar a pesquisa sobre o povo inuit de Andrew Solomon em seu monumental O Demônio do Meio-Dia, sobre a depressão). Mas uma manhã o sol dá as caras, Jeff o vê brilhando majestoso sobre os Alpes, fica tão maravilhado que compõe não apenas a dita cuja "Mr. Blue Sky", como outras treze canções. Em duas semanas. Acabou que o lado 3 do álbum virou "Concerto for a Rainy Day": três músicas sobre chuva e como o tempo pode afetar as pessoas e, em seguida, "Mr. Blue Sky". Out of the Blue não é um álbum conceitual e carece mesmo de um pouco de liga lá pro lado 4 (o famoso lado 4 dos discos duplos, hehehe), mas encaixar um concerto assim foi tirada de mestre.

Isso tudo para dizer que Dante e eu tivemos nossa "Mr. Blue Sky" na virada do ano. Refugiamo-nos no chalé 5 do lindo Moinho Azul em Prata dos Aredes, interior de Teresópolis. Tudo lindo, muita mata fechada, arapongas, uma varanda em um chalé que o Dante amou. Tanto que bateu seu récorde de sono. E muita chuva. Mas no último dia o sol saiu. Tímido, do jeito dele. Corremos pro rio. Duas vezes.