Num sábado em que minha mãe estava aqui para ajudar com o Dante, esqueci sobre a mesa da sala o Pegadas Noturnas (Dissonetos Barrockistas), do Glauco Mattoso.
A mãe, uma conservadora que gosta de passar por liberal, chegou-se a mim e disse: "Aqueles poemas ali, hein, Evandro?!?""
Glauco Mattoso nasceu Pedro José Ferreira da Silva no dia de São Pedro (arrá!) em 1951. Em decorrência do glaucoma, acaba por perder completamente a visão e daí adota o pseudônimo. Ou seja, Pedro era glaucomatoso, e do nome trivial (Pedro, José, Ferreira e, last but not least, Silva!) nasce o poeta absolutamente sui generis, primus inter pares, maldito, daqueles cujos livros não devem ser esquecidos sobre a mesa da sala.
Porque o Glauco pega pesado. Homossexual, podólatra e masoquista assumido, o poeta é o primeiro a rir de si mesmo e assim, um pouco à la Madame Satã, instaurar o seu lugar de respeito.
Glauco Mattoso é, antes de mais nada, poeta satírico, da família de Emílio de Menezes, Gregório de Matos e, por que não?, Augusto dos Anjos. Isso não o impede, como não impediu os poetas citados, de ser poeta profundamente rigoroso, profundamente conhecedor da métrica da língua portuguesa, coisa arquirrara por aqui.
Glauco Mattoso gosta de sonetos. Gosta, digamos. Ele é, simplesmente, o maior sonetista de todos os tempos da história da humanidade. O recordista, o italiano Giuseppe Belli, ex-recordista, escreveu apenas 2279, ao passo que o cego já chegou a.... bem., leia abaixo o soneto que eu fiz pra ele.
GLAUCO SONETO
Rua Morgado
de Matheus :: o palco
do soneteiro
mais iconoclasta.
Um Zé perdido
numa Silva gasta
que encontrou-se
no mato como Glauco.
Nem chegues
perto se tens a alma casta
Aqui não
rola vaselina ou talco
expõe as
taras em alto catafalco
e a
hipocrisia o cego assim devasta.
São 5.550
e 5 sonetos,
quem é que tenta
sobrepujar-lhe
o récorde alcançado?
Neguinho aí
não chega nem aos pés.
E o
dissoluto doudo por chulés
fica puto quando
ouve um pé quebrado.