Tuesday, November 03, 2009

Dave & Clarice


Tive no Dia de Finados uma experiência transfiguradora. Nada a ver com mortos, muito pelo contrário.
Já no dia anterior recebera em meu celular (que estava no modo 'silencioso') chamadas provenientes de um longo número.
Havia também um torpedo. Dizia "Hello my name is Dave." Gelei. Respondi: "Dave what?". Reparem que pergunto what e não who pois no meu coração tinha já certeza de quem se tratava.
A resposta é ligeira: "Dave the reader of Clarice Lispector, who wrote nothing about back scratching."
Não precisa de sobrenome. Ou sim, precisa, o sobrenome é este aposto e esta oração adjetiva cheia de piadas internas. A isto se chama léxico familiar. Seu outro nome é família.
Agora explico.
Morei com Dave Block e Ellen Mora em Chicago por um ano: de agosto de 1986 a julho de 1987. Somos amigos até hoje, com intermitências de contato que amizades de verdade compreendem.
Eles souberam que Dante estava a caminho. Depois souberam que Dantinho tinha West. Mas fui muito elíptico nos e-mails, adiantei os fatos óbvios e depois calei-me, dizendo apenas "I will let you know".
E com isso -- "I'll let you know" -- foram deixados.
Dave ficou muito incomodado. Meses passaram-se e ele tentava se acercar. O que fez? Decidiu ler um autor de ficção brasileiro para que pudesse se sentir próximo de mim! !!!! Escolheu (meio que por acaso? não creio), acabou escolhendo a Clarice Lispector.
Teve ele, naturalmente, revelações, encontros, epifanias. Ficou marcado pelo que disse ter sido / estar sendo uma das leituras mais intensas da sua vida. E sentiu que conseguira instaurar em si o frame of mind apropriado para então me procurar.
Não consigo expressar nestas linhas o extraordinário que isso tudo foi. Alguém fisicamente distante quis acercar-se de mim. E o fez por intermédio da Clarice.
Foi um dos maiores afagos que já recebi.
Ontem conversamos longamente por telefone. Ele disse estar a caminho.


A foto (foto de foto, não tenho scanner) mostra-nos conversando, nos primeiros dias de 1987, somewhere between Pensylvannia e Washington D.C. O fato de a foto estar pouco nítida confere-lhe contornos fantasmáticos e vejam que bonita aquela casa lá atrás.
Ele tinha 8 anos a menos do que tenho hoje.

E poucas vezes esta canção do Pink Floyd fez tanto sentido como hoje:

"You know that I care for what happens to you
And I know that you care for me too
So I don't feel alone
Or the weight of the stone
Now that I've found somehwere safe
To bury my bones
And any fool knows a dog needs a home
A shelter from pigs on the wing."

6 comments:

Eriquinha said...

que bonito isso. fiquei emocionada...

Unknown said...

Nossa, nossa......
Adorei a saga. Q gostoso msm um carinho atípico - os outros não precisam entender, o importante é q vcs sintam e "bum". Ou algo mais calmo q "bum", tz....

su. said...

Clarice nunca é por acaso. e eu também fiquei emocionada. é como os sentimentos são: bonitos. não importa muito o teor; são sempre muito, muito bonitos, porque mostra que somos algo. :~

Anonymous said...

Olá você,

Nem lembro mais o que estava "googleando" quando ancorei aqui.

Tua escrita me manteve cativa muitos posts até que a minha coluna me lembrou que falta uma cadeira ergometrica faz e que não dá para prosseguir no desktop neste banco ordinário. Tenho que dar razão a minha coluna.
Antes porém gostaria de solicitar mais informação vossa. No teu perfil do blog não há muito (pelomenos para uma pessoa que como eu não o conhece rsrsrsrsrs...).

Tua escrita parece vinda do mesmo lugar de onde vieram os primeiros colonizadores (em termo de sintaxe). Você parece está na terra colonizada.
Você não só tem uma escrita bela como demonstra possuir domínio sobre as particulas que de que é composta.

Quem é você? Que habilidade é esta?

Encatanda,

Dea Menezes

A VIDA NUMA GOA said...

Dea...

fiquei curioso. Eu que pergunto: Quem é você?

deadixit said...

Olá, esta do 3º comentário de baixo para cima (a partir deste)sou eu :]
Também sou Dionea por aí.

Sertaneja, baiana, arteira, na casa dos vinte e poucos e meio, sem dinheiro no bolso, sem parentes importantes e vinda do interior. Nada de mais, nada através. Uma brasileira. Ú! :)