Tuesday, October 30, 2012

Tite




Um dos meus poetas diletos é o Tite de Lemos, da geração da Ana e do Armando. Por causa dele decidi que também eu teria o meu livro só de sonetos. Por causa do Jorge de Lima também, e do Carlos Nejar e do Sérgio Campos, mas mais por causa dele e para que não pairassem dúvidas copiei-lhe desabridamente o nome do seu Caderno de Sonetos. Depois veio o Outros Sonetos do Caderno. Seus sonetos têm tudo que amo: o respeito à e a rasteira na forma. Forma always, fôrma never. Rigor. Inda que embriagado, rigor. Um lirismo absurdo. Mas com humor. Ler poesia sorrindo.

Pois bem, faltava-me um seu livro em minha coleção, o Marcas do Zorro. Não mais, que o encontrei na Berinjela na sexta-feira passada. E por apenas 15 berinjelas. Detalhe: autografado.

Depois subi o Morro de Santo Antônio. Ao descer tomei chopes no Café e Bar Real na Carioca, amparado por um sanduba de pernil. À frente as igrejas lindas o céu e a brisa. Depois apareceram dois repentistas arretados.

E tem gente que diz que não há Deus.

SONETO
Tite de Lemos

14 tortuosas linhas, 13
labirintos sem fim e sem começo,
12 portas lacradas, 11 vezes
forçadas, talvez 10, até me esqueço.

9 questões de lógica celeste
ou 8 jogos de adivinhação,
7 ou 6 tentativas, todas vãs,
de escutar o que ainda não disseste.

5 metáforas jogadas fora
quando quero dizer-te que te adoro.
4 rimas rebeldes, 3 tropeços,

2 tombos e no entanto, finalmente,
nada que não pudesse resolver-se
em 1 simples bilhete adolescente.

Sunday, October 28, 2012

Tia Maria




TIA MARIA

tia maria dizia
quem fodia fedia
ai minha nossa senhora
ai minha virgem maria

Tem Cobogó no Botequim

A revista O Globo de hoje traz em sua matéria de capa um texto sobre os cobogós: "Loucos por Cobogó". Ora, conforme escrevi aqui, cobogós são um dos meus principais interesses em botequins. Assim, tenho já reunidas dezenas de fotos da presença destes queridos (sim, sou um louco por cobogó) nos botequins do Rio e Niterói.

A reparar que as fotos aqui selecionadas, sem grande rigor, ilustram a grande variedade de cores, desenhos, tipos e mesmo funções que os cobogós podem ter nos botequins. Quando próximos a azulejos (e quase sempre o estão), o efeito é espetacular. Se próximos a um Nilton Bravo (como no açougue, sim, é açougue, na Lapa) ou a paineis de azulejos (como o outro da Lapa e o do Méier), aí o bicho pega mesmo...




Praça da Bandeira

Lapa

Rio Comprido

Centro

Lapa

Maria da Graça

Laranjeiras

São Cristóvão

Tijuca

Méier

Tijuca

Saturday, October 27, 2012

verdes



verdes
a musa de Camões tem olhos
verdes
vinde verdes
verdes perto
verdes longe
que me dês o ver
que perdi.

Thursday, October 25, 2012

Bird List - Michael Nyman


Não acredito ser possível acercar-se da música de Michael Nyman senão com absoluto desprendimento, fervorosa paixão e cega obsessão.

Reparem que não peço muito.

Qualquer outra forma de aproximação será impostora.

O lançamento, ano passado, de seu primeiro disco (1981), permite-nos bem mais que o contato com a formação de um artista e essas coisas de genética. Permitiu-nos, dentre outras, o conhecimento deste absurdo que se chama "Bird List", inicialmente composta para trilha do The Falls, do Peter Greenaway.

Sim, era a época da dobradinha Nyman-Greenaway, que ainda haveria de render as obras-primas A Zed and Two Noughts, Drowning by Numbers, Prospero's Book e The Cook the Thief, his Wife and her Lover.

Nesta peça encontramos Nyman em duas de suas obsessões. Pelo menos. O gosto pela enumeração e o uso de uma soprano em um registro altíssimo, como mais tarde apareceria em "Memorial", de The Cook, em "L'Escargot" de A Zed e no movimento "Images were Introduced", de The Kiss.

Dir-se-ia uma voz vitricida.

Dir-se-ia voz logicida, que endoidece e nos faz repetir a audição até ser posível a solução do mistério. Thank God ainda estamos longe de qualquer solução. Seguimos ouvindo. Absoluto. Fervoroso. Cego.

A peça entrou para o repertório. Está no Live. Mas Mike retirou a voz e a guitarra elétrica. Compreensível que tenha retirado a guitarra, pecaminosa a retirada da voz vitricida.

Compensou com uma aligeirização no tempo e um uma forte carga nos metais.

Não direi jamais que ficou melhor. Mas continuou maravilhosa.

A versão 'ao vivo':

She who makes my heart shiver




She who makes my heart shiver
she who makes my heart bow
she whose eyes are but the eyes
of a luminous child that flies.

Mine was the candle of disillusion
half-burnt in the dusk
hers the taste of wild musk
coming from her thighs.

Hers the skin that glows
glowing my heart goes
as her dark hair hides my face
amid her fireflies.

Wednesday, October 24, 2012

Sudário




SUDÁRIO


o rosto enxugo
em tua toalha de banho

ver se algo se imprime
não lá           aqui

Poemas Escritos na Ponte I - Sobre esta Ponte Absurda



Sobre Esta Ponte Absurda


Sobre esta ponte absurda
onde veículos lentos e assassinos
se arrastam tediosamente rumo ao tédio
deixando atrás de si um visgo negro
que chuva alguma jamais apagará
sobre esta ponte torcida pela escoliose
trinta e sete gaivotas
pregadas ao cinza escrínio
confabulam
e hesitam
-- olhos rotos pela salsugem e fuligem --
entre o suicídio coletivo
e um voo maior para o ventre do céu

Tuesday, October 23, 2012

Especially When the October Wind - Dylan Thomas





ESPECIALLY WHEN THE OCTOBER WIND

Dylan Thomas

Especially when the October wind
With frosty fingers punishes my hair,
Caught by the crabbing sun I walk on fire
And cast a shadow crab upon the land,
By the sea's side, hearing the noise of birds,
Hearing the raven cough in winter sticks,
My busy heart who shudders as she talks
Sheds the syllabic blood and drains her words.

Shut, too, in a tower of words, I mark
On the horizon walking like the trees
The wordy shapes of women, and the rows
Of the star-gestured children in the park.
Some let me make you of the vowelled beeches,
Some of the oaken voices, from the roots
Of many a thorny shire tell you notes,
Some let me make you of the water's speeches.

Behind a pot of ferns the wagging clock
Tells me the hour's word, the neural meaning
Flies on the shafted disk, declaims the morning
And tells the windy weather in the cock.
Some let me make you of the meadow's signs;
The signal grass that tells me all I know
Breaks with the wormy winter through the eye.
Some let me tell you of the raven's sins.

Especially when the October wind
(Some let me make you of autumnal spells,
The spider-tongued, and the loud hill of Wales)
With fists of turnips punishes the land,
Some let me make you of the heartless words.
The heart is drained that, spelling in the scurry
Of chemic blood, warned of the coming fury.
By the sea's side hear the dark-vowelled birds.





Tem que ser muito macho pra segurar Dylan Thomas pelos chifres.

O Ivan Junqueira é.

SOBRETUDO QUANDO O VENTO DE OUTUBRO
Sobretudo quando o vento de outubro
Castiga-me os cabelos com álgidos dedos,
E eu, sobjugado pelo sol, caminho entre as chamas
E deito uma garra sombria sobre a terra,
Junto à orla do mar, ouvindo o ruído dos pássaros
E a tosse do corvo nos ramos do inverno,
É que estremece o meu convulso coração quando ela fala
E verte o sangue silábico, ou então se cala.

Enclausurado assim numa torre de palavras, esboço
No horizonte, ao caminhar como as árvores,
As formas verbais das mulheres e, no parque, as filas
de crianças cujos gestos se assemelham às estrelas.
Há quem suponha que eu te criei das faias vocálicas,
Das vozes dos carvalhos, ou que te dê notícias
A partir das raízes de províncias espinhosas.
Há quem suponhas que eu te criei da linguagem das águas.

Atrás de umas jarra de feno, o relógio balouçante
Diz-me a palavra das horas, o significado nervoso
Flutua sobre o disco do pêndulo, declama a manhã
E anuncia a tempestade no cata-vento.
Há quem suponha que eu te criei dos indícios da campina;
A erva memorável que me diz tudo o que sei
Irrompe através do olhar com o inverno cheio de vermes.
Há quem suponha que eu te conte os pecados do corvo.

Sobretudo quando o vento de outubro
(Há quem suponha que eu te criei de magias outonais,
Da saliva das aranhas ou das sonoras colinas de Gales)
Flagela a terra com punhos de tubérculos,
Há quem suponha que eu te criei das palavras sem coração.
Exauriu-se o coração que, renunciando ao tumulto
Da química do sangue, se acautelou contra a fúria que desponta.
Junto à orla do mar, escuta as negras vogais dos pássaros.

Saturday, October 20, 2012

O Canto da Choca



Há não muitos dias publiquei aqui o poema "Nós, Passarinho", em que trato (ou aquele impostor que se faz passar por meu eu-lírico) de um passarinho que canta no Clube Português, para alegrias minha e de Dante. Uma das tônicas do poema reside em nossa cumplicidade ante um mistério, mistério que a vida nos emprestou.

Mas não é que... descobri a graça do  danado do passarinho? Graças ao querido vizinho Seu Francisquinho, que sempre brinca um monte com o Dante quando o encontra, descobri tratar-se de uma choca.

Aí, recorri ao meu Ornitologia Brasileira, obra monumental de Helmut Sick em 2 volumes que jamais me tivera importância assim tão pontual.  Não sei que choca é aquela, se a de-chapéu-vermelho, se a d'água, se a barrada, se a listrada, se a bate-cabo, se a da-mata, se a de-asa-vermelha ou ainda se a choquinha-lisa ou choquinha-estriada ou a de-flancos brancos. Não sei. O que, graças, mostra que o segredo não foi de todos desvendado.

Uma das coisas mais legais dos livrões é a maneira como Helmut descreve o canto das criaturinhas de Deus. Para a choquinha-de-peito-pintado, Dysithamnus stictothorax, ele diz: " voz: tschürr (chamada); tschr(advertência); sequencia descendente e vagarosa, no fim descendente e acelerada, à feição de Thamnophilus (canto)."

Eu, ai de mim, ornitólogo amador, apenas descrevi como....

É um trinar que a si próprio repete
é canto que a si mesmo ecoa
bolinha de borracha quicando
no vácuo do infinito
gotinhas descalças pingando
um piazinho tonto
sete sílabas se estalando.

Bem, pode-se ouvir a choca (uma das!) aqui...



Especialmente Solitários



Pra quem se lembra do Ser Invisível, partes 1, 2 e 3. Segue abaixo o texto que Luna, revoltada, escreveu outro dia.



Não tivesse o menino tido já milhares de crises epilépticas, não tivesse ele Síndrome de West e neurofibromatose, não tivesse ele harmatomas próximos ao hipocampo, talvez viessem visitá-lo, talvez trouxessem presentes, levassem-no para passear.

Como o caso é o caso, seus fins de semana são especialmente solitários, por mais que pai e mãe, às vezes exaustos, tentem distraí-lo.

Afinal, quem se interessa? Quem, tios e tias e primos e primas e madrinhas e padrinhos? Não é muito melhor tomar cerveja, ir a churrascos, jogos de futebol, shoppings, academias, esfregar-se em bancos de igreja -- não é preferível isso tudo a visitar seu primo / sobrinho / afilhado retardado?

E assim a criança que mais precisa de estimulação, de experimentar situações diferentes, é a que menos tem. Fosse ele normal, sim, vinham, tiravam fotos e postavam no Face.

O Ministério da Saúde Adverte - 6a de Prokofiev





Em almoço dia desses com amiga, ela me falou que não não tem coragem de rever o filme Fim de Caso, para ela da série "O Ministério da Saúde Adverte". A música, como o sabemos, é do Michael Nyman. Engraçado que estava ela outro dia ouvindo a trilha de Carrington quando sua filha pequenina, Bioca, lhe pediu que tirasse... porque... aquela música 'dava paixão'. Carrington, filme e música, também estão, para ela, no Índex do Ministério da Saúde. Não posso dizer o mesmo: é pegar meu iPod e constatar o absurdo de vezes que já ouvi a trilha, sempre, claro, a partir de "Floating the Honeymoon" (by the way, a música que deu paixão na Bioca).

Também eu tenho minhas perigosas, evitadas, Ministério da Saúde Adverte. Isso varia, claro, e pode ir desde os grandiosos, como Mahler (desde sempre) a coisas mais triviais como "I've Seen All Good People" (Yes), "Where's my Love?" (Blackfield) e "Sonno" (Il Volo).

E hoje peguei pelos chifres uma dessas: o segundo movimento (Largo) da Sexta Sinfonia do Prokofiev. Daquelas que amo tanto que não ouso ouvir. Mas Dante madrugara, estava inquieto, eu só e aí quer saber? molhado, molhado e meio. Peguei a caixinha com a integral pelo Seiji Ozawa, primeiro CD, faixa 6. Se ora escrevo (e ouvindo-a novamente), será para provar que sobrevivi. Música grandiosa, das esferas. Não é tão extática como um adágio de Mahler, tem lá sua inevitáveis e maravilháveis dissonâncias, mas triste, mas triste de não ter jeito.

Engraçado que das sinfonias de Prokofiev lembram da primeira (porque é clássica e "simples"), da terceira (porque tem material de O Pássaro de Fogo) e da quinta (porque é o que é). Minha preferida é esta, a Sexta, mas também só até o segundo movimento. O terceiro, circense, ultrafestivo (música para o proletariado, Sergei?), dispenso. Ficasse ela aqui, Unvollendete, já estaria perfeita.

Recomendo. Mas tarja negra.

Sonnet for Tipsy ou Da Arte de se Adoçar o Chá # 2



SONNET FOR TIPSY OU DA ARTE DE SE ADOÇAR O CHÁ # 2

Tua presença nas fotos faz eclipse
aos pobres outros que por lá estão
mas pedes clareza, menos elipses
responde-te apenas, amor, que em ti
pensei uns bons pedaços: rés-do-chão
ao telhado do dia. E tu, tipsy,
me escala e cala-me a boca com a tua
lábia tão fermentada de poesia
que, lá sei, já nem lembro o que queria
te dizer: sei que ladram nesta rua
os meus desejos que te sonham nua
quase uma gueixa a oferecer-me chá
de amora, de mirtilo, um maná
se apenas por teus lábios adoçado.

Tuesday, October 16, 2012

Volle Molle - Grobschnitt



Obviamente que um dos aspectos irremediavelmente perdidos para quem faz downloads aleatórios de músicas é o da coerência e coesão de um álbum (epa, olha o tom professoral). Se nos ativermos mais estritamente à coesão, esta será construída pela passagem de uma música para outra e claro que este aspecto não será negligenciado pelo produtor do disco. Principalmente se em álbum conceitual.

A isto sempre dediquei atenção e, dentre as milhares, tenho as preferidas.

Uma das passagens mais espetaculares (repito: por passagem não se entenda aqui "trecho", mas a passagem mesmo de uma canção a outra) encontro-a em um álbum normalmente desprezado pelos fãs do progressivo: o Volle Molle, do Grobschnitt.

Da brincadeira teatral debochada escrachada anti-imperialista de "Coke-Train Show" (impagável, mesmo para quem não entende alemão) aos primeiros acordes da épica "Rockpommel's land". É como se estivessem dizendo: Veem? Somos conhecidos pela teatralidade, pelo deboche, mas somos capazes também de um grande lirismo.

Um lirismo absurdo. A voz morna do Stefan, o baixo que preenche silêncios de Popo, as baquetas extraordinárias do Eroc, a guitarra chorada de Lupo e, não bastasse, o mellotron do Voler. Covardia.

Mas claro que aqui trato apenas dos 10 minutos inciais da canção.

Porque os seis minutos finais não hão-de ser música. Pertencem a uma outra categoria de coisas, a um mundo faminto de seres e situações patéticas, de encontros ao luar  no mais profundo oceano, sob a raiz das árvores ou no seio das conchas.
 
Um mundo mais poético, de nuvens, alusões, onde o amor reagrupa as formas naturais.  

Saturday, October 13, 2012

Nos meus sonhos escondem-se meus sustos




Nos meus sonhos escondem-se meus sustos
e tudo que julguei assassinado
escadarias corredores lustres
alguém que busco no lugar errado

O que há, pois, de 'sonho' nisto? uma angústia
fria e esponjosa escalavra-me o peito
ah tivesse eu domínio dos roteiros...
Nos meus sonhos escondem-se meus sustos.

Pudesse controlar o que atordoa
sonharia com as notas de um alaúde
uma brisa leve a roçar-te o sexo

e teria meu boteco na Gamboa
vestido de azulejos bisotados
e em cada um teu rosto desenhado.

Thursday, October 11, 2012

O soneto virou música








Publiquei aqui meu Soneto Inglês 1, meio que pensando, claro, no Bandeira. Acabou que já cheguei ao terceiro, ultrapassando, em quantidades, claro, o Bardo.

E eis que.. musicaram o soneto, fizeram-no lied. A composição é do Rodrigo Russano, a voz é da Flora Mariah. Este foi o primeiro ensaio (em que os dois se conheceram, by the way).

Posso dizer que amei? Me emocionei?



(Droga, não consigo fazer o upload do vídeo aqui! Ele vai, então, pelo face....) =(

Tuesday, October 09, 2012

Wim Mertens - Struggle for Pleasure



Para isso, Wim.

Rerê, que tom messiânico tolo, além do trocadilho.

Mas ele pode ser tão abusrdo quanto Mike.

Esta é de A Barriga do Arquiteto, lindo filme que podia ser ruim por ter já a trilha que tem.

Quando achei que nunca mais fosse gostar de música,em 1990, foi ele a minha tábua.

Vaidades




Foi César Aira quem recém falou que a literatura é o espaço da não-vaidade, algo do tipo, guardei o jornal por umas semanas depois deitei fora.

Acho que ele errou feio. Escritores, os artistas em geral, podem ser de uma vaidade bem desagradável e talvez eu esteja mais inclinado a concordar com o perfil que deles tece Cristóvão Tezza no conto "Beatriz e o escritor", em Beatriz (Record, 2011).

Na qualidade de escrevinhador, poeta-pateta, tenho lá as minhas vaidades, Eclesiastes que me entenda. Gosto de postar algo no blog e, zás! 15' depois, ver que umas 10 pessoas leram. Leram, apenas isso, demoraram-se um pouco ali, se gostaram já é outra coisa. Vanitas, claro.

Mas este ano tem sido especialmente produtivo para a poesia :::: nunca escrevi tanto. E resolvo amelhar três reações colhidas recentemente.

A Giu publica um poema meu em seu perfil, justificando que.... eu escrevia exatamente o que ela pensava / sentia. Sinceramente? Não consigo imaginar elogio maior. Pois isso que sempre senti / sinto com meus mestres / modelos de quem sou, desabridamente, fã e macaco de auditório. O poema em questão era um amargo, o "Do Lado de Cá".

A Ariadne, tão logo recebe um poema por sms (ela é, pobrezinha!, uma das minhas cobaias), não apenas responde ter gostado, como diz que... deu a ela vontade de escrever. Sinceramente? Não consigo imaginar elogio maior. Porque é isso que me faz mais escrever: ler. O poema em questão era o " 84 Charing Cross Road 84 Remake de 2012".

O Pedro, após também publicar meu soneto "Sapatos Floridos" em seu perfil no face, me manda uma mensagem:

"acabei de pegar uma delicadeza muito forte no seu poema, queria sabe se foi proposital. No trecho
"é possível; na área de serviço", o fonema da rima (viço) é invertido no início da frase "é p(oçiv)el". ficou um efeito espelhado bem bonito e sonoro, parabéns."

Embora ele pergunte se foi proposital, sinceramente? Não consigo imaginar elogio maior.

Monday, October 08, 2012

Da Arte de se Adoçar o Chá




da próxima vez perguntares
açúcar ou adoçante
respondo           apenas pousa
teus lábios        por um instante

Saturday, October 06, 2012

Vandalismo > Bandalhismo





Este post é pro Rixa, amigo virtual que, enfim, se realizou. Ele não conhecia a ótima paródia que o João Bosco e o Aldir Blanc fizeram do maravilhoso soneto do Augusto dos Anjos (que, by the way, sei de cor, podem pedir).

Naturalmente que a paródia aqui só funcionaria se em decassilabos perfeitos, heroicos e sáficos, e exatamente isso os dois letristas / sambistas fizeram, mostrando belo domínio da métrica, que os poetas de botequim amiúde desconhecem e fingem desprezar.

Ao contrário do original, Aldir e João fogem à tirania da manutenção da rima dos quartetos, que o Augusto, sonetista longe de parnasiano, cumpre. Acho a chave-de ouro da paródia fraca, ao passo que a do Augusto é antológica. Mas versos como o primeiro e todo o primeiro terceto (falo da paródia) são geniais, daqueles de dar urras ao Vasco!

A foto é de um bar em Viçoso Jardim, com dúvidas o mais imundo que já fui.


VANDALISMO (Augusto dos Anjos)


Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.

Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.

Como os velhos Templários medievais
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos ...

E erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!



BANDALHISMO (João Bosco - Aldir Blanc)

Meu coração tem butiquins imundos,
antros de ronda, vinte-e-um, purrinha,
onde trêmulas mãos de vagabundos
batucam samba-enredo na caixinha.

Perdigoto, cascata, tosse, escarro,
um choro soluçante que não para,
piada suja, bofetão na cara
e essa vontade de soltar um barro....

Como os pobres otários da Central,
já vomitei sem lenço e sonrisal
o p. f. de rabada com agrião...

Mais amarelo que arroz de forno,
voltei pro lar, e em plena dor-de-corno
quebrei o vídeo da televisão.





PS: Pergunto-me o que o Alexei Bueno acha disso tudo aqui.





Nossos banhos no escuro



Nossos banhos no escuro

Como escrever o poema
se a poesia
já ficou no título?

Tentemos.

Nossos banhos no escuro
um só corpo
Shiva
dança no box.

Friday, October 05, 2012

Ouço os ossos


ouço os ossos
deste dia reumático
rangem e doem e roçam-se e doem
osso a osso os ouço

a cigarra que assassina o dia
é minha heroína

que à noite nada ouço

Ama-me, de Manuel Cintra




A melhor fase da poesia portuguesa é hoje. Fernando Pessoa, ok, é continente à parte e continentes, mesmo Gondwana, são atemporais.

Os melhores poetas portugueses estão vivos, pingam venenos e colírios pelo mundo. João Ricardo Lopes, Vasco Gato, Miguel-Manso, Manuel Cintra.

Este poema do Manuel lembra o esparsíssimo sueco que sei, Älska mej, nome de um filme do Festival de Chicago de 1986. Não é preciso pedir muito mais que isso para ser feliz. Mesmo que seja soco a soco, desastre a desastre, fatia a fatia. O problema é que este verbo acomoda-se muito mal ao modo imperativo, o que talvez explique desastres.




Ama-me onde a terra queimada for capaz de ser fértil outra vez.


Ama-me a uma esquina, onde nem tu nem eu sejamos capazes de reconhecer o tempo que alguém, em nome do amor, nos tentou tirar. Ama-me já, com a loucura da paz, e o correr do tempo, mas devagar.

Ama-me sobre as cortinas de todo o vento, toda a dor que te entreguei como um larápio, em surdina, sem tambor nem trompete. Ama-me como quem jura saber sempre que sabe o que não sabe e que nada sabe do que sabe. Ama-me como uma pergunta, uma dúvida e uma estúpida certeza afogada de antemão num jarro de sangria.

Ama-me soco a soco, beijo a beijo, desastre a desastre, fatia a fatia. Ama-me docemente, mas como quem desafia. Ama-me a tempo, mas nunca mais tenhas medo que o tempo te impeça de amar.

Pois não é de tempo que se trata, mulher. Trata-se tão só e suavemente do próprio mar.

Wednesday, October 03, 2012

Prefiro a morte a uma dieta de rabanetes





Ele bradava Prefiro a morte a uma dieta de rabanetes, a morte!

Tentou mesmo fazer uma divisa, em latim, mas seu avô morrera há muito.

Ela afeiçoara-se naturalmente a eles, antes de precisar.

Como durar união assim? Durou 35 anos. Até que ela morreu aos 40, engasagada.

Com uma folha de couve.

Tuesday, October 02, 2012

Cachorrinho cego



POEMA


Dante acorda
um cachorrinho cego
fareja o mundo

Poema



Ne te verrai-je plus que dans l'éternité?
Charles


fazer amor
de óculos
com nuvens
que passam

84 Charing Cross Road Remake de 2012



84 CHARING CROSS ROAD REMAKE DE 2012


enfim ouço-te a voz
substância de mel e aveia
e andorinhas
no céu
da boca







[ps: na foto as andorinhas voam no forro da nave da igrejinha da n.s. da saúde]

Monday, October 01, 2012

A Poesia está viva mas juro que não fui eu



A POESIA ESTÁ VIVA MAS JURO QUE NÃO FUI EU

Os espigões do Ingá são homens sérios
o dia passam em conversas sérios
Dante e eu passeamos às suas sombras
(Isto hoje, caros, é bairro de sombras
empalaram o sol os homens sérios)
pouco ou nada fazemos do que dizem.
Conversa de gente grande, tampouco
nos interessa o que J. Pinto
Fernandes diz ao 801
e este emenda ao 1203.
Mas eis que das mãos em concha do céu
escorrega por vezes um mocinho
e todo topete e peito amarelo
com seu canto faz caca no concreto.