Acerca de Peter Hammill, Robert Fripp afirmou: fez com a voz o que Hendrix fez com a guitarra. Embora eu concorde inteiramente com ele (sou um grande admirador de Hammill), penso que, no que diz respeito a usar a voz como instrumento, a frase se aplicaria melhor a dois outros vocalistas do progressivo, ambos italianos: Demetrio Stratos e Alan Sorrenti.
Alan Sorrenti, irmão da também ótima vocalista Jenny Sorrenti (Saint Just), lançou dois álbuns excepcionais na primeira metade dos anos 70: Aria (1972) e Come un vecchio incensiere all’alba di um villaggio deserto (1973). Depois cedeu aos apelos das gravadoras e seguiu uma carreira comercial de sucesso, mas que já não tinha absolutamente nada de música de aventura.
Os dois discos em questão não podem ser comparados com nada, a não ser com eles mesmos. Amiúde se compara Sorrenti a Tim Buckley, mas nunca achei isso muito válido, pelo simples fato de achar o italiano muito mais interessante, embora eu também aprecie Buckley. Ambos os trabalhos estão muito mais para o progressivo psicodélico do que para o folk, outra aproximação que se faz por aí e da qual discordo. A menos que se considere folk longas suítes de 20 minutos e músicas repletas de piano e sopros dissonantes que nunca sabemos aonde irão chegar.
No primeiro disco temos a longa faixa homônima (que ocupava todo a lado A), onde se percebe que tudo orbita em torno da voz, embora não haja qualquer desleixo em relação à parte instrumental, bastaria lembrar o mágico violino de Jean Luc Ponty. Costuma-se dizer que os dois trabalhos têm uma longa suíte e outras músicas (três em Aria e cinco e Come um Vecchio) que seguiriam o “formato-canção”, mais apropriado para um cantautori. Discordo inteiramente. Lembro-me da afirmativa de Bill Martin de que as músicas do Yes, não importa quão longas fossem, teriam sempre um núcleo de canção. Tal afirmativa, interessante e, por isso mesmo, bastante problemática, serve às avessas para o caso de Sorrenti. Afirmo que praticamente todas as dez músicas desses dois discos têm a forma e o espírito de suítes, não importa se chegam a 20 minutos ou se, como “Oratore”, possuem apenas cinco. Assim, as três músicas seguintes, que nada têm de “formato canção”, carregam muito bem o clima, mantendo altas as expectativas criadas depois da longa suíte: a assombrosamente bela “Vorrei Incontrarti” (tá, esta tem lá o seu quê de ”canção”) e as visionárias “La Mia Mente” e “Un Fiume Tranquillo”, esta última com um clímax de mellotron e moog a coadunar-se perfeitamente com a letra (“Perché io credo, perchè io amo la vita”) até a paz final (“Amore ti voglio, non voglio morire”), palavras que poderiam soar banais, mas jamais o são na voz de Sorrenti. Depois que a música “termina”, há ainda cerca de dois minutos de um poslúdio acústico, espécie de ghost / hidden track que ficaria em voga muitos anos depois.
O disco seguinte repete, de certa forma, o modelo anterior, embora desta vez a suíte esteja no final e as demais músicas sejam em número de cinco. Há participantes ilustres: Francis Monkman (tecladista do Curved Air) e David Jackson (VdGG), tocando flauta em “Oratore” e em “Serenesse” (linda flauta, linda música). O Cd da Vinyl Magic traz ainda a faixa bônus “”Le tue radici”, que saíra em single, em versão cantada e instrumental (mas não sem vocalises do mestre). A música é uma ótima balada, notável sobretudo pelo fato de ser de 1975, ou seja, depois já do terceiro disco, que só despertará algum interesse nos completistas de plantão (como eu). O próprio fato de o lado B do single ser a mesma música, numa versão instrumental, demonstra já que Sorrenti, infelizmente, chegara ao esgotamento criativo. (Mas a versão é ótima!!)
Voltando à comparação de Fripp, talvez se possa dizer que há um certo exagero, certo excesso de virtuosismo de Sorrenti... Ora, mas aí a comparação me parece ainda mais acertada, pois não se pode dizer o mesmo de alguns momentos de Hendrix, Clapton e, mudando o instrumento, Emerson? Alan Sorrenti, compositor de todas as músicas e letras, realmente faz da voz um instrumento, de grande extensão e versatilidade, além de demonstrar notável capacidade de declamação. Adentrar seu mundo visionário, onírico, poético é participar de uma das experiências mais fascinantes da cena progressiva italiana dos anos 70.
Alan Sorrenti, irmão da também ótima vocalista Jenny Sorrenti (Saint Just), lançou dois álbuns excepcionais na primeira metade dos anos 70: Aria (1972) e Come un vecchio incensiere all’alba di um villaggio deserto (1973). Depois cedeu aos apelos das gravadoras e seguiu uma carreira comercial de sucesso, mas que já não tinha absolutamente nada de música de aventura.
Os dois discos em questão não podem ser comparados com nada, a não ser com eles mesmos. Amiúde se compara Sorrenti a Tim Buckley, mas nunca achei isso muito válido, pelo simples fato de achar o italiano muito mais interessante, embora eu também aprecie Buckley. Ambos os trabalhos estão muito mais para o progressivo psicodélico do que para o folk, outra aproximação que se faz por aí e da qual discordo. A menos que se considere folk longas suítes de 20 minutos e músicas repletas de piano e sopros dissonantes que nunca sabemos aonde irão chegar.
No primeiro disco temos a longa faixa homônima (que ocupava todo a lado A), onde se percebe que tudo orbita em torno da voz, embora não haja qualquer desleixo em relação à parte instrumental, bastaria lembrar o mágico violino de Jean Luc Ponty. Costuma-se dizer que os dois trabalhos têm uma longa suíte e outras músicas (três em Aria e cinco e Come um Vecchio) que seguiriam o “formato-canção”, mais apropriado para um cantautori. Discordo inteiramente. Lembro-me da afirmativa de Bill Martin de que as músicas do Yes, não importa quão longas fossem, teriam sempre um núcleo de canção. Tal afirmativa, interessante e, por isso mesmo, bastante problemática, serve às avessas para o caso de Sorrenti. Afirmo que praticamente todas as dez músicas desses dois discos têm a forma e o espírito de suítes, não importa se chegam a 20 minutos ou se, como “Oratore”, possuem apenas cinco. Assim, as três músicas seguintes, que nada têm de “formato canção”, carregam muito bem o clima, mantendo altas as expectativas criadas depois da longa suíte: a assombrosamente bela “Vorrei Incontrarti” (tá, esta tem lá o seu quê de ”canção”) e as visionárias “La Mia Mente” e “Un Fiume Tranquillo”, esta última com um clímax de mellotron e moog a coadunar-se perfeitamente com a letra (“Perché io credo, perchè io amo la vita”) até a paz final (“Amore ti voglio, non voglio morire”), palavras que poderiam soar banais, mas jamais o são na voz de Sorrenti. Depois que a música “termina”, há ainda cerca de dois minutos de um poslúdio acústico, espécie de ghost / hidden track que ficaria em voga muitos anos depois.
O disco seguinte repete, de certa forma, o modelo anterior, embora desta vez a suíte esteja no final e as demais músicas sejam em número de cinco. Há participantes ilustres: Francis Monkman (tecladista do Curved Air) e David Jackson (VdGG), tocando flauta em “Oratore” e em “Serenesse” (linda flauta, linda música). O Cd da Vinyl Magic traz ainda a faixa bônus “”Le tue radici”, que saíra em single, em versão cantada e instrumental (mas não sem vocalises do mestre). A música é uma ótima balada, notável sobretudo pelo fato de ser de 1975, ou seja, depois já do terceiro disco, que só despertará algum interesse nos completistas de plantão (como eu). O próprio fato de o lado B do single ser a mesma música, numa versão instrumental, demonstra já que Sorrenti, infelizmente, chegara ao esgotamento criativo. (Mas a versão é ótima!!)
Voltando à comparação de Fripp, talvez se possa dizer que há um certo exagero, certo excesso de virtuosismo de Sorrenti... Ora, mas aí a comparação me parece ainda mais acertada, pois não se pode dizer o mesmo de alguns momentos de Hendrix, Clapton e, mudando o instrumento, Emerson? Alan Sorrenti, compositor de todas as músicas e letras, realmente faz da voz um instrumento, de grande extensão e versatilidade, além de demonstrar notável capacidade de declamação. Adentrar seu mundo visionário, onírico, poético é participar de uma das experiências mais fascinantes da cena progressiva italiana dos anos 70.
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