Sunday, June 30, 2013
Entrelaçar os dedos para entre
entrelaçar os dedos para entre
laçar os dias entrelaçar as vidas
duas tranças descidas até o ventre
da tarde já madura para o enlace
dos corpos que febris se buscam entre
o grito agudo do gavião rapace
e os bramidos do mar :: o touro bravo
que escravos carregamos peito adentro
domesticá-lo castrá-lo cortá-lo
em bifes é flertar com a velha triste
que insiste em insinuar-se sobre nós
antes ter os seus coices temerários
riscar do glossário a palavra paz
jamais saber como termina o dia
Tuesday, June 25, 2013
Nossa Senhora da Penha - Niterói
As informações são esparsas e escassas, mas aquela igrejinha que se vê no alto do morro da Ponta d'Areia é de Nossa Senhora da Penha, uma comunidade dentro da comunidade. E o termo eufemístico se aplica porque, sim, a área hoje está bastante favelizada. Não o digo de nariz torto: parece-me que a região seria uma extensão de Portugal Pequeno, casinhas antigas e sua capela, mas que com o tempo, e, sendo morro, a favelização foi inevitável.
Daí meu medo em subir, não me digam que é preconceito ou que a culpa é da classe média ou que eu sou tijucano. Aliás, subir é mole, eu queria descer, vivo. Daí, como tenho muita cara de gringo, achei a empreitada não podia ser a sós. Fui com a Maria, o que só piorou as coisas :: um gringo com uma criança.
Foi tudo ótimo. Sem que pedíssemos, Ana Medina se ofereceu para abrir a igreja para nós. E o Bar do Carlinhos tinha piso de azulejos hidráulicos e a garotada soltava pipa.
Not a bad way to spend a birthday morning, uh?
Monday, June 24, 2013
45
Ferreira Gullar publicou seu Poema Sujo aos 45. O lançamento foi um ano depois e sem sua presença porque os anos eram ainda os da gloriosa ditadura.
Gilberto Mendonça Teles escreveu o poema "45" também aos 45 depois de receber a visita do também poeta Domingos Carvalho da Silva, um dos ícones da... Geração de 45. Gilberto gostava dessas coisas e eu não menos.
45
Sou da geração
de quarenta e cinco
ou tenho na mão
a porta sem trico?
(Nem sei quantas são
as telhas de zinco
que cobrem meu chão
de quarenta e cinco.)
Semeei meu grão?
fui ao fim do afinco?
pesquei a paixão
de quarenta e cinco?
Tudo é sim e não
em quarenta e cinco.
E a melhor lição
forma sempre um vinco
de interrogação
no tempo, onde brinco
procurando um vão
entre o 4 e o 5.
**¨*¨*¨*¨*¨*¨*¨*¨*¨*¨*¨*¨*¨
Foi esse poema que me fez perguntar-lhe se ele usava dicionário de rima, ao que ele respondeu em sua modéstia habitual: "Uso e sei usar."
O de Gullar não obedece a esquemas de rimas, sendo, para além de sujo, longo. Cito trecho da segunda estrofe e outro mais para o final, em que há alusão à idade.
bela bela
mais que bela
mas como era o nome dela?
Não era Helena nem Vera
nem Nara nem Gabriela
nem Tereza nem Maria
Seu nome seu nome era...
Perdeu-se na carne fria
perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia
perdeu-se na profusão das coisas acontecidas
constelações de alfabeto
noites escritas a giz
pastilhas de aniversário
domingos de futebol
enterros corsos comícios
roleta bilhar baralho
mudou de cara e cabelos mudou de olhos e risos mudou de casa
e de tempo: mas está comigo está
perdido comigo
teu nome
em alguma gaveta
()()()()()(
tic tac tic tac
enquanto vou entre automóveis e ônibus
entre vitrinas de roupas
nas livrarias
nos bares
tic tac tic tac
pulsando há 45 anos
esse coração oculto
pulsando no meio da noite, da neve, da chuva
debaixo da capa, do paletó, da camisa
debaixo da pele, da carne,
combatente clandestino aliado da classe operária
meu coração de menino
Bem, aí pra não ficar por baixo resolvi botar as mangas de fora. Segue
45
este soneto é só para lembrar
àquela moça de olhos inefáveis
(eles que são piruetas pelo ar
e cujo canto faz inveja às aves)
só para lembrar-lhe que nesta véspera
já não pesa o peso do aniversário
recito a calma de quem tudo espera ::
em meio a sentimento assim tão vário
em meio a sentimento tão diverso
à falta de palavras faço versos ::
:: o presente que Midas transfigura
a vida plena sem tramela ou trinco
gol da vitória aos 45
navio alumiando a noite escura
Friday, June 21, 2013
Anoitece na barca / De modo diferente
Há alguns anos repudiei fotos de pôr-do-sol. Em primeiro lugar, pela facilidade::: foto de pôr-do-sol é como soneto com chave-de-ouro. Com o devido ponto de exclamação! Em segundo lugar, porque são comuns demais. Tudo se relaciona, já que todos amamos as facilidades. Todos amamos as facilidades!
Mas enfim.
Anoitece na barca
de modo diferente
o sol dorme nas águas
se olhamos de repente
e já nem está lá
está dentro da gente
Thursday, June 20, 2013
Wednesday, June 19, 2013
Gozando Junto II
A série Gozando Junto continua. A primeira coleção está neste post aqui.
Seguem algumas recentes, misturadas.
Seguem algumas recentes, misturadas.
Tuesday, June 18, 2013
Beijar teus seios como se em queda
Guanabara :: junho 2013 |
beijar teus seios como se em queda
o tempo exíguo para a exatidão
que não esteja errado a ponto de
me afastares a cabeça pro lado
e que não seja certo a ponto do
suspiro que acompanha o saciar
beijar teus seios como se em queda
essa queda dos sonhos :: só não quero
acordar : deixa eu ficar vagabundo
nada mais a fazer nesta manhã
senão beijar estes mocinhos graves
que impenetráveis me contemplam graves
nada a fazer :: beijá-los e beijá-los
lábios e língua silentes vassalos
Molotov
Agora que o clichê é meter o pau nos coqueteis molotov, acho que faltou e falta coquetel molotov. Com a amiga Ana Lúcia, não se faz omelete sem quebrar ovos. Mas que haja precisão nos arremessos :: um coquetel molotov nos olhos da imprensa falaciosa, vendida e oportunista. Um coquetel molotov no rabo de Bolsonaross e Felicianoss, que usam dinheiro público para disseminar preconceitos e cizânias. Um coquetel molotov na genitália do nosso empresariado, mancomunado sempre com ditaduras políticas ou econômicas (classe alta, senhores, e não a média). Um coquetel molotov na boca da bancada evangélica (eleita pelas classes baixas e não pela média) que arrasta o país para o atraso e sectarismo. Um coquetel molotov em Sarneys e Calheiros, representantes de oligarquias e plutocracias de 500 anos. E um coquetel molotov na nossa corrupção diária, que nos faz ter gatonets e carteiras de estudante falsas, já que corruptos são os outros.
Monday, June 17, 2013
O menino que olha pro alto
Este nem é meu. Pela segunda vez escrevem poema para o menino. O primeiro foi este aqui.
O que segue não é meu, é de Pampi, é mistério, mistério que a vida me emprestou.
O MENINO QUE OLHA PRO ALTO
O menino que olha pro alto
Olhos amendoados, pé-de-moleque
Besuntam beijos nos dedos untados
E ele se ri, recebe amor na mão aberta
Recebe amor no umbigo raso
Ai, vagalhãozinho de enseada
adentra ventre à noite fria
amanhã te dou à luz de novo
se prometeres
olhar pra cima
Sunday, June 16, 2013
A Concha de Swansea
A CONCHA DE SWANSEA
Repousa a concha sobre a estante.
À noite colamos o ouvido à sua concavidade calcária
para receber o rumor e o sal daquele gélida baía.
Mas é de madrugada após o golpe do sono
que a concha
tocada pelos dedos do vento
vibra pelo quarto a voz do bardo
a sussurrar grave com os lábios molhados de algas e anêmonas
I learnt the verbs of will, and had my secret;
The code of night tapped on my tongue;What had been one was many sounding minded.
Virá daí talvez o atordoo da manhã
virá daí talvez o desejo desvairado de amar
virá daí talvez o tatear mapas como sexos
para neles encontrar (talvez) nosso destino
Tuesday, June 11, 2013
Mutum, o Filme :: Uma Resenha
A prova maior de que não sou e nunca fui cinéfilo está aqui: adaptaram o meu conto preferido em 2007 e só agora me interessei em assistir.
Falo de Mutum, filme de Sandra Kogut adaptado do conto / novela "Campo Geral", primeiro do Corpo de Baile de João Guimarães Rosa.
Aproveitando ser hoje véspera do Dia dos Namorados, aproveitando que meu níver se aproxima, aproveitando que o céu aqui é o que mais perto pode ser de um céu romano: azul e frio :: adorável. Aproveitando isso tudo de bom, para dizer que só mesmo com muita boa vontade posso dizer que o filme é razoável. (Fosse agosto sob céu chuvoso, qual seria minha avaliação?)
Sem entrar naquela discussão tola das adaptações. Aquela história das linguagens diferentes. Não tola por errada, mas por óbvia. Se é para adaptar um autor para as telas, senhores, que o "respeito", que a "fidelidade" resida menos na diegese que no ethos da obra. Impossível? Coppola fez isso soberbamente bem com Apocalypse Now, "adaptação" (aspas imprescindíveis) de O Coração das Trevas, de Conrad. Para ficarmos por aqui, Luiz Fernando Carvalho brilhou com seu Lavoura Arcaica, adaptação do romance homônimo de Raduan Nassar.
O filme de Sandra, na pretensão cool de querer fazer mais com menos, faz menos com menos. A secura das tomadas, o fraco desempenho do elenco, a ausência de trilha-sonora, se pretendiam traduzir a secura do sertão, escorregam de maneira lamentável. O sertão de Rosa não é o de Graciliano Ramos, Rachel de Queirós, José Américo de Almeida. Não o é geograficamente e muito menos na linguagem. O sertão de Guima é barroco, é cornucópico, é exuberante. É a gritaria dos quero-queros nos buritis. É a invencionice desvairada de Miguilim. E não o que se vê aqui.
Falei em Miguilim? POR QUE CARGAS D'ÁGUA O FILME TROCOU OS NOMES DE MIGUILIM E DITO, CHAMANDO-LHES DE THIAGO E FELIPE????? Para mim, o erro mais sórdido. Guima já havia dito que tudo que tinha nome o pegava. Nome, para ele, não era apenas tudo. Era muito mais que isso. Será que Sandra ou alguém da brilhante equipe de pesquisa se deu ao trabalho de consultar Recado do Nome, de Ana Maria Machado?
E como assim : Thiago e Felipe? Então na literatura os nomes não têm importância? Não é aqui Dito o dito, e Miguilim, o não-dito? Não é por isso que Dito morre e Miguilim vive? Porque ele ainda tem muito a dizer? E os insípidos nomes Thiago e Felipe (perdoem-me os amigos do nome, sobretudo o Ponce e o Barroso, que hão-de me compreender) querem dizer o que aqui?
(Ouvir "Felipe está no céu" em vez de "Ditinho está em glória" e "Thiago é piticego", em vez de "Miguilim, você é piticego" é uma afronta que não há céu de junho que amenize)
Se a intenção era "universalizar", então pra que chamar o filme de Mutum? Pra que ir para o norte de Minas filmá-lo? Ficássemos com Thiago e Felipe num play da Tijuca! Pronto! O sertão está em toda a parte!
Só pra terminar: mostrar os meninos tentando ensinar o papagaio a falar o nome do Dito (Felipe é o cacete!), sem depois mostrar que ele só o aprende depois que este morre, para desespero do Miguilim (Thiago é o caralho!) é pior do que contar fofoca pela metade.
Por fim, se o filme foi tão incapaz de traduzir o ethos roseano, colocando uma sucessão de cenas a priviliegiar a diegese, por que no fim não mostrar que Tio Terêz e a Mãe ficam juntos???
Ou seja, não serve nem como novela das 7.
Agora que terminei o texto, não acho o filme razoável, mas sim uma bela porcaria.
Monday, June 10, 2013
Aprender palavra quirera
São Francisco Xavier :: maio de 2013 |
viajar viajei cumpri os votos
a que me impus quando ainda garoto
correr o mundo virá-lo do avesso
pousar no fim sabendo que é o começo
menosprezei os óbvios destinos
:: pro inferno cabo frio cancun miami ::
em troca de lugares mais canhotos
tunísia malta goa sri lanka
e são gonçalo do rio das pedras
depois veio o menino a viagem
maior se deu ainda que eu mal fosse
da cozinha à sala e desta ao quarto
agora na tua minha mão espera
juntos aprender palavra quirera
Friday, June 07, 2013
Bairro dos Souza - Monteiro Lobato-SP
Conhecer cidadezinhas é legal, mas o melhor é conhecer os seus distritos. A caixinha dentro da caixinha. Senão onde tomar cerveja sob pau-brasil roçando ombros e alma com igrejinha consagrada a Santa Rita de Cássia? Detelhe: igreja rosa. A primeira que atopo em décadas de visitações a igrejas históricas. Não por acaso Santa Rita, a dos impossíveis. Meu padrasto, ateu ferrenho até quase o fim da vida, era devoto. Pode ser que eu agora, quem sabe.
Ou onde encontrar geladeira roxa roxinha e tomar caipirinha de tangerina com pimenta?
Outros (não eu!) a pedra bruta cortem. Vou conhecendo lugarejos.
Thursday, June 06, 2013
São Francisco Xavier - São Paulo
O simpático distrito de São Francisco Xavier abrevia-se SFX. Isso não se fala, se escreve. Que o distrito continue distrito, escondido na Mantiqueira, sem ganas de municipalizações. Lá é frio e no inverno os dias são de um azul absurdo e às noites enxerga-se a Via-Láctea.
O turismo é uma indústria insidiosa. Faz bem, mas pode fazer mal. Não vire SFX uma Tiradentes, um Pelourinho. Não vire SFX um shopping a céu aberto só lojinhas e restaurantes para turistas. Não expulsemos os xavierenses de gerações para a periferia, deixemos que continuem morando no centro, em suas casinhas.
Como assim, "deixemos"? A cidade é deles, os visitantes passamos, fazemo-la nossa ao passar mas não se torne SFX cidade que abre às sextas e fecha aos domingos.
Continue São Francisco Xavier da Barbearia Magalhães, das violas, das saíras e das estrelas.
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