Saturday, October 31, 2015

'El Zen Surado'



Imaginem uma jovem chilena de seus vinte e poucos querendo publicar livro de poemas eróticos em 1972. Cem poemas eróticos (sem canção desesperada) a serem publicados pela editora da Universidade Católica de Valparaíso. Embora haja quem goste, quem a encoraje, o reitor bate o martelo "Sobre meu cadáver" e, além de queda, coice, depois de 1972 vem 1973, com ele um dos mais sangrentos golpes militares do Cone Sul. 

Sob o gorila Pinochet, o "homem que endireitou o Chile", segundo muitos brasileiros, seus originais são todos... lançados ao mar. Simples assim.

El Zen Surado vem à luz mais de 40 anos depois. Cecilia Vicuña o dedica às estudantes "que marcham vestidas ou nuas pela justiça".

Acho isso atualíssimo aqui para nós.

E erotismo, por supuesto, sempre atual também.

Abaixo tento uma tradução.


POEMA PURITANO

Adoro meu sexo
Entre o teu sexo e o meu
não sei qual escolho.

É que o teu
é tão divertido
e o meu tão belo.

Mas o que deve
ser ressaltado
é como o teu
cabe no meu
sendo ele tão grande
e brilhante.

Os sexos são
eles mesmos
perfumados.

Morrer com a mão no sexo.

Não de mãos dadas
ainda que disso possa cuidar
a outra mão.


POEMA PURITANO

Me encanta mi sexo
Entre tu sexo y el mío
no sé cuál elegir.

Es que el tuyo
es tan divertido
y el mío tan bonito.

Pero lo que hay
que subrayar
es cómo cabe el tuyo
dentro del mío
siendo tan grande
y de color brillante.

Los sexos son
en sí mismos
perfumados.

Morir con la mano en el sexo.

No con la mano en la mano,
aunque de eso puede encargarse
la otra mano.

Friday, October 30, 2015

Grajaú ::: Jogar Bola na Rua



Eu passava o dia debruçado sobre a mesa de botão, escapava umas duas vezes por dia pro banheiro para pensar nas beldades do São José, e amava loucamente uma banda que então era só minha, os Beatles, mas nada, nada me deixava mais feliz nos anos da pré-adolescência e do início desta do que jogar bola na rua.

A rua em questão era a Visconde de Santa Isabel, que para ser nobre e fiel ao nome, nasce na Vila, na praça do barão que inventou o jogo do bicho e onde se assenta o monumental Convento da Ajuda. De lá ela prossegue, ladeia o Antigo Zoológico, assiste ao início da Grajaú-Jacarepaguá para tornar-se, irreconhecível do que fora, Grajaú. Com efeito, o trecho iniciado logo após a estrada, uma colina em cujo cimo situa-se exatamente o 486 onde morei e que depois aplaina-se para enfim terminar depois da Canavieiras (em área que já foi tão bucólica que o time do Fluminense concentrava-se ali), em nada é semelhante ao seu troço inicial, no bairro de Noel. Dir-se-iam duas ruas diferentes.


Ali é Grajaú, literalmente Alto Grajaú (ninguém usa essa terminologia, só essa crônica), onde morei no pequeno prédio de três andares e seis apartamentos e muitos escadas bem no alto da colina e bem no centro da curva. Ali, com colina e curva, fazia o que mais amava na vida: jogar bola na rua. Os companheiros eram Cláudio, Caco, meu irmão, Branquinho, Branco, às vezes Dentinho e Mamão. Não adianta procurar no facebook, de nenhum sei sobrenome; na verdade sequer o nome dos quatro últimos. Havia ainda os odiosos irmãos César, Marco Antônio e André. E havia o Marcelão. Amigos de verdade eram Cláudio e Caco. Branquinho era solerte e Branco a vítima inclemente do bullying. Dentinho e Mamão não fediam nem cheiravam e o Marcelão era Marcelão, grande, gordo, afável, vascaíno, a barriga escapando da camisa. Creio que circulava bem tanto entre nós quanto entre César e Marco. Não brigava, não xingava, sempre amável que era. E pelo físico, sempre goleiro também.

Como disse, jogávamos precisamente no trecho da curva, precisamente no trecho de leve inclinação. Não me lembro, no entanto (hoje que time perde jogo e se defende argumentando que estava contra o vento), de escolhermos no par ou ímpar lado do campo ou frescuras do tipo. Poucos carros passavam e a chegada de um era logo sinalizada por um indefectível "Parôôôôôô!..." Continuar a jogada ou, pior, chutar a gol depois desse aviso era motivo de intermináveis arranca-rabos. Jogávamos uma partida atrás da outra, um monte, o tempo todo discutindo o tempo todo xingando, nós que nos amávamos tanto, até que as cigarras começassem seus gritos e com elas mães começassem a nos chamar da janela e um a um nos recolhêssemos cabisbaixos : "Vou chegar". 

Acho que me lembro de todos os jogos, acho que me lembro de todos os lances. Lembro-me de um gol que fiz, ilegal. Ralei a perna toda. Enquanto Caco e Claúdio recusavam-se, acertadamente, a reconhecer o gol, eu mentia, mentia com uma convicção que até hoje me assusta e encanta. 

Hoje não vejo ninguém, nin-guém, jogando bola na rua. E eu que procuro evitar a queda na nostalgia fácil, não posso deixar de, como Bashô em Kyoto, sentir saudades do Grajaú. Ao andar no Grajaú.

Eu Catumbo, tu Catumbas, ele Catumba



A contribuição de Mariana Filgueiras para O Meu Lugar -- a crônica "435 Gávea-Grajaú, via Catumbi" -- empolgou-me de tal sorte que, mal a terminei, já estava abrindo e fechando gavetas no pecê, em busca de registros do bairro que julgava ter.

E tinha, e tenho. 

Há pouco mais de três anos passei tarde de agosto por lá, havia um ipê que o céu tornava mais absurdo e tive que correr para pegar a Nossa Senhora dos Alpes Franceses, isto é, a Salete, ainda aberta.

O Catumbi é bairro muito antigo, hoje lembrado quase que tão-somente pelo cemitério, pelo Sambódromo, pela violência. É pena. Coisas lindas por lá.

E / mas, Mariana, uma cousa: como alguém escreve crônica tão bonita sobre o bairro, ainda que através da janelas encardidas do 435, e não endereça palavra àquela chaminé doida que esqueceram por lá? Sabe aquela história de Marco Polo que foi à China e não fala da muralha? Pois.
















Thursday, October 29, 2015

Damien Rice no Vivo Rio



Uma das características de algumas canções desse notável singer-songwriter Damien Rice é certo princípio de aceleração, de acumulação, tal como encontramos, por exemplo, nas peças de Ionesco (pense As Cadeiras ou A Cantora Careca). Do primeiro disco, podemos citar "I remember", enquanto que do segundo os exemplos são mais numerosos (também certa intensificação aqui, do primeiro para o segundo trabalho) : "Elephant", "Rootless Tree", a linda "Gray Room", a angustiada "Me, My Yoke and I".

Bem.

Dito isto, não é difícil imaginar que essas músicas sofreriam grande perda de sua carga de intensidade se tivessem que amoldar-se ao fomato de pocket show, que foi, parece, o escolhido para as apresentações de Damien por aqui. Dito isto e feito isto, dito e feito. Nada contra o formato, acho mesmo que ele pode fazer uma apresentação fantástica só acompanahdo de violão, voz e banquinho, formato já proposto há mais de cinquenta anos por Dylan, que para calibrar o minimalismo, apresentava-se nu. (Uma apresentação de Damien Rice nu no Vivo Rio de sábado passado não passaria da segunda música.) Lo que pasa es que, querendo manter a aceleração das músicas (das que citei, ele só não tocou a "Yoke"), ele recorreu a um arsenal de pedais e playbacks num resultado de todo insatisfatório. Para mim. Não gosto dessa história de playback. Não gosto de ouvir em um show uma guitarra que, hélas!, não está ali! É como ir a uma ópera sem orquestra, com "música de caixa", como diz a minha tia. Andrew Bird também recorre a pedais, mas não assim para que se ouçam instrumentos que não estão no palco.

Acredito que a determinação deste formato foi menos estética que operacional, isto é, econômica. Evitando cair no estereótipo do irlandês stingy, pô, nem que ele contratasse alguns músicos locais. Porque se, afinal, no maior improviso, ele até fez subir ao palco um cara para cantar com ele, imagina uma banda e uns ensaios.

Tirando isso, adorei o show. As músicas eu já as amava, há alguns anos. Muito bom ouvi-las pela voz que as concebeu, numa afinação e numa performance impecáveis.





Sunday, October 25, 2015

(Alguns) Botequins da Piedade (de nós)

Bar Araruna


Segue pequena amostra de quando flanei por Piedade. Não é muito, é verdade, mas o problema aqui é que quando menos se espera já se adentrou o Encantado. E vice-versa. De qualquer modo, um início. E se não é muito, pouco também não é ::: a tranquilidade e o jeitão de mercearia do Araruna, o São Jorge da Dalva, a trigamia do Madureira, os azulejos do Jojo. 

Agora depois de recém-ler a bela crônica que sobre o bairro fez Fernando Molica para o nunca assaz citado O Meu Lugar, a vontade de voltar para conhecer a piedosa Rua Belmira é grande. E o que vier de botequim é lucro.

Bar da Dalva


Lanches Jojo da Piedade

idem

ibidem

Thursday, October 22, 2015

Haikais para o Lago (Rodrigo de Freitas)



A estação dos haikais sempre coincide com a época em que as amendoeiras caducam, de maneira que basta descer com a turma, parar no meio do rampa e contemplar as vetustas senhoras que, do lado de fora do colégio, trocam suas folhas. Este ano, dada a longa greve, as amendoeiras caducaram para a rampa vazia e das folhas escarlates não ficaram nenhumas três linhas. Na primeira semana deste outubro, portanto, levei os haicaístas para a Lagoa Rodrigo de Freitas, pedindo-lhes fingissem que se tratava de um lago, pelo fato simples de 'lake' ser palavra mais poética e sonora que 'lagoon'.

O resultado aqui.



The sun over the mountains
Shining over the trees
Reflected on the lake

Clean sky
No wind
Silence

(Sofia Hisho)

Look at the lake
Imagine
Everything

Powerful wind comes
From the lake
Rinses our soul

(Dark Mary Basho)

 City awaken
So is the lake
Where I wrote

Smell and dirt
Disappear
Such wonderful view

(Victória Watashi)

 Hey everybody
Look at the sun crossing the lake
Over and out

Pale-faced girl
Shares the clean blue sky
And thinks about mashed potatoes

(Valentona Assataro Banku)

Feel the birds sounds
Hear the breeze
Nature

 The tree
Breathing the breeze
Brings peace

 (Thaisinha Mataro Caxa)

 Sun shines
Lake glitters
Guess I’m in love

Hungry duck
A mango lover
So am I

(Lara Fujiro Nakombi)

 Sunny Day
Fresh air
Nothing in mind

(Issa-Bella)

A lonely man
Reflects
The lake

Duck falls
In love
We fall

(Evandro Sake)

Blue lake
Green water
Yellow dreams of sun

So dirty
So noisy
Such a beautiful place

(Ludmylla Bahu)

Using arms
The man keeps going
On the lake

Leaves at the trees
Rocks all over
Water everywhere

(Breno Sankai)
 
Bird eating
Sun rising
We watching

Man sails
On dirty waters
What about his dirty mind

(Beatriz Sintoshi)

The big tree
Emerges from
Under the lake

In a hidden place
By the lake
A hidden duck

(Beatrice ア系アメリカ人である)

Monday, October 19, 2015

Sebo Al-Fárábi e Primeiras Edições



O lançamento de O Meu Lugar, da Editora Mórula, na tarde do sábado passado, foi meio no meio da rua e meio na livraria Al-Fárábi, sobre a qual já escrevi aqui e que não canso de louvar. E não é só porque lá também fiz meus dois lançamentos mais recentes (evitando a palavra 'últimos', aqui e aqui), mas é porque lá, entendam, deixa eu explicar, você vai num lançamento que já é o que já é (segundo o próprio Simas, organizador da obra, o ápice dos festejos dos 450 anos), podendo tomar cervejas artesanais e que tais e ainda por cima sai de lá não com uma ou duas, mas com sete primeiras edições da literatura brasileira dos anos 60 e 70!

A minha paixão por livros é como a que Agualusa descreve em Um Estranho em Goa: rivaliza com a que temos os homens por belas pernas, sem que aquela diminua esta, se é que ficou claro. Uma amiga que viu a pilha de livros disse que eu teria que me desfazer de alguns ao longo da vida para manter a casa razoavelmente arrumada. Não. Prefiro fazer como Plínio Doyle: deixo a casa para eles e me instalo na quitinete mais próxima.

Os livros: três do Dalton Trevisan :: Cemitério de Elefantes (1964), Morte na Praça (1964) O Vampiro de Curitiba (1965). O Cemitério e o Vampiro são da Civilização Brasileira, com aquelas capas não-plastificadas lindas mas que me enchem de preocupação (como os Campos de Carvalho sobre quem escrevi aqui). A Morte na Praça é da Editora do Autor, aquela fundada por ninguéns menos que Fernando Sabino e Rubem Braga. Esta editora, seis anos depois, virou a Sabiá, por quem saiu o também comprado nesta leva Hora do Recreio do Paulo Mendes Campos. Vieram também As Pompas do Mundo (Rocco, 1975) do genial e esquecido Otto Lara Resende, Lúcia McCartney (Olivé Editor, 1967), do Rubem Fonseca, e Rua dos Artistas e Arredores (Codecri, 1978), do Aldir Blanc, que escreveu sobre a Vila no livro da Mórula. Last but not least, Cortázar de 73 e a biografia do Bashô por Leminski.

E há quem diga que não há Deus.






Monday, October 12, 2015

Superunknown ::: A Maioridade de uma Obra-Prima



Lançado em 1994, Superunknown do Soundgarden, banda grunge de Seattle, alcança sua maioridade penal como o testamento definitivo do grunge e de boa parte do rock dos anos 90. Dito isto, pode e deve ser preso, encarcerado em solitária, uma vez que, em liberdade, corre o risco sério de causar grandes e profundas comoções nos tímpanos, na pele, na alma.

Sei que não exagero, é que me faltam palavras. O que impressiona aqui é seu status de obra-prima de fio a pavio, e olha que falamos de disco já da era CD, isto é, 70 minutos ali, na lata. 

Memoráveis riffs sabbathianos, o baixo tresloucado (vejam esse cara ao vivo), a bateria que consegue se destacar para além da sensaboria e rapidez do metal, o vocal maravilhoso que só encontra rival em Eddie Vedder, a introdução épica da faixa-título. Aliás, SG não fazem metal. E as letras, claro, o mergulho na piscina vazia. Não surpreende terem sido inspiradas por leituras da Sylvia Plath.

É álbum que requer repetidas audições, o que faço há anos. Não sei explicar, mas eu pulava a "Mailman", até que um dia, andando pelo Cachambi, deixei rolar. Para descobrir que tem mellotron, a única faixa que tem mellotron. Surtei.

Angustiado, pesado, sombrio, inventivo, um hino à vida. Soará pessimista aos ouvidos tolos e epidérmicos. Eu jamais me mataria com isso aqui, mas sim com Beyoncé e funk carioca. Soundgarden chegava aqui à sua obra-prima. Pouco depois, como pouquíssimos, soube ver a hora de parar.

Há três anos eu já postara sobre o "The day I tried to live", comparando-a a Drummond.

Em um próximo post, trechos das letras.

Abaixo a faixa-título. A quem interessou, prestigie os artistas e compre os CDs.



Azulejaria Popular ::: Os Irmãos Igrejas II

Tijuca


Desde que escrevi esta postagem aqui, em 17 de maio deste, sobre a ignorada arte naïf em azulejos do Irmãos Manoel e Antônio Félix Igrejas, só fiz encontrar mais e mais paineis. Não posso reclamar. Ao contrário da minha outra obsessão e paixão,o Nilton Bravo, parece que ainda há platibandas e varandas e fachadas com paineis prontas pra saciar a sede de um coração vagabundo, de interesses esquisitos.

Com o Nilton a coisa é mais brava. Feito o inventário, encontrei mais nada. E olha, que guimaraesrosaneamente, fiz questão de intilulá-lo inventário "até agora", isto é, parcial, na esperança de encontrar mais, assim como João escreveu primeiras histórias e depois terceiras, na esperança e obrigação a que se impunha de escrever as segundas. O coração levou-o antes disso. Voltando ao Nilton, mais nada. O que já gastei de sola de sapato e dinheiro em cervas cracudinhas vagabundas. Pior, retiram os poucos Bravos que existem, como recém fizeram no Sírio e Libanês e no Belmonte de Copa. Uma vergonha.

Mas, enfim, com os Igrejas tenho tido mais alegrias e menos apertos do coração.

Segue alguma coisa do que hei encontrado.

Todos do Antônio, até segunda ordem (Bonsucesso)

Brás de Pina, e as 3 seguintes




Inhaúma

idem

Penha

idem

Ramos

Manoel, até o final. Vila Isabel

idem

Grajaú