Sunday, April 06, 2014

Lavoura Arcaica :: A Trilha




Assisti a Lavoura Arcaica, de Luiz Fernando Carvalho, sob cortina líquida, olhos marejados do início ao fim.

A sensação se repete quando volto ao romance e, ainda mais, quando ouço a sua assombrosa trilha-sonora, composta por Marco Antônio Guimarães, do Uakti. Muito de música árabe aqui, algo de Bach, muito de Philip Glass (sobretudo Mishima), o melhor do Uakti.

O casamento entre música e imagem é digno da dobradinha Nyman-Greenaway (aqui). Tendo o romance um quê de solene, também a trilha, sem jamais porém soar pesada. A faixa final, "O Perdão", apresenta como que uma hidden-track, que é a narração de Raul Cortez (lembrei dela aqui, ao escrever sobre as Virgens Suicidas). Isso depois de quatro minutos de silêncio, tão música. Isso é de fazer peixe pular fora do aquário.


Bastavam alguns nomes das faixas para se adivinhe sua beleza perturbadora, no romance e na trilha, nas palavras e nos sons, nos sons das palavras: "As Costas do Tempo", "Era uma Vez um Faminto", "Estou Louco", "Cesto de Roupas Sujas", "Foi Assim que Ana Tomou de Assalto a Minha Festa", "Quero Ser o Profeta da Minha Própria História", "Eu que Não Sabia que o Amor Requer Vigília".

Difícil destacar músicas. O motivo principal está de forma clara em "Foi Assim que Ana Tomou de Assalto a Minha Festa" e "Era Ana", enquanto "O Pão de Casa" é doçura de nuvens e "É Minha" é a loucura.

Acontecimento pitoresco :: quando fui comprar o CD em loja em Niterói, pedi por Lavoura Arcaica. A moça retornou: "Não tem. Mas como é mesmo o nome em português?"

Sim, Lavoura Arcaica não pertence ao Brasil da música fácil. O próprio diretor foi criticado por não ter feito concessões (a palavra uncompromising cai luva aqui).  Também Raduan se retirou , Bartlebly que é (ver aqui), para cultivar silêncios e ouvir radinho de pilha no interior de São Paulo. Sua entrevista para os cadernos de literatura é maravilhosa em sua total ausência de glamour.




PS: Talvez nãp seja ético pegar carona assim. Mas foi assim que ana tomou de assalto a minha festa me fez escrever, ano passado, isto aqui :::



foi assim que Camila saqueou
meu coração :: não fica pedra sobre
pedra blitzkrieg carpetbagger que é
vísceras aurículos devastados
panzer caveirão as escavadeiras
esmigalham resíduos do passado
a política da terra arrasada
alimentada com salitre e sal
e foi assim que ela fincou bandeira
assim com suavidades de bandeira
porquinho da índia rosa pasárgada
assim ela docemente se aconchega
toda lã toda paina oh anjo meu
resgata aquilo que foi sempre seu

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