Tuesday, May 29, 2012

Assim te levo comigo, tarde de maio



Ao que sei, Manuel Bandeira soía dizer que o verso mais bonito da língua portuguesa era: "Tu pisavas nos astros distraída", de "Chão de Estrelas", do Orestes Barbosa, compositor, poeta, jornalista que seguiu os passos de João do Rio.

Para mim os versos mais bonitos são (tenho que citar os dois):

"Como esses primitivos que carregam por toda parte o maxilar [inferior de seus mortos,
assim te levo comigo, tarde de maio"

do poema "Tarde de Maio", do Drummond, originalmente publicado em Claro Enigma, retrato do Carlos maduro.

Comparação insólita, absurdamente poética, só mesmo podia ser vazada em verso insólito por seu comprimento. Musicalidade de resto garantida pelos dois decassílabos heróicos (quase) perfeitos em que ele pode ser desmembrado:

Co/mo e/sses/ pri/mi/ti/vos/ que/ ca/rre/gam
por/ to/da/ par/te o/ ma/xi/lar/ in/fe/rior

Aqui a condição do poeta: leitor, curioso, sensível, a extrair poesia de asperezas onde o sensitivo ou sentimental não veria.

A foto, tirei-a em são Francisco. Apesar da fiarada feia, é uma tarde de maio. Que levo comigo.


Monday, May 28, 2012

Casa-Grande



Voltam as meninas da escola
entre famintas e cansadas.
Seu Tiaguinho, à janela,
a todas saúda cortês
A procissão das ninfas
dura meia-hora
vêm desgarradas
reses felizes
à saída da escola.

Seu Tiaguinho a todas saúda
As meninas respondem angelicais
dentes brancos de cristais
vozes pura de cristais.

Seu Tiaguinho, cidadão honorário,
tem as chaves da cidade.
Seu Tiaguinho, cidadão respeitável
a todas saúda sorrisos.

Terminado o desfile
Seu Tiaguinho corre ao banheiro
para as gostosas (re)flexões.
A demora é menos
pela idade provecta
que pelo vasto material
que tem em mãos:
os peitinhos de Patrícia
os lábios de Isabela
a brancura de Elisa
a saliva de Bela..

Ah, como Seu Tiaguinho trocara
as chaves da cidade
por peitinhos lábios
saliva e brancura
Nesta que é a gala
do dia de Seu Tiaguinho.

(Não saberá Seu Tiaguinho
que é crime aquilo que pensa?
Não o era em sua época
quando sua doce vovó
fritava para o menino linguiças
em fervente banha de porco.
Ela mesmo, lembrem-se,
estuprada ao onze
pelo querido vovô.)

Insônias



INSÔNIAS

O céu fecha o zíper:
noite.
Dante, eu, nossos abismos
talvez um dia tudo se acerte.

Os minutos escorrem tão lentos
e tenho apenas dois fósforos de esperança.
Acendê-los guardá-los é decisão
que não cabe em minhas pálpebras de chumbo.
Talvez um dia tudo se acerte.

Não há nada de heróico na vigília
talvez um dia tudo
a noite apunhala-me o nada


OBS: A ilustração é pintura de Strindberg.

Becco dos Barbeiros



Não será muito difícil imaginar por que este logradouro (palavra feia), que liga a Primeiro de Marçoa à Rua do Carmo, tem este nome. Difícil será imaginar como conseguiu conservá-lo e hoje não se chame Beco Ilustríssimo Deputado Sacanagildo das Couves.

Mas tentaram alterá-lo! Da noite pro dia, o beco passou a chamar-se Travessa Onze de Agosto. O porquê da data? Ora, foi neste dia magnânimo que foram criados os cursos jurídicos no Brasil. O país, pelo jeito, tomou o gostinho e não parou de criá-los com sofreguidão. Fodam-se, claro, a qualidade e ética, haja vista que um ex-ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, hoje defende o bandido Cachoeira. Bastou Cachoeira acenar um maço de verdinhas (fala-se em 15 milhões), que lá se foi nosso ex-ministro (era Lula!) abanando o rabinho para ganhar seu dindim sujo. E a consciência, meu querido, comeu com farinha?

Bem, voltando: a população não aceitou o ridículo Onze de Agosto e continuou a chamá-lo pelo antigo nome. E viva o Becco dos Barbeiros. Celebremos enquanto a Rua do Carmo não se chama Rua Excelentíssimo Senhor Thomaz Bastos.

Azulejaria de Botequim - Os Paineis

Porque há os botequins que têm não apenas azulejos, mas paineis deles. Orgasmos múltiplos. Seguem as fotos do que tenho encontrado por aí, em ordem mais ou menos crescente.

Comecemos por dois que não são botequins. O primeiro é de uma pequena mercearia na Tijuca, ao lado do Bar Tricolanches.


Segue o bonito painel da Churrascaria Majórica, no Flamengo, aquela que não se curva ao quilo ou ao rodízio:



Restaurante e Bar Príncipe do Catete - Glória

Café e Bar Usinalândia - Usina

Jocas Lanches - Centro

Lanchonete Jardim do Méier - Méier

Panificação Três Graças - Lapa / Fátima


Saturday, May 26, 2012

Ziggy Poeira das Estrelas Faz 40 Anos


"I never thought I'd need so many people"

Nos últimos anos diversas obras-primas do rock têm atingido aquela que é, ao menos na espécie humana, a idade do ápice do vigor físico, mental, espiritual e sexual: a quarentena.

Chegou a vez de The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars, título dos mais importantes não apenas da discografia de David Bowie mas também do roquenrol.

Meu irmão e eu compramos o disco (vinil, claro) na Nata Discos, mítico sebo existente numa galeria da Barão de Mesquita, em 1981. Até hoje creio que apenas nós dois e a mãe do dono sabíamos da existência dessa loja. O próprio dono, o Henrique, às vezes se esquecia e faltava.

Se foi na primeira metade do ano (o que acho), eu tinha doze anos. Se na segunda, treze. Lembro isso porque o disco se tornou um dos mais tocados lá de casa, o que hoje me causa certa surpresa, pois, isento de excessos, facilidades ou pauleira, mas repleto de melodias memoráveis, o disco não me parece muito provável de agradar a molecotes ainda cheirando a cueiro.

Mas é que eu já bebera, e bebia, desde 1976,  nos Beatles.

Gosto de todas as músicas, mas o lado A, ontem como hoje, sempre me pareceu bastante superior, apesar mesmo de uma das melhores canções ser "Lady Stardust", a abrir o lado B da bolacha. A sequência "Five Years", "Soul Love", "Moonage Daydream" e "Starman" é divina.

TRIVIA: Seu Jorge fez covers muy sui generis de algumas das músicas. Em português, para imensa satisfação de David. Tem um aqui.

E quem quiser ver outras fotos da sessão da capa, clique aqui.

Tuesday, May 22, 2012

Porrada e Pólvora

Descubro na sacristia da velhíssima Igreja de São Francisco Xavier de São Francisco interessante pintura de 1945 que retrata um clérigo (Anchieta?) em prédica a um índio. Embora ambos estejam quase no mesmo nível, o padre senta-se sobre uma pedra, ao passo que o íncola ajoelha-se (ajoelha-se!) no chão. A posição deste é de humilde subserviência, de total atenção às palavras divinas. O fato de a cena se passar não em uma igreja, mas numa praia, ou seja, no território do índio, demonstra a conquista dos territórios selvagens pela Santa Madre. A domesticação da natureza é de resto reforçada pelos animais que o clérigo acaricia e pela cobra, naja erguida não para o ataque mas para melhor sorver a palavra do Senhor. A índia trepada na árvore é como a naja. Os índios, aliás, são também animais que a Igreja acaricia, conquista, não por meios da porrada e da pólvora, mas pela catequese.

Não será exagero enxergar porrada e pólvora nessa ação evangelizadora, por tantos anos levada a cabo pelo catolicismo e hoje pelas igrejas crentes, que não se eximem de cobrar pesado dízimo de índios já miseráveis, pois pastor também precisa comer, vestir-se, comer crianças e mandar dinheiro para as Ilhas Cayman.

O estupendo vitral no que é hoje o quase centenário prédio da Secretaria da Educação, no passado nada mais nada menos que o Paço Municipal, permite leituras semelhantes. Embora tenhamos aqui o índio em primeiro plano, os padres, a enorme cruz e o livro (tambén no quadro há livro) trazem reverência e sujeição. Não há como não se lembrar de José Horta Nunes, em Formação do Leitor Brasileiro: "A falta de uma tradição escrita nos moldes europeus é argumento, inicialmente, para a negação aos índios da possibilidade interpretativa. (...) Atribuindo aos índios a 'ignorância' da escrita, os colonizadores dão um estatuto ao conhecimento deles, classificando-os como 'superstições', 'falsidades'."






Ouro do Reno



Faço analogias estapafúrdias que pouco têm de sofisticadas. Au contraire, amiúde sou enlaçado pela superfície dos nomes. Que posso fazer? Tudo que tem nome me atrai.

Tendo descoberta dia desses com meu irmão um botequim minúsculo chamado Reno (com cobogós), em galeria no Flamengo que liga a Tamandaré à Machado de Assis e estando nós em maio, não pude senão lembrar-me dos poemas de Apollinaire "Noite renana" e "Maio", os dois primeiros da seção "Reno" de seu célebre Álcoois.

Guillaume Apollinaire (1880-1918), aquele que ao ouvir "Morte a Guilherme!" contra ao imperados da Alemanha em 1918, julgou, em seus delíriuos, que era a ele que queriam! Apollinaire, que tão bem demarcou sua época com: "Homens do futuro não me esqueceis / Eu vivi no fim do tempo dos reis."

MAIO

Maio o belo maio de barco sobre o Reno
Damas olhavam do alto da montanha
Vocês são tão lindas mas o barco se afasta sereno

NOITE RENANA

Meu copo é cheio de um vinho que treme como chama
Escutem a canção lenta do bateleiro que chama
E conta ter visto sob a lua sete mulheres até
Torcendo os cabelos verdes e longos até o pé

(...)

O Reno o Reno é bêbado onde a vinha se mira
Todo o ouro das noites tremendo lá se admira
A voz canta sempre até que morrerão
Estas fadas de cabelo verde que encantam o verão

Sunday, May 20, 2012

Desguarda


DESGUARDA


Meu anjo da desguarda me oferece
turfa e fumaça em sua mão esquerda.
Os olhos muito antigos em mim postos.

Não posso, velho, hoje não, que a noite
promete ser de insônias do pequeno.

O serafim pisca o olho
guarda a garrafa sob
os panos de pedra de sua túnica
de onde retira
outra oferta:
um amor, um amor tarja preta
receita controlada
pelos anjos da desguarda.

A que nada respondo.

Colmeia


COLMEIA

A casa era uma colmeia
máquina de precisão
labirinto que Escher
não ousara conceber.
A exatidão dos gestos
engessados, engessados.
O imprevisto, a poesia
banidos.

A casa era uma colmeia
Cujo fabrico de mel
há muito se extinguira
Em si mesmo encapsulada,
Ritos rictus rigor mortis
A casa, colmeia
o acaso repudiava.

A casa col
meia
albânia
nem em mapas figurava
mas asséptica altiva
bane a morte rubra
de seus domínios.

A ca
sa col
meia vedava
janelas pregava
portas cortava
o sinal do telefone.


A c
as
a co
lme
ia
exsudava e,
casa de Usher,
às enormes rachaduras
que tentara ocultar,
sucumbe.

Saturday, May 19, 2012

Gato de Mercearia


GATO DE MERCEARIA

Paizinho, por favor, compra
o gato que ali me espia?
Que isso, filho, o gatinho
é aqui da mercearia.
Tá na lista da mamãe
laranja, alho, tangerina,
café, gato e melancia.
Menino, deixa de onda
Deixa eu ver a bizarria
Mas perdi a lista, pai,
perdi enquanto subia
a ladeira que nos trouxe
a esta mercearia.
Ah, paizinho, vai, me compra,
Por favor, só por um dia.
Mira e veja, filho, o gato
tem muita da serventia.
Parece pica de velho
que o tempo cruel esfria
só vive em cima do saco
dormindo as horas do dia
vendo assim até parece
que a ninguém ameaçaria
mas tão logo chega a noite
faz as vezes de vigia
manda-chuva do pedaço
o terror da rataria.
Ah, paizinho, vai, me leva
Por favor, só por um dia!
Ora veja que ironia
estávamos nós à busca
de erva de santa-maria!
E queres levar pra casa
gato de mercearia?
Presente não é apenas
pra quem aniversaria
me compra o gato, paizinho,
Faz radiante o meu dia.
Não tenho dinheiro, filho,
Vê lá se Seu Manel fia
a laranja, a tangerina
e o gato de mercearia.
Será nosso toda a vida
Toda a vida e mais um dia.

Thursday, May 17, 2012

Mais Bravos

Já escrevi sobre Nilton Bravo, Pai e Filho, aqui e aqui.

Cada vez mais fica claro que a lista de Jaguar em Confesso que Bebi é incompleta, pois vira e mexe esbarro com trabalhos dos mestres por aí.

Em texto sobre minhas pesquisas botequeiras, combinação bicrômica de azulejos e pinturas encimavam minha lista de interesses.

Não é pequena, portanto, a alegria de encontrar um botequim com um autêntico Bravo.

Sou pesquisador intervencionista, inda mais depois de uns copos, para o inferno com a isenção científica: sempre rogo ao dono do botequim que zele pela pintura e mantenha-a onde está.

As duas primeiras fotos são do Café e Bar Eden, na Cinelândia. São dois quadros, assinados, infelizmente quase desfigurados tamanha a quantidade de gordura acumulada. As duas fotos seguintes são do Bar Ponto da Galera, em Fátima. Não encontrei assinatura, mas o indefectível flamboyant (ou será ipê) mais que basta como certificado de autenticidade.





Tuesday, May 15, 2012

Vito Pentagna


Após fracassar nas prateleiras de baixo, pego a escada em busca de Vito Pentagna. Encontro, livro comprado em agosto de 1993. Cheguei a Vito pela dedicatória de Lúcio Cardoso em Crônica da Casa Assassinada. Abro, miraculosamente, existissem milagres, na página que buscava, na página que me fez encetar tal busca.

A página é a 87, o poema se chama "Esquema para um noturno dos portões" e, após epígafe de Rilke (Segunda Elegia), assim começa:

"Eu, que jamais fiz o itinerário dos portões,
compreendo agora o extensão da minha renúncia."

E lá fora começa a chover mais forte.

Azul-Verde Piscina

De poucas ocorrências, apenas três registros até agora, a combinação de azulejos azul-verde piscina é das mais interessantes que há, pelo insólito, pelo inesperado, pela alegria naïve desavergonhada, domingueira, qual fachada do Sertão do Pajeú.

Os registros foram no Caju (Café e Bar Balcão Tombado, todo ele maravilhoso, como que em formol, com pintura e letreiros da época), em Vicente de Carvalho (Café e Bar Garáuna) e naquela região ali do Rio que ninguém sabe se é Centro, Lapa ou Fátima (fico com a Fátima, Boteco do Ziza).


A primeira foto é do Caju; a 2 e 3 do Vicente, a 4 e 5 da Fátima.






Sunday, May 13, 2012

Sapos



Se algum dia eu escrever algo como
às vezes distrai-me a asa de um queixume
acabo com o blog vendo os livros penduro as chuteiras e,
Marianne,
sento-me à cadeira para acariciar os sapos
os sapos reais dos jardins imaginários.


PS: O verso invejado é do João Ricardo Lopes.


Infância



Em teu hálito sorvo a infãncia,
desgovernada e febril,
sempre infância.
Quando me dás a mão,
amparas o menino que fui e sou,
retraído
nestes olhos já sem brilho.
Quando me dás a mão,
reingresso
nesta pátria de mil portas
em que me reinvento.

Wednesday, May 09, 2012

Poética


POÉTICA

Tentei te impressionar com palavras difíceis
exsudavas lindes fauces
e tu
com manhãs rosto mel
me derrubavas.

Quintana meets Pound at the ring
e o derruba com golpe de judô.

Sunday, May 06, 2012

Urtigário






URTIGÁRIO


Mal abertos olhos
qual juncos cingidos
pela claridade.

O vidro moído
dos nervos expostos.

Pele outrora fresca
Estepe de urtigas.

Sexo abandonado
à cárie e ao tártaro.

Músculos hirsutos
em vã rendição.

A isso chamaremos
exaustão.


PS: A ilustração é de Marcio Zamboni, aka Peçanha Leitão.

Salvemos o Mosteiro de Fráguas

Não é o Humaitá paraíso para amantes de botequins. Tem a Cobal, eu sei, mas por isso mesmo. Entanto, no começo de ruazinha tranquila tem o Vimiozense e em sua artéria principal, que nos leva de Botafogo ao Jardim Botânico, tem o Aguedense. Dois gentílicos: o da ruazinha denomina os nascidos em Vimioso, no Alto Trás-os-Montes, onde ainda se fala o mirandês, e o da rua agitada nomeia os nascidos em Águeda, distrito de Aveiro.

Antigamente era assim: vinham os patrícios para cá e, de modo a revelar o orgulho pela terra deixada para trás ou, talvez, de modo a mostrar que não a deixaram de todo, nomeavam os seus botequins com os nomes de suas terras.

Exemplos (r)existem em profusão. Muitas vezes são os rios lembrados, assim o Rio Barcia no Centro / Lapa, o Foz do Rio Vouga, nas Laranjeiras, o Flor do Tâmega (e também aqui), no Santo Cristo, o Rio Minho, na Penha. 

Falando em Minho, como muitos portugas eram minhotos (como o sogro que não conheci), a região é muito lembrada: o Rio Minho é o mais antigo do Rio, ali no Centro, no Grajaú há a Padaria Capricho do Minho e os botecos Roças do Minho (com pintura antiga) e Costa do Minho (com azulejos amarelos e azuis).

E ainda tem o Mouraria (que maravilha) no Estácio, o São José Trás-os-Montes na Praça da Bandeira, o Alafarela no Rio Comprido e, primus inter pares, o Mosteiro de Fráguas, no Largo da Segunda-Feira, no Engenho Velho.

Mas, passados tantos anos de pé atrás do balcão, os meninos se cansam e morrem, os bares são vendidos e aqueles nomes amiúde já não fazem nenhum sentido para os novos donos. Se estes os mantém, será por comodidade, que será custoso alterar a razão social do estabelecimento, mas os bares passam a ser conhecidos simplesmente por "Bar do Valdir", "Bar do Carlinhos", "Bar do Toninho". E milhares de "Bar do Zé" e "Bar do Chico".

Na Tijuca encontri um velhusco do Zé cujo dono atual esforçou-se para lembrar-se do nome antigo. Em vão. O já citado Mouraria mesmo é conhecido por outro nome (que eu, vingança, fiz questão de não aprender). Ainda no Estácio, na subida do São Carlos, exemplo emblemático disso no Bar Flor da Condeixa / Bar Chico. Aqui, ao menos, o atual dono manteve o nome primeiro. Nada tenho contra o Chico, muito menos contra o Zé, mas é uma pena que os nomes antigos sejam empurrados para a vala do olvido.


Piso do Mouraria

Roças do Minho

Canto do Minho

Friday, May 04, 2012

Uma fase muito chão (em Botafogo)

O adro da São João Batista da Lagoa é coalhado de belísimos azulejos hidráulicos. Milhares passamos diuturnamente pela Voluntários, basta vingar os degrauzinhos para apreciá-los.

Nava cria ser o Rio sem rival quando o papo eram serralherias. Já ando achando que isso vale também para os azulejos hidráulicos.

Mas, ai, quem os aprecia? Em Templos Católicos do Rio de Janeiro, Orlindo José de Carvalho descreve a igreja com pormenores. Mas parece que ele não teve olhos para o chão...






Dilacerar esta manhã

Acordar com a certeza
em minha boca em minha
pele
não envelheceremos juntos

Planos são planos
Sonhos são sonhos
Canções, canções.
A realidade é esta serra
estridente
inusportável
a dilacerar esta manhã
agonizante em carne viva.

Esa serra
que contorce dedos
em ânsias assassinas

Mas esta serra
-- justiça seja --
sinaliza:
não envelhecermos juntos.

O branco frio do dentrifício
alimenta minha certeza.

Tuesday, May 01, 2012

Música Degenerada


Enquanto Manuel lê, sossegado e só, as cartas que seu avô escrevia à sua avó, aproveito esta manhã muito molhada e fria para voltar a Erwin Schulhoff.

Schulhoff, creio, é nome essencial para os interessados em música de câmara tcheca degenerada.

Pobre Schul, homem todo errado: artista, de vanguarda, e comunista na Europa Central nos anos 1940. E judeu. Não será difícil imaginar suas privações e seu fim.

Foi dos primeiros compositores eruditos a flertar com o jazz. Depois, quis fazer música de fato comunista. Em ambos os casos, impossível fazer escolhas mais odiosas aos olhos dos nazistas. Sua música, pois, é entartete até a medula.

Aficcionado por quartetos de corda, ganho em seu Sextet uma viola e um violoncelo de bônus. É minha peça preferida do disco. O terceiro movimeto, Burlesca, de um frescor inigualável, antecipa magistralmente o soturno Adagio final, reflexo, porventura, de uma Praga arrasada.


PSs: Por que, em toda o repertório de música de câmara, existem tantas quartetos, para meu deleite, mas tão poucos sextetos? Brahms tem dois, Bridge e Martinu, um cada. E...?

Genial, Schulhoff escreveu uma peça silenciosa que precede o 4'33'' do queridinho John Cage em trinta anos.