Quem resume muito bem o que é uma saída com filho autista é Luiz Fernando Vianna, quando constata ser "desgastante sair com seu filho para um passeio e se sentir alvo de olhares, nem todos generosos". Se num passeio, digamos, pelo calçadão, pode-se cruzar com um desses olhares pouco generosos e seguir adiante, sentar-se num restaurante pode ser bem mais difícil.
Embora Dante e eu já tenhamos o hábito de entrar em lanchonetes para um sorvete ou mate, as experiências em restaurantes, quando tentei uma refeição juntos, foram poucas e todas péssimas: ele numa de suas crises clássicas que não tem santo que dê jeito.
Restaurantes normalmente são tidos como espaços sacralizados, onde uma refeição ganha contornos de missa ou de concerto de cravo. Se o celular da mesa vizinha pode deixar clientes mal-humorados, ruídos de crianças nem se fala. Seriam muitos olhares pouco generosos. Ainda mais porque o primeiro movimento é sempre o de considerar a criança mal educada, sem modos, o que divide esses olhares mortais como pistolas entre as crianças e seus pais, que não sabem controlar a prole.
A semana nas Alagoas trazia esse desafio: não seriam duas ou três, mas pelo menos oito idas a restaurantes, mesmo porque Camila e eu consideramos as refeições um dos pontos altos da viagem e não queríamos fosse diferente. Queríamos provar a melhor casquinha de siri do Brasil, o autêntico chiclete de camarão, ir a um Boa Lembrança, eu precisava voltar a tomar caldinhos de sururu, passados trinta anos. E Dante incluso.
Bem.
Os caldinhos de sururu estavam divinos (como pude esperar trinta anos?), a casquinha de siri do Massagueirinha é para comer rezando, o chiclete de camarão logo grudou-se à nossa memória e a experiência no Akuaba, restaurante afro-baiano aonde fomos para nosso pratinho da Boa Lembrança, já mora em nossos corações e não apenas pela moqueca deliciosa.
Dante sempre tem que conhecer o banheiro dos lugares. No Akuaba, no caminho deste estava a cozinha aberta, onde o chef Jonatas pilotava as panelas e finalizava a montagem de um prato. Dante gostou daquilo, sentou-se para ver, ainda mais porque tinha frigideira na jogada. Percebendo o interesse do pequeno, Jonatas perguntou-lhe o que ele gostava de comer. Dante respondeu-lhe em dantês: a mão esquerda batendo sobre a direita fechada. Traduzi: ovo. O chef então carinhosamente preparou-lhe dois. Para dois meninos fascinados. Não sei se foram os melhores ovos da vida para o Dante, foram os melhores ovos da vida do Dante para mim. Jonatas fez com que os ovos fossem acompanhados de purê, fez também com que tudo fosse cortesia. Voltamos para mesa e Dante devorou a refeição em um minuto.
Pode parecer exagero, deslumbre talvez. Trata-se de um pequeno ato enormemente significativo cuja mensagem é 'Venham, tragam seus filhos autistas, estamos abertos'. Para os autistas isso diz muito, para cuidadores que já decidiram não esconder esses pequenos no porão, também. Aliás, não por acaso 'akuaba' significa 'bem-vindo' em iorubá.