Monday, March 30, 2015

O vilarejo tem trezentos anos :: Explicação desnecessária



Me sinto um pouco culpado com o soneto "O vilarejo tem trezentos anos". O ambiente descrito é o de uma aldeia romena (relâmpago branco faz alusão à țuică). A foto postada é da aldeia de Viscri.

A inspiração é menos pela visita a Viscri, onde passei apenas algumas horas, que pela leitura de Herta Müller, principalmente do seu primeiro livro Depressões, que a atirou em um limbo, rejeitados, odiados (autora e livro) que foram tanto pela regime do Ceaușescu (nenhuma novidade aqui), mas também pela sua comunidade suábia, tão visceralmente retratada. O problema é que eu amei Viscri. Amei a impressionante igreja fortificada, amei as enormes casas campesinas, amei as nuvens, o cheiro e a chuva, amei os ciganos (sobre quem escrevi aqui). A nossa tendência romântica a supervalorizar o campo em detrimento à cidade vem daí, do bovarismo e de visitas rápidas, de estadias de finais de semana.

O poema inspirado por Viscri de certo modo a retrata. Mas Viscri quer ser metonímia para todas as aldeias romenas, para todas os vilarejos do mundo, para qualquer lugar em que imperem estagnação, violência, machismo, falta de perspectivas. Com efeito, um amigo leu e viu Curitiba (longe de ser aldeia ou não?) ali. Se o poema consegue minimamente isso, é bom sinal.

O problema é que amei Viscri.









PS completamente desnecessário ::: esse negócio de ver Curitiba num poema inspirado numa aldeia da Transilvânia... bem, ambas com seus vampiros.

Limeriques para um Octogenário




Bem, o Dante já ganhou os dele, então por que não o pai?



Fazer 80 é mole, comprove
Sem rivotril, xanax ou engov
Vejam que coisa nojenta
O bom Helio faz 80
Com um corpinho de 79.


Pois taí  um sujeito bem sincero
que nunca foi de muito lero-lero
Envelhece como vinho
Mais forte em seu caminho.
Super pai: versão oito ponto zero.


 Aquele bom homem de Niterói
Madeira boa que cupim não rói
E vejam que coisa incrive
Gosta mesmo é de livro
Aquele bom homem de Niterói.


Aquele nobre homem de Brasília
Acima de tudo põe a família
Se alguém ousa duvidar
Corre lá pra perguntar
É o que dirão filhos e filhas.


São anos mourejando na Marinha
Em terra firme sem perder a linha.
Mas quando está embarcado
Vomita e fica enjoado
Nosso grande consultor da Marinha.


Intelectual, leitor de muitas linhas
Leu muito mais do que tu adivinhas.
Mas meu deus, que sofrimento
Quando é o seu intento
Abrir aquela lata de sardinhas.


Quando o assunto é comida : feijoada
De preferência antes da caldeirada
Não me venham com gotinhas
Muito menos com papinhas
Mas miolo, língua, fígado e rabada.

 
Sagrada mesmo é a sua sesta
Tanto dia normal, tanto de festa
Já comi, já deu minha hora
Mandem a visita embora
Por favor, não mexam com a minha sesta.


Tem ele hábito arraigado. É
Coisa que sempre fez com muita fé.
Não deixa nem um instante
Mesmo ao lado do almirante
De molhar o seu pãozinho no café.





Sunday, March 29, 2015

Gozando Junto IIIIIIIIIIIIIIIII ::: Em Istambul III



Terceira e última da série de Istambul (as duas primeiras aqui e aqui). Gosto de tantas aqui que fica até difícil destacar uma. A derradeira é da Camila, tirada no Palácio Topkapi.

E a bem da verdade nem todas são de Istambul. A do castelo dos genoveses (sobre o qual escrevi aqui) é em Anadolu Kavagi, à beira do Bósforo são as moças de Üsküdar.












Saturday, March 28, 2015

1975-2015 ::: Três Quarentões Progressivos






Aquela história da ilha deserta, das listas, os melhores, os top 5, top 10 etc. Bem, fosse eu fazer a minha lista dos TOP 10 de progressivo, de discos que mais me marcaram e marcam, que ficaram tatuados em minh'alma (relevem o exagero), descobriria que três deles são de 1975, isto é, tornam-se quarentões, esbanjando vitalidade. Se em dois anos a maré começaria a azedar um pouco para o prog (que voltaria soberbamente, de vez que o rock progressivo não é um 'estilo de época'), só pelos três discos citados 1975 deve permanecer como um dos píncaros dos gloriosos anos 70, de vez que ainda temos coisinhas como Scheherazade, Snow Goose e o Yezda Urfa.

O Ommadawn do Mike Oldfield é o mais antigo do meu folclore pessoal. Garoto eu o ouvia em fita cassete num quarto escuro melado de incenso. Em busca de uma transcendência que não veio. Ou chegou e nem percebi.

Porventura o mais obscuro desta pequena lista, Si On Avait Besoin d'Une Cinquième Saison do Harmonium é a obra-prima do prog francófono. Por anos tive como tradição chegar de viagem, qualquer viagem, e deitar para ouvir a quinta música, a quinta estação, de que, sim, todos necessitamos.

O Godbluff é o álbum da maturidade da maior banda de rock progressivo de todos os tempos.

Não gosto muito dessa história de ficar retalhando as músicas, mas alguns destaques:

1) Do Mike, os cinco minutos inicias da parte II. Nirvana não é uma banda grunge de Seattle, o paraíso búdico é isso aqui.

2) Do Harmonium, os quatro minutos finais de "Depuis l'Automne", depois da transcendência do mellotron. Aos 8:26 cai uma chuva de ambrosia e Serge Fori canta rindo. Inefável.

3) Os cinco minutos finais de "The Sleepwalkers". Até o sujeito mais anti-melômano do mundo há-de perceber que a partir dos 5', a coisa aqui fica séria, muito séria, que a percussão do Guy, o sax do Dave e o Hammond do Hugh nos levam a lugar insólito, de onde não se retorna impunemente. E Peter é o que é, a beleza contundente de letra e voz :: "Tonight, before you lay down to the sweetness of your sleep"....

Wednesday, March 25, 2015

Lira dos Oitent'anos

Brasília, 2014


Façam as contas, é número redondo, fácil. Nascido em Cubango em 26 de março de 1935, o avô do Dante, Hélio de Almeida Domingues, de ascendência galega de Pontevedra, completa oitenta anos amanhã.

Presença quase assídua em meus poemas (merece coisa melhor, é verdade), por extensão já apareceu neste blog (aqui e aqui, para citar apenas alguns).

Meus pais se separaram em 74, quando o assunto era ainda tabu. No esquema típico de pais divorciados (com o Dante é diferente), ele ficava comigo e com meu irmão André nos finais de semana. Houve época em que, numa pequena casa, ficavam reunidos sob o mesmo teto : eu, André, ele, sua segunda mulher, os três filhos desta e sua mãe e mais a Daniele, a filha que tiveram em comum (aqui). Era isso: três adultos e seis crianças / adolescentes numa pequena casa de vila em Água Santa, em frente ao presídio. As crianças / adolescentes brigávamos o tempo todo. Hoje olho em retrospecto e não sei como ele, um homem tímido, do mundo dos livros, das ideias, das árvores e estrelas, aguentou isso.

Mas essa é apenas uma das facetas (a paciência quase estoica, a não ser jamais confundida com frieza) desse homem, que fazia o percurso Água Santa-Centro no 238, sempre tendo em mãos um livro, ao qual fazia questão de cobrir a capa, fosse qual fosse. Funcionário público, pegava a kombi da Marinha e ia para a Baixada defender os que não podiam arcar com os honorários de um advogado.

Depois foi para Brasília, para apartamento de janelas maiores, onde reside há quase três décadas. É, de longe, o maior leitor e comprador de livros que conheço (conforme relatei aqui), colocando no chinelo esse mundo de professores-doutores que se contentam com xerox e livros da moda. Dele herdei o amor aos livros e ao silêncio. Dele tento herdar honestidade absoluta, quase irritante. Dele ainda a total falta de jeito de estar no mundo.


LEGADO

O meu pai habitava os flamboyants
que já o habitavam bem antes que ele,
só, habitasse a casa em que as manhãs
vinham surpreendê-lo. Esse hábito --
o de perder-se na leitura -- herdei-o
bem como o de habitar espaços
que imagino e cultivo enquanto leio.
Dele também terá nascido o errar
sob a chuva, o calçar sapatos velhos
e improvável  brilho verde no olhar
quando na face incide luz oblíqua.
Dele, por fim, o sem jeito das minhas
mãos: casa cheia de livro e o desespero
para abrir uma lata de sardinhas.


Asa Sul, 2014

Saturday, March 21, 2015

Porque nem toda rua há-de se chamar Dr. Senador Sacanagildo Aécio Vice Adão



Dando continuidade a uma série que não movimento há mais de ano, alguns exemplos de belos nomes de ruas em recente passeio em Ramos.

Me encanta essa história da falta de sobrenome, é Travessa Horácio (será o do Carpe diem?) e pronto. É Rua Milton e ponto (será o do Paradise Lost?). Melhor que isso só o Drumond com um m só, que dificilmente será o Carlos, mas fica sendo, melhor assim, mais gauche.

Ma(i)s melhor mermo é a Rua Temporal. Morava ali, fácil.

Isso porque a Via Láctea, esta já no Andaraí, é, claro, imbatível. Vou andar aí, pela Via Láctea, onde só anda quem ama, capaz de ouvir e de entender estrelas.








Outras séries de ruas neste blog ::: aqui, aqui e aqui.

Botequins de Ramos

Quinzinho

Ramos não se resume a cacique ou piscinão (para não falar em Pixinguinha ou Barbosa) e, quando o papo é botequim tradicional, creio que sua maior glória está na Portuguesa, que já mereceu post exclusivo aqui.

Mas em recente pesquisa sobre o goleiro Barbosa, não pude deixar de conhecer outros interessantes, na órbita da Rua João Romariz, onde morou o imortal e injustiçado goleiro (aqui) e sempre atentando para os itens elencados neste antigo post aqui.

Assim, da própria João Romariz vêm o Jangada's e o Quinzinho. Também por ali a Adega do Adir, que passou por reforma e serve cervas especiais. Na Sargento Pimenta, digo, Ferreira, o Pitu (do garçom Baixinho, que servia os limõezinhos do Barbosa) e o Sporting. Já a caminho de Olaria, o Polveirinha, com autênticas mesinhas de mármore.

Jangada's

Jangada's

Quinzinho

Adega do Adir

Pitu

Pitu

Pitu

Sporting

Polveirinha

Polveirinha

Polveirinha

Friday, March 20, 2015

Jogos Infantis ::: Portinari em Benfica



Estivessem os azulejos de Portinari e o conjunto residencial de Affonso Reidy num bairro da Zona Sul, seriam cantados e decantados Brasil afora. Mas, sabem como é, né, ali em uma colina de Benfica próximos a São Januário, são inteiramente desconhecidos da população, o que é de todo lamentável.

O painel Jogos Infantis, de 1951, na parede externa do ginásio de esportes da escola do Conjunto Residencial do Pedregulho, é uma das criações mais emblemáticas de Portinari. Vemos aqui meninos pulando carniça sobre ondas de quatro tons de azul e branco. São dois meninos, cada um deles a ocupar quatro azulejos. O menino que salta tem inequívocos traços orientais e parece mesmo trajar um quimono. Vistos à distância, ganham o passe-partout do azul modernista do conjunto, por sua vez emoldurado pelo azul do céu.