Thursday, January 15, 2015

Azulejos do Edifício Alaska, em Salvador



Quando trato da arte azulejar popular, falo muito em escapismo, como por exemplo nestes paineis encontrados na Tijuca (aqui e aqui), e nas delícias da terra sem males onde camponeses de faces rosadas colhem laranjas sem se preocupar com mosquitos ou com o salário de fome (ver estes aqui em São Paulo). Mas absolutamente nada até agora chega aos pés deste maravilhoso painel, em excepcional estado de conservação, localizado no centro de Salvador, mais precisamente na Dois de Julho. O Edifício se chama Alaska e o artista, arquifiel à encomenda, retrata pinguins, morsa (John ou Paul?), urso polar, um caçador inuit. Reparem que o artista congelou (plé) a ação do inuit antes do golpe mortal, de modo a evitar sangue. E reparem também que neste tempo as focas ainda não estupravam pinguins. Em tempos atuais de desgraçada canícula, até quem não dá a mínima para azulejos suspira pelo geladinho...

PS : Os frisos da moldura lembram os do Atelier Moral, do já citado restaurante paulistano. Será?

Este post só foi possível graças à nossa correspondente Camila, da sucursal SSA.



Wednesday, January 14, 2015

Painel Azulejar da Escola Ferreira Viana



Há um belo painel de grandes proporções (1400 peças?) no que parece ser um auditório na Escola Técnica Estadual Ferreira Viana, na Tijuca (ou Maracanã, como queiram). Só pude ver do lado de fora e não enxerguei assinatura. Aliás tampouco informações na internet. Ao contumaz azul e branco dos paineis azulejares, este adiciona diversos tons de ocre, numa casamento vistoso e feliz. As figuras, humanas ou não, têm acentuado sabor cubista, com seus muitos triângulos e círculos e semi-círculos. Trata-se de uma escola técnica e o artista foi fiel à encomenda. Se isso distancia a obra dos Jogos Infantis de Portinari, no Pedregulho, as cobrinhas em S absurdamente lembram o mestre de Brodowski do Palácio Capanema ou mesmo Burle Marx da Sede Náutica do Vasco (falei aqui).

Boa parte da obra foi irremediavelmente perdida, coberta grosseiramente com cimento.




Tuesday, January 13, 2015

Para Resolver a Questão do Fundamentalismo Islâmico :: A Modest Proposal



Em seu blog, o poeta e filósofo Antonio Cícero escreve ::

Ontem, na Alemanha, terroristas atearam fogo a um jornal que havia republicado as charges que os assassinos da equipe do Charlie Hebdo haviam considerado ofensivas.


Proponho que toda imprensa de todo país democrático adote, de maneira geral, a seguinte atitude: cada vez que uma matéria publicada por um periódico seja usada como pretexto para um ataque terrorista, todos os veículos da imprensa republiquem-na com destaque.


Com isso, os ataques terroristas à imprensa serão equivalentes a tiros pela culatra.


Acho a ideia muito boa, a ponto de me causar uma também, inspirada pelo Cícero e pelo filme Fahrenheit 451 (já aqui).


Lá para o final do filme, Montag, que então recém abandonara seu posto como bombeiro queimador de livros, assassinando seu odioso chefe, propõe em conversa com Clarisse que escondessem livros nas casas dos bombeiros, de modo a causar perseguição entre eles. "The system will eat itself", conclui.


A ideia, que não foi levada a cabo, parece-me ótima e proponho que hackers do bem invadam sites fundamentalistas islâmicos (existem, não?) e neles publiquem as tão "ofensivas" charges do profeta.


Aí eles, que são puros, que se entendam.

Monday, January 12, 2015

Marcelão ou O Sexto Sentido do Dante


Foi num domingo de manhã do ano passado, Dante e eu acampados na casa da minha mãe. Saímos para o passeio no triciclo e então me aventurei a subir até o alto da Visconde de Santa Isabel para mostrar-lhe onde morei de 74 a 80 e, voltando de um exílio no Andaraí, de 85 a 95.

A Visconde de Santa Isabel nasce em Vila Isabel, ladeia o Antigo Zoológico, assiste ao início da Grajaú-Jacarepaguá para tornar-se, irreconhecível do que fora, Grajaú. Com efeito, o trecho iniciado logo após a estrada, uma colina em cujo cimo situa-se exatamente o 486 onde morei e que depois aplaina-se para enfim terminar depois da Canavieiras (em área que já foi tão bucólica que o time do Fluminense concentrava-se ali), em nada é semelhante ao seu troço inicial, no bairro de Noel. Dir-se-iam duas ruas diferentes.

Como disse, morei no pequeno prédio de três andares e seis apartamentos e muitos escadas bem no alto da colina e bem no centro da curva. Ali, com colina e curva, fazia o que mais amava na vida: jogar bola na rua. Os companheiros eram Cláudio, Caco, Branquinho, Branco, às vezes Dentinho e Mamão. Não adianta procurar no facebook, de nenhum sei sobrenome; na verdade sequer o nome dos quatro últimos. Havia ainda os odiosos irmãos César, Marco Antônio e André. E havia o Marcelão. Amigos de verdade eram Cláudio e Caco. Branquinho era solerte e Branco a vítima inclemente do bullying. Dentinho e Mamão não fediam nem cheiravam e com os irmãos o tempo quase sempre fechava. O Marcelão era Marcelão, grande, gordo, afável, vascaíno, a barriga escapando da camisa. Creio que circulava bem tanto entre nós quanto entre César e Marco. Não brigava, não xingava, sempre amável que era. E pelo físico, sempre goleiro também.

Eu lembrei disso tudo enquanto empurrava o triciclo que rangia já fraquinho sob o peso do Dantinho. Descemos pela Mearim puxando o freio de mão e então pegamos a Marechal Jofre (e assim o Grajaú homenageia a França na Grande Guerra: Jofre e Verdun) para voltar à Júlio Furtado. Na esquina da Professor Valadares, paro de empurrar e abaixo para conversar de perto e trocar afagos. Seguimos. Na esquina da Itabaiana quem encontramos? Claro, o Marcelão. 

Não nos víamos há mais de trinta anos. O reconhecimento foi imediato. Ele é o mesmo.

Quando conto a história à minha mãe, que então esquentava o feijão do pequeno, ela diz:

-- Olha, meu filho, eu sei que você não acredita nessas coisas, mas isso tem um nome.
-- O quê, mãe?
-- Espiritismo -- ela responde em tom sério, quase soturno, como que se a revelar segredo.

Sempre que rolam diálogos assim entre mim e minha mãe, tenho que segurar o riso, o que faço de má vontade, pois gosto de rir. Ela reclama, não sem alguma razão, que debocho.

Mas, tá, e o porquê disso tudo? Porque eu realmente não acredito em nada disso, essas coisas me fazem rir a bandeiras despregadas.

Mas que o Dante, com sua West, com seu autismo, tem um sexto sentido, isso tem.

E assim termina a crônica memorialística, cheia de lacunas. Espiritismo.

PS: Será que o Marcelão ainda joga no gol?

Sunday, January 11, 2015

Meu Autógrafo de Lima Barreto



Compro João Ternura no sebo Lima Barreto e à contumaz alegria de chegar em casa e topar com o pacote fechado some-se a de o dito pacote portar carimbo muy especial, com a cara do atormentado (menos na obra que na vida) escritor carioca. Gostei.

Do Lima tenho o que talvez seja o exemplar mais valioso da minha humilde coleção de primeiras edições e edições autógrafas :: a segunda de Recodações do Escrivão Isaías Caminha, primeiro romance seu. A encadernação em couro, que se desfaz ao toque, peca por não ter a capa original. Em compensação, temos o autógrafo do romancista, ao grande cartunista Vasco Lima. A primeira edição é de 1917. Esta é de três anos depois. Quem já leu diários do Lima sabe quanta fé ele não punha nesses livros oferecidos...




Tuesday, January 06, 2015

O Cavalo de Turim, Pequena Resenha


Mutter, ich bin dumm
Nietzsche


A moça reclama que a primeira palavra só foi pronunciada decorridos mais de vinte minutos de filme. Um monossílabo. No modo imperativo.

Mas O Cavalo de Turim (Béla Tarr, 2011) não era sobre Nietzsche ou sobre pessoas ou sobre Turim ou sobre cidades, era sobre um cavalo. O cavalo. O título já deixa isso claro. E cavalos não falam, mesmo que se dê bom-dia a eles.

Ou falam, a seu modo. Guimarães Rosa dizia que os homens vivem reclamando disso e daquilo, mas se alguém quer saber o que é tristeza de verdade deve olhar fundo nos olhos de um cavalo. É o que este filme faz.

Se o filme é já um registro poderoso da rudeza da vida de camponeses de países frios, ele se alarga se visto como metáfora. Com efeito, a ventania incessante, a dicotomia exterior / interior, permitem a leitura da luta homem X natureza ou homem X sociedade, de uma maneira que não se restringe ao meio rural, de vez que incomunicabilidade e fossilização do cotidiano, as temos tanto na Hungria rural quanto na grande São Paulo.

A fotografia é de beleza meticulosa. Cada still renderia um quadro que eu gostava de ter na parede. A poderosa música, de Mihâly Vig, me lembra "Collected Songs where every verse is filled with grief", do russo Schnittke, sobre a qual escrevi aqui.



Música para acompanhar :: a já citade de Schnittke
Pintura :: "Os Comedores de Batata", de Van Gogh
Romance :: De Verdade, de Sándor Márai

Monday, January 05, 2015

Mark Strand ::: Poesia Tenuamente Iluminada

Só agora fico sabendo que Mark Strand morreu. Pouco mais de um mês de atraso. Aos 70. Talvez não seja a melhor maneira de abrir os trabalhos no blog neste 2015? Bobagem. Aqui fica minha pequena homenagem a ele.

Mark Strand foi 'lembrado' neste blog aqui e aqui. E principalmente aqui, poema todo ele em sua clave, me perdoem a presunção.

E aos críticos que reclamavam da ênfase da morte e desepero em seus poemas, Strand replicou :: "I find them evenly lit".