Monday, November 30, 2015

Vamos ser velhos ao sol



Vamos ser velhos ao sol nos degraus
da casa; abrir a porta empenada de
tantos invernos e ver o frio soçobrar
no carvão das ruas; espreitar a horta
que o vizinho anda a tricotar e o vento
lhe desmancha de pirraça; deixar a
 
chaleira negra em redor do fogão para
um chá que nunca sabemos quando
será – porque a vida dos velhos é curta,
mas imensa; dizer as mesmas coisas
muitas vezes – por sermos velhos e por
serem verdade. Eu não quero ser velho
 
sozinha, mesmo ao sol, nem quero que
sejas velha com mais ninguém. Vamos
ser velhos juntos nos degraus da casa –
 
se a chaleira apitar, sossega, vou lá eu; não
atravesses a rua por uma sombra amiga,
trago-te o chá e um chapéu quando voltar.
 
< maria do rosário pedreira, levemente adaptado >

Cigarras







se cada
cigarra
se cala




PS daquele inúteis :: haikai em que o nome 'cigarra' é dito em três línguas : inglês cicada, português cigarra, italiano cicala e que nos três versos faz o si-si-si das bichinhas. Além, é claro, da tentativa meio koan de se puxar o tapete : pois se cada cigarra se cala, o quê?

plé

Sunday, November 29, 2015

Dante tem com a chuva o seu diálogo



Dante tem com a chuva o seu diálogo
telepático
aos pingos martelados na piscina
responde com sorriso monalisa

são brancos, se entendem

eu, uma vez mais
de fora

Saturday, November 28, 2015

"Ora, direis, botequins", a Exposição ::: Abertura




Enfim ontem à noite a abertura da exposição mambembe "Ora, direis, botequins", 64 registros de botequins (mas botequim mesmo) cariocas, inclusive e principalmente em bairros aonde ninguém vai porque julga que o Rio se limita à orla.

É exposição de fotógrafo de celular (Nokinha 1020, que saudades), naïf e amador, daqueles que amam o que fazem.

Começou no Bar do Mariano, no Grajaú, e em breve segue para o Bar da Portuguesa, em Ramos, aquele frequentado por Pixinguinha. Depois deve abrir 2016 em Botafogo ou na Tijuca e depois seguir para Paquetá.

É exposição que deseja ser visitada por aqueles que normalmente não vão a galerias ou museus ver exposições. No caso, os bebuns dos pés-sujos.

Abaixo (e acima) algumas fotos dos bebuns de ontem. Fotos da Pampi.


















Exposição de Fotos "Ora, direis, botequins"




Enfim inaugurada a brancaleônica exposição itinerante "Ora, direis, botequins" que, despretensiosa, pretende percorrer alguns pés-sujos da cidade.

Abriu ontem no Bar do Mariano, o mais antigo botequim do Grajaú em funcionamento e que conserva a excepcional localização, o teto de gesso, a cantaria das portas, cigarras e flamboyants.

Abaixo o texto que o botecólogo Rixa gentilmente escreveu para a exposição.

By the way, Rixa também fotografa, melhor que eu, e está devendo exposição.





CONVERSA DE BOTEQUIM SOBRE UMA EXPOSIÇÃO DE BOTEQUINS
Rixa

            Como uma criança no parque, que não sabe se corre em direção ao carrossel, à roda gigante ou à carrocinha de algodão doce, sinto-me excitado entre paineis bicolores de azulejos, cobogós, flâmulas futebolísticas, propagandas de Café Capital e o São Jorge iluminado sob as sancas do botequim da esquina. A diferença é que a criança corre, já eu encosto a barriga no balcão para "começar os trabalhos". Enquanto sorvo o primeiro copinho de uma ampola mofada, minha visão viaja por cada canto, minha audição fica atenta a cada conversa ao lado e meu tato procura um guardanapo para limpar água e gordura debaixo do cotovelo.

            Fosse eu incumbido de escrever o verbete "carioca" no dicionário, a descrição acima já tomaria boa parte da definição. Mas fui incumbido de falar da paixão do carioca Evandro Von Sydow Domingues pelos bares da vida. Paixão esta que, há alguns anos, começou a ser registrada em fotos.

           Nossa herança portuguesa (ainda) pode ser vista na arquitetura do Rio Antigo: no Centro, Zona Portuária e Zona Norte. Com genuína simplicidade, os bares e restaurantes foram decorados com lembranças da terrinha. Mas como acontece no mundo globalizado, o negócio de família vem sumindo mais rápido do que os ovos coloridos do balcão (em tempo: azul, meu preferido). Seus filhos, brasileiros, tocaram o comércio em frente. Já na terceira geração, a resistência se revelou enfraquecida. Aos lusos, em tempos de crise, misturaram-se nordestinos e papa-goiabas. As franquias limparam os pés-sujos, atendendo ao gosto da nova clientela. O botequim carioca, como o conhecíamos, torna-se mais um patrimônio em extinção. E troca-se um azulejo hidráulico aqui, remove-se uma pintura de paisagem acolá, substitui-se o nome antigo até restarem poucos vestígios, escondidos por trás de um banner de cervejaria. Poetas, seresteiros, namorados e cachaceiros, correi!

A exposição Ora, direis, botequins, que se quer itinerante por botequins cariocas, divide-se em 4 módulos :: “Paisagens Humanas”, com donos, funcionários e fregueses; “Nilton e Outros Bravos”, que traz botequins com pinturas de Nilton Bravo e outros; “O Ludopédio”, que atesta o beijo na boca entre botequim e futebol, e “Azul e Desejo”, com fotografias de azulejos.

            Nilton Bravo, conhecido como "o Michelângelo dos botequins", dizia ter pintado em mais de 1000 botecos dos anos 70 a 90. No livro Confesso Que Bebi, Jaguar passeia - trocando as pernas - pelos botequins da tradicional boemia carioca. Numa estatística pessoal, anotou que em 2001 restavam apenas três murais de Nilton Bravo na cidade, resistindo, bravamente, nas paredes dos "whiskritórios". O cartunista ficaria feliz de saber que sua conta estava errada. Assim como sabemos estarão sempre erradas, para mais ou para menos, as contas que passam de 10 cervejas. De bar em bar, Evandro tem catalogado, até o ano da graça de 2015, 23 dessas obras "gordura sobre tela", encimando geladeiras e prateleiras nesses verdadeiros ateliês disfarçados de botequins. Infelizmente o número de Jaguar estará correto em breve, pois as telas de Bravo e seus genéricos continuam sumindo a cada ano.
           
Já a seção “Paisagens Humanas” nos apresenta uma rica galeria dos habitués e donos dos botequins. A tarefa aqui não é mole, dada a costumeira desconfiança. Não à toa Evandro usa sempre o seu celular (praticamente todos os registros são do seu inseparável Nokia 1020) justamente por ser este uma ferramenta menos invasiva. E haja cerveja e conversa para conseguir a foto.

            E como em conversa de botequim não pode faltar futebol, acuso o vascaíno e grajauense Evandro de ser um vira-casaca. Não de time, mas de botequim: às vezes ele prefere os azulejos em combinação verde e branca, outras vezes amarela e preta, estando sempre na torcida, ainda, por encontrar na próxima esquina mais uma rara tabelinha preta-e-azul.

 Ao todo, 64 registros de uma geografia que abrange 40 bairros da urbe, do Humaitá a Honório Gurgel, de Vaz Lobo à Glória, passando pelo Morro do Pinto e Morro do Livramento.

Todo esse papo, aliás, me deu sede. Então tá combinado: saindo desta exposição, vou ver se encontro o Evandro lá na esquina.


Rixa é botecólogo

 




Thursday, November 26, 2015

9 Haikais Beats



Seguem alguns haikais cheios de gracinhas, incluindo um palíndromo em francês e outro com estrambote, Todos intraduzíveis.

Trilha-sonora do sueco José González :: 'Heartbeats'.


be at
where hearts
beat


beat
where hearts
eat


eat
where hearts
beat


be at
where bards hard hearts
beat


be
at
me


be
at
me
at


be at
the
meet


¿les beat
écoutent
beatles?


are
the beatles
beatless?


PS: Claro que saber o sentido da expressão chula *beat the meet ajuda a compreender o 6 e o 7.









Tuesday, November 24, 2015

O Voo de Claudio Rocchi



Foi só recentemente que soube da morte / voo mágico de Claudio Rocchi, baixista do primeiro Stormy Six e dono de uma carreira solo, a partir de 1970, dentre as mais prolíficas do progressivo italiano.  Já no ano seguinte lança seu capolavoro Volo Magico n. 1, antes, portanto, dos discos seminais da tríade Banco-Le Orme-Premiata. Não se trata de competição mas, enquanto o Le Orme de 1971, o ótimo Collage, ainda oscilava entre o formato canção e as viagens progressivas, Rocchi já estava lá (junto com New Trolls e I Giganti, cumpre lembrar).

Volo Magico n. 1 segue a fórmula cara ao progressivo dos 70: a longa faixa homônima no lado A e algumas canções no lado B. Notáveis, portanto, as semelhanças com outro visionário conterrâneo: o Alan Sorrenti de Aria (1972, sobre quem escrevi aqui), desde a tremenda trip do lado A até o dolcíssimo acústico buona notte da faixa derradeira.

Os 18 minutos do voo mágico começam sem pressa, com um ótimo trabalho de percussão e sua bela voz. Do acústico chega-se ao elétrico, ao acid folk embalado por sabores orientais (o refrão hipnótico Om Hari Om). Quando entra o mellotron e Claudio dialoga com voz feminina (a diferença de timbres é pequena), é pouco provável que o ouvinte tenha ainda pés cabeça whatever presos ao chão. Arrepia tudo, mente, cuore, mani, occhi, braccia, bocca, gambe, nome


C'è sempre tempo per cantare, il cielo, l'acqua, un corpo, tutti
Poi puoi andare dove vuoi, poi puoi essere come vuoi,
Poi puoi stare con chi vuoi, poi puoi prendere o lasciare, poi puoi scegliere di dare

Para os amantes da melhor cena progressiva europeia, item obrigatório.


Monday, November 23, 2015

Cascudo neles!



Lembro-me de meu pai reclamando de que, quando esteve em Natal, há muitos anos, visitou a casa do Luís da Câmara Cascudo e, para a sua estupefação, os funcionários da casa não tinham ideia de quem havia sido Luís da Câmara Cascudo. Estupefação justa. À época contei esta história à mãe de uma amiga, que apenas murmurou "Barbárie", como quem murmura the horror the horror...

Bem, o Brasil não conhece o Cascudo, é verdade, como desconhece um caminhão de outros seres e coisas essenciais. A exposição no Museu da Língua que ora homenageia nosso folclorista maior, de um conhecimento enciclopédico que esnoba a academia, está aí. Para os funcionários e para os curiosos, para quem já conhece e para quem desconhece.

Se comparada à exposição do Rubem (escrevi aqui), e à exposição que inaugurou a casa, do Grande Sertão, esta fica a dever. É bem montada, claro, que lá gostam de fazer exposições-instalações interativas e bonitas, mas a abundância de referências aos objetos de estudos do mestre (nossa cultura) atropelou referências mesmo ao homem. Quisera ter visto ali uma carta do Luís, algumas primeiras edições de sua vastíssima bibliografia, ouvir-lhe a voz.

Mas vale como introdução, claro, e tem seus destaques, como a placa de acrílico a exortar visitantes que não o incomodassem pela manhã....










Thursday, November 19, 2015

Velho Engenho Novo



Em minhas opiniões esquisitas, acho que o bairro do Engenho Novo (amiúde confundido com o de Dentro) merece visitas por, pelo menos, quatro motivos. A ver ::

1) manteve seu nome antigo, a exemplo do Engenho de Dentro citado e ao contrário do Engenho Velho, que hoje quase ninguém sabe onde fica.

2) tem um botequim que conserva não um mas dois (do-is!) paineis do Nilton Bravo, afrescos pintados em 1962.

3) aparece logo no início deste que é uma das obras-primas da lit. bras. : 

Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.

4) o quarto motivo ilustram-no as fotos abaixo.