Reli ontem "Meu Tio o Iauaretê", do Guimarães Rosa, publicado postumamente em Estas Estórias dois anos seguintes à sua morte.
Terminada a leitura, a minha sensação de pavor, assombramento, excitação foi tamanha que, estando sozinho, acendi todas as luzes da casa. Não sei bem o porquê, mas não será difícil adivinhá-lo.
Há pouco mais de trinta anos assisti à peça, muito bem falada na época, em Copacabana, creio que no Gláucio Gil. Até hoje ouço aquele tiro, seco, no final. Até hoje lembro do narrador falando da cachaça 'Gosto, gosto muito'.
Enjoado que tornaram Rosa um frasista. 'O sertão é dentro da gente', 'Viver é muito perigoso' e tantas outras. Quase autoajuda. Rosa pode ser muito muito terno e doce, como ninguém. Escrevi aqui. Mas não enxergar a violência brutal aqui é, como me disse minha amiga Cristiane Brasileiro, tentativa de domesticá-lo. E ela fala também na Cecília Meireles, na violência do Romanceiro da Inconfidência, que ninguém vê.
Fiquei e ainda estou chocado, perturbado, como talvez só ficara com A Cidade e os Cachorros, do Llosa, quando, terminado a leitura, fiquei meia hora de olhos esbugalhados para a parede. Ontem acendi as luzes
A violência. Maria Quirinéia tem marido doente mental, e o acorrenta para receber amantes. Outro é degolado e seu sangue é bebido, be-bi-do, o próprio narrador, filho de branco com índia, absurdamente às margens de tudo, por todos desprezado, um 'serial killer' (lembram da Flausina de "Esses Lopes"?) de onças e homens. Uma de suas rememorações, em que ele extermina uma família, inclusive a dentadas, lembra o filme australiano The Chant of Jimmie Blacksmith. Mas, ah, o sertão está em toda parte
Milton Nascimento tem música "Yauaretê", em disco de 87. Parece que Tom Jobim o chamava assim, mas a canção é, sim, sobre o conto do Guimarães, basta ler a letra. Não gosto de falar assim, mas Milton não entendeu nada! Ele quer dançar com a lua no céu, dance, mas do conto não entendeu p.n.
E é essa ideia domesticada do Rosa que vive por aí