Thursday, August 15, 2019

Já não sei que esgar me resta


E como encarar a irmã
em meio ao nosso jantar
bebem-se vinho e cerveja
com risadas e clichês
E como encarar a irmã
falar da feira, netflix
fofocar da velha tia
E como encarar a irmã
durante o fondue de inverno
o fontina derretido
naco de pão que ora cai
(ah quem? pagará prenda?)
E como encarar a irmã
a noite nos é tão cálida
e a música não é má
sempre as conversas de sempre
sempre as piadas de sempre
E como encarar a irmã
que votou pelo fascismo
e não se arrepende?
Pois eu já não tenho olhos
não sei se odeio a irmã
não quereria odiá-la
odeio o fascista virtual
que xingo dou pontapés
todos eles virtuais
a irmã não, está aqui
tão próxima mesmo sangue
mesma infância mesmas fotos
e escolheu o fascismo
e não se arrepende
mata-se o garoto negro
a caminho de sua escola
e pra família no carro
oitenta tiros bem dados
e morre o gay espancado
e morre o índio queimado
Evandro, você não quer
mais um copo de cerveja?
Ó, não vai beber demais
preocupa-se minha irmã
tão ciosa do meu fígado
mata-se a trans a pauladas
fazemos o vídeo
(ela vestia calcinha!)
reforme-se a previdência!
que já há velhos demais!
professor e lavrador
só querem parar bem cedo
corrigir as distorções
e como te encaro, irmã,
já não sei que esgar me resta
já não sei que olhar me sobra
minha irmã aqui em frente
preocupada com meu fígado



1 comment:

Iris said...

Tempos difíceis.
Saudades dos tempos de fígado com batatas e alguma cerveja na refeição em casa.
Não sobra muito mais.
Deixar de lado a raiva.
Tratar com pena.
E ignorar a ignorância dos acéfalos familiares que conspiram bebendo conosco.