Friday, May 19, 2017

Simpatia pelo Demônio e São Cristóvão



Publicado no ano passado, o mais recente romance de Bernardo Carvalho se chama Simpatia pelo Demônio, mas há nota introdutória esclarecendo que "embora o título deste romance faça menção explícita à canção dos Rolling Stones, aqui o sentido é outro". Aqui, sympathy não é falso cognato : "a simpatia pelo demônio é simpatia mesmo".

São 236 páginas muito perturbadoras. A menção explícita ao demônio surge lá bem no final. Ou talvez um pouco antes, quando é descrito ritual dos índios ximpicós. Lá para o final também aparecem menções à capa, igualmente perturbadora ao reproduzir fragmento do quadro São Cristóvão, de Bosch, que o personagem Rato viu pela primeira vez no museu Boijmans, em Roterdam. Uma "situação grotesca e inexplicável", ao retratar, em sua extremidade esquerda, o que parece ser um índio (brasileiro?) enforcando um urso em uma árvore morta.

Um índio enforcando um urso em uma árvore morta.

De Bosch pode-se esperar tudo.

Todos sabemos que São Cristóvão foi um gigante pagão que percorria o mundo em busca de alguém mais forte que ele. O gigante se verga quando tem que atravessar um rio com uma criança nos ombros, mal conseguindo suportar o peso. A criança era o Menino Jesus, com os pecados do mundo. O gigante malvado, claro, se converte: Christophoros é aquele que carrega Cristo. Aí o narrador relaciona uma interpretação do quadro -- o urso era uma criatura terrena, pesada e temperamental -- à situação de angústia insuportável que Rato está vivendo com seu amante mexicano, o chihuahua.

Uma porrada. Uma explicação para o próprio romance: síntese do peso com a leveza? Não sei.

Bosch

Grajaú

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