De maneira que, quando o detetive me perguntar onde eu me encontrava às 10 horas do dia 10 do 10 de 2010, direi: "Esta é fácil, Sherlock, no show do Rush!".
Uma das dívidas que eu tinha para comigo, sabem? O Rush esteve aqui em 2002 e eu desdenhei. Passei de carro na frente do Maracanã e desdenhei. Depois foi o arrependimento. O show foi tão bom que decidiram transformá-lo em DVD. Pela primeira vez, palavras de Geddy Lee, o público cantou junto a música "YYZ". Detalhe: uma música instrumental.
Cantar uma música instrumental! Se Joe Cocker inventou o
air guitar, os cariocas inventamos letra onde só havia sons. Não é pra ser ufanista, mas tem que ser. E me incluo na silepse de pura carona: como assim "os cariocas inventamos", se eu não estava lá? Arrependimento que, para ser dos bons, é secreto, calado, recalcado, sumo que se espreme para se armar em coágulo.
Mas, bons meninos que são, o Rush volta ao Rio, oito anos depois. E, tickets for fun à parte, essa nojeira e roubalheira de venda de ingressos, consigo ir em cima da hora, comprando ingressos na surdina, na escuridão da Praça da Bandeira, e vou com o amigo velho Renato, que estivera no show de 2002.
Três horas de show. Espíritos flutuaram alto pelo céu plúmbeo e baixo da Apoteose.
O show abriu com "The Spirit of the Radio", coincidentemente a primeira música do Rush que ouvi na vida. Era segundo semestre de 1981, estava eu na sétima série. Meu irmão e eu juntamos umas sacolas de discos de novela e discoteca e fomos para as lojas de disco do centro tentar trocar. Conseguimos! Na base de 15 por um. Deixamos lá 45 elepês e saímos leves com outros 3, um do mano, o outro escolha em comum e o terceiro escolha minha, o
Permanent Waves do Rush. Não que eu já conhecesse banda, conheci ali na hora, na loja, atraído pela capa em P&B em que o vento levanta o vestido de uma bela moça e um rapaz acena ao fundo. Tudo muito "arty", talvez arty demais para um fedelho de 13 anos. Mas foi isso e aquele som "moderno", que me pegou pelo laço e fez do Rush, pelos próximos dois anos, uma de minhas bandas favoritas. (Motivo de rusgas com o André, que, talvez fiel ao fato de não ter escolhido este disco na troca-troca, sempre sacaneou a voz do Geddy Lee, para minha raiva.)
Não sou um grande entendido em Rush. Parei no Moving Pictures. Lembro-me que mesmo em 83, 84, eu já estava chateado com os rumos que o trio canadense tomava. Hoje vejo que eles sempre buscaram ser fiéis a si mesmos, o que talvez explique essa invejável longevidade (MPB 4 que se cuide).
Mas nesta noite do 10 do 10 de 2010 o que valeu é que estavam lá "The Spirit of the Radio", "Freewill", "Tom Sawyer", "Red Barchetta", "Working Man", "La Villa Strangiato", "Closer to the Heart".
E, claro, "YYZ".
Que cantei a plenos pulmões.