Às nove da manhã (eran las nueve en punto de la mañana) postamos no face (essas nossas ninhices) foto de livros que poderíamos levar debaixo do braço para votar no Haddad. Eram eles: Sartre, Drummond, Neruda, Moacyr Felix, uma coletânea sobre a Guerra Civil Espanhola, outro sobre resistência indígena, um em xhosa sobre Mandela e um coelho.
Isso foi às 9. Às 9:30 eu não tinha mais meu Neruda, esquecido no banco do 232.
Saí tão atarantado (ainda estou) com esta eleição que, sim, deixei o livro sobre o banco do ônibus quase vazio que peguei para votar. Só percebi na hora mesmo de me dirigir à cabine.
O primeiro sentimento é de perplexidade. Depois, chateação. O livro foi presente de Natal que me dei em 1986, comprado na Feira do Livro do Largo do Machado. Mas logo percebo que não é nenhum desastre, pelo contrário. Era livro que tinha história e perdê-lo assim só o aumenta. Porque imagino, ainda em Vila Isabel, a Maria Vitória abrindo-o e lendo "Não se perdeu a vida, irmãos pastorais" e deixando-o de volta no banco para que, no Maracanã, o Felipe o abra para ler "Na fertilidade crescia o tempo". Foi devolvê-lo ao banco para que o Sérgio, na Praça da Bandeira, lesse "A poderosa morte me convidou muitas vezes / era como o sol invisível nas ondas". Na Presidente Vargas será a surpresa Pietra que o colherá para ler "Hoje à tua boca venho, hoje a teu rosto".
E antes ainda que o 232 chegue ao ponto final, será a Laura que o abrirá para ler:
"Feliz ano-novo para minha pátria em trevas".