Na manhã de sexta leio texto escrito sob o ponto de vista de um bebê que pedia mais paciência para com ele que acorda de noite chorando. Pedia às mães. O texto, aliás, que começa com um "Querida mamãe", foi distribuído em curso de gestantes em uma maternidade em Curitiba. Como em momento algum o bebê se dirige ao pai, infere-se que pais nunca acordam de madrugada para cuidar do bebê, já que tomaram cerveja demais e agora precisam roncar. E no dia seguinte vão para o trabalho.
Na manhã desta mesma sexta a babá do meu filho, depois de encontrar o quarto deste arrumadinho, vem à minha companheira elogiar e agradecer. Só que quem arrumara o quarto tinha sido eu.
Na terceira cena desta mesma sexta-feira, a última de setembro de 2014, eu e minha companheira encontramos à noite com um amigo meu no ônibus. Conversa vai conversa vem, contamos a ele que almoçamos em casa peixe com molho de camarão, feito por nós. Ele sorri e replica: "Feito por você, né?", dirigindo-se à minha namorada. Só que euzinho aqui é que tinha feito o peixe e o molho de camarão. Lembro agora que eu é que tinha feito a feira também, onde comprei um e outro.
Nas três cenas descritas, sexismo (como quando comprei pijamas para o Dante aqui)
Nas três cenas não se acredita que o homem possa cuidar do filho, cuidar da casa, cozinhar. Não se acredita que ele possa fazer isso bem. Quando faz, é sempre de maneira desastrada, a fralda mal colocada, o talco colocado no leite, o lençol usado como fronha, a comida queimada :: amplo repertório para anedotas de salão. Nos três casos privilegia-se a visão da mulher responsável e organizada em detrimento do homem irresponsável ou, no máximo, bem intencionado ("ele até ajuda, mas...").
Poderíamos pensar em misandria / androfobia aqui, e, de fato, há. Mas acho que tudo fica ainda mais na esfera nefasta do machismo, pois se quer perpetuar posições estereotipadas: ao homem, o mundo externo (e político), à mulher, o ambiente doméstico.
Caímos na balela da "the hand that rocks the cradle / is the hand that rules the world". O homem é enxotado da cozinha, do quarto da criança, já que o seu lugar é a sala e, claro, o mundo externo. Fingimos assim investir as mulheres de um grande poder para, ao fim e ao cabo, privá-la realmente deste. Afinal, cuidar dos filhos, arrumar a casa e cozinhar são atividades de menor prestígio.
(E, olha, eu nem acho. Mil vezes cuidar do Dante e escolher molhos para o peixe)
(Texto meio confuso. Mas de um jato. E a etiqueta é cask strenght. E de olho aqui, que o Dantinho já acorda)