Não me ufano do meu país, nem de minha cidade, com quem já mantive relações de amor e ódio e hoje é muito mais amorosa que qualquer coisa. Por minha cidade refiro-me àquela em que nasci e não esta onde vivo, que adotei e me adotou.
Amo: no Rio um de seus principais itens gastronômicos não é folclorizado, não se encontra apenas nos restaurantes chiques para turistas, não é só capítulo de coleção da Abril de cozinha regional. Pelo contrário, é vivo, presente no cotidiano, amado pelos cariocas e com dia especial para sua celebração. Refiro-me, obviamente, à feijoada. De sábado. Restaurante que atende aos trabalhadores do Brasil costumam puxá-la para a sexta. Compreende-se. Feijoada não pode ser na segunda ou terça, nem no domingo. Tem que ser no fim da semana, porque ela pede descansos. Mais do que isso: a completa, como dizia Vinícius, tem que ter ambulância na porta.
Já escrevi por aqui sobre a feirinha dos sábados da Praça XV. Pois passeio completo (e que dispensa a ambulância) é depois da feirinha cruzar o Arco dos Teles. Há vinte anos não se andava pelo centro da cidade numa manhã de sábado. Quem o fizesse só via lixo. Depois era assaltado. Hoje o Corredor Cultural é uma realidade. A área, em que pese certa espetacularização aqui e ali, está revitalizada. E coalhada de restaurantes que servem feijoada...
Duas vezes seguidas fiquei com a do The Line. Embora surda e manca (sem orelha nem pé), é genial. E tem caldinho de grátis!!!! =)
Sunday, October 30, 2011
Tuesday, October 25, 2011
Soneto só para a Letícia
Escreveu Bishop não ser difícil dominar a arte da perda, seja de uma chave, de uma hora, cidades, continente, pai. Acho esta arte dificílima e creio que jamais chegarei ao seu domínio, embora o passar dos anos tenda a nos ensinar algo neste sentido. À nossa revelia.
A arte do ganho, que aqui não é sinônimo de vitória, tem também seus mistérios e sutilezas. Ganhei coisas já, e não poucas: chaves, cidades, continentes. Pais e filho.
Outro dia, um soneto. Daquele modo clássico, dedicatória nominal sob o título. Eu já ganhara um conto, de modo análogo, mas quatorze versos assim... foi a vez primeira. O que fazer com o presente, para além de, criança, mostrá-lo a quem surgir pela frente? The art of receiving a sonnet is hard to master.
Pouco ou nada me resta senão retribuir.
SONETO SÓ PARA A LETÍCIA
Eu ganhei um soneto nesta quinta
E a manhã que se anunciava escura
Torna-se leda, tépida, sucinta
Própria da moça que tece canduras.
O tempo vem com suas imposturas
E o soneto, senhores, é arte extinta
A quem interessam rima e mesura?
Twitter e face não deixam que eu minta.
Mas se tenho um soneto, volto aos mitos
pretéritos, de paina, de blandícia,
de paciência e de esquecidos ritos.
E a minha alegria, ledícia, atice-a
sempre a moça de versos manuscritos.
E este soneto é só para a Letícia.
Sunday, October 23, 2011
In Gloria
O que é a Glória? Uma estação de metrô, indicando que Botafogo e Copacabana estão próximas. Para alguns, uma igreja (mas que igreja!). Para uns poucos, também um relógio (e que relógio!). E só. A Glória, como a Praça da Bandeira, é passagem, sem qualquer sentido metafórico.
Mas se mesmo a Praça da Bandeira revela não poucas surpresas para o olhar atento e amoroso (alguém aí já reparou aquele centenário portão do Matadouro lá fincado?), o que dizer da Glória.
Para mim, independentemente de seus palácios, sua gloriosa igreja no Outeiro, sua igreja positivista (!), sua igreja em estilo neogótico inglês de belos vitrais, independente de seus casarões, seus cortiços, suas vilas, seu monumental Hospital da Beneficência Portuguesa, sua taberna, seu relógio de quatro faces, suas ladeiras, suas escadas, seu chafariz setencetista, sua murada, seus maravilhosos botecos sórdidos, a Glória já mereceria lugar de destaque nesta cidade que teima em valorizar apenas praias, samba e futebol [de preferência um único time], pois que aqui morou, por 41 anos, Pedro Nava, mineiro que amou o Rio como poucos. Em Galo-das-Trevas, quinto volume de suas memórias, lê-se:
Há trinta e cinco anos moro no Edifício Apiacá, à Rua da Glória, 190, apartamento 702. Quando para aqui mudei o número era 60. Nosso arranha-céu levanta-se em terreno onde existiu famososo bordel do bairro nunca completamente saneado. Aqui passei quase metade de minha vida. Aqui envelheci. Quer dizer: aqui tive contados minutos de paz e um roldão de dias noites de tormento. (p. 26)
The horror, the horror
Não são poucas as vezes em que as célebres últimas palavras de Kurtz me vêm à cabeça, o que não é nada bom. Elas me vêm à cabeça quando leio que crianças viciadas em crack improvisam um chá de pilha alcalina para saciar/ disfarçar / amainar seu vício na impossiblidade de fumar as pedras. E elas me vêm a cabeça quando.
Sabem o filme O Sexto Sentido? Bom filme, bem feito, perspicaz em seu truque. Mas aquela história de ver gente morta não tem nada de horror para mim. Zumbis, múmias, lobisomens e toda essa palhaçada recente de vampiros não têm absolutamente nada de horror para mim. Horror, horror mesmo, é quando descobrimos, no filme, aquela personagem mãe que mantinha seus filhos doentes para que dela as pessoas tivessem pena. Chegou a matar um dos filhos. The horror.
The horror, the horror são as palavras que me vêm à cabeça quando tomo ciência dos quatro médicos de Taubaté que, na década de 80, retiraram os rins de pacientes AINDA VIVOS para os venderem a pessoas necessitadas de transplante na capital São Paulo. Com isso, mataram quatro. The horror.
Quase trinta anos, são enfim condenados a 17 anos e meio de prisão. Um dos monstros, um neurologista, morreu ano passado. Que o inferno lhe seja doce.
Poderão recorrer em liberdade. The horror.
Durante todos esses anos, continuaram a exercer a profissão, dado que os Conselhos de Medicina não encontrarm motivos para cassar-lhes o registro. The horror.
Não me consta que os beneficiários do esquema (que chegaram a pagar entre 35 e 70 mil reais) tenham sofrido qualquer punição. Receptação também não é crime? The horror.
Quantas vezes usei a palavra horror aqui? Bem mais que Kurtz, não? É que este viu os hororres da colonização belga no Congo, sendo ele mesmo instrumento desse horror.
Mas não conheceu ele os médicos de Taubaté.
Nem a Justiça brasileira.
A Presença dos Gatos nos Pé-Sujos Cariocas
Tenho uma plêiade de ideias para meus pós-doutoramentos, que vão desde "A Inflência dos Single Malts de Islay no Rock Progressivo", passam pela literatura moderna do Sri Lanka e chegam a "Permanência do Kazoo no Rock Progressivo" (até agora encontrei-o em uma música apenas).
Ideias que, no barato, devem render umas 500 páginas.
Outra ideia ainda é esta do título deste post. Not bad, uh?
Agências de fomento - o CAPES, o CNPq, a Faperj - disputam a tapas o privilégio de financiar as pesquisas.
Ideias que, no barato, devem render umas 500 páginas.
Outra ideia ainda é esta do título deste post. Not bad, uh?
Agências de fomento - o CAPES, o CNPq, a Faperj - disputam a tapas o privilégio de financiar as pesquisas.
Bar Almeria - Pça. da Bandeira
Bar Poleiro do Galeto - Benfica
(Cadê o gato? Vai lá e sente o onipresente cheirinho...)
Sunday, October 16, 2011
Que las hay, las hay.
Em minha postagem anterior falei no Andy Warhol, com o pretexto de fazer algumas warholices com uma foto do Dante. Quem leu sabe que fiz questão de frisar que o artista norte-americano não é meu artista preferido, não entrando nem em uma TOP 500.
Mas artistas são vaidosos e a mera menção a um colega pode ser suficiente para despertar ondas de gelosias...
Pois não é que a tal da mera menção fez com que meus dois preferidos surgissem inesperadamente à minha frente??? Não em sonhos, que isso serão abstracionices de poetas, mas na materialidade da primeira página do jornal (Modigliani) e em um... queijo no supermercado(Vermeer)?!
É o que sempre digo: no creo en las brujas, pero...
(Y, con efecto, si Vermeer y Modigliani son brujos (lo son), no me vengan con hadas.)
(Na verdade, os dois são dois dos meus favoritos, e não os. Mas deixo assim de propósito, na esperança de que Bruegel, Chagall, Caravaggio, Bosch, Ensor, Delvaux, Klimt e Zizi Sapateiro também dêem as caras...)
Thursday, October 13, 2011
Warholices
Tuesday, October 11, 2011
Eu poderia ouvir 300.000 vezes
Nos tempos de orkut, tive uma comunidade dedicada ao Penguin Cafe Orchestra. Acho que passamos de 100 membros. Not bad, sendo este o país do segura o tchan.
Se não me engano, eles tiveram vários de seus álbuns incluídos nos 1001 discos para ouvir antes de morrer, o que é mais do que justo, é uma chance de conquistar novos adeptos.
PCO não é rock. Mesmo o elástico "rock progressivo" me soa forçado aqui. Música progressiva, isso sim. Música de aventura. Pero linda e acessível.
Algumas músicas, em especial "Numbers 1 to 4", "Music for a Found Harmonium" e "Dirt", eu poderia ouvir 300.000 vezes seguidas. Sem enjoar.
Certa viagem em julho, acordei no meio da noite no avião escuro. Não conseguia dormir, mas fiquei ouvindo essas 3 músicas ininterruptamente. Fiquei feliz.
Às vezes vou andar na praia. Vou e volto com as mesmas 3 nos ouvidos.
Saturday, October 08, 2011
Viva o Rock Progressivo Sueco!
A brincadeirinha que fiz com o Eric deu ensejo a que ele listasse suas dez bandas suecas favoritas. Só para provocar, deixou o Blåkulla de fora, embora reconhecesse seus méritos. Tudo que posso fazer é cumprir minha ameaça de ficar os cinco dias sem palrar com ele.
E aí fiquei com vontades de fazer a minha lista! Como forma também de homenagear o país do poeta que acaba de ganhar o Nobel de Literatura, Tomas Tranströmer.
De pronto vi que era impossível selecionar apenas dez bandas de uma cena progressiva tão rica. Daí, dividi: anos 70 e anos 90 e 00. E ainda ficou coisa boa de fora...
TOP 10 PROG SUECO ANOS 70 (ordem alfabética):
BLÅKULLA
DICE
FLÄSKET BRINNER
KAIPA
KEBNEKAJSE
KULTIVATOR
MR. BROWN
TRETIOÅRIGA KRIGET
TURID
ÄLGARNAS TRÄDGÅRD
TOP 10 PROG SUECO ANOS 90 e 00 (ordem alfabética):
ANEKDOTEN
BRIGHTEYE BRISON
FIRST BAND FROM OUTER SPACE
FLOWER KINGS
GÖSTA BERLINGS SAGA
LIQUID SCARLET
MOON SAFARI
RITUAL
ZELLO
ÄNGLAGÅRD
Se tiverem, postem suas listas aqui nos comments. Tenho a ligeira impressão que blog é um pouco menos efêmero que rede social...
Sunday, October 02, 2011
Reale Accademia di Musica
Quando postei minhas listas de preferidos do rock progressivo italiano, previ que haveria um chato reclamando ausências, o que de fato aconteceu, na figura do Eric Licen.
Ele tem toda razão, também eu reclamo quando vejo lacunas, buracos e ausências indesculpáveis em tantas listas por aí. Mesmo as que listam 1001 (famosa e deliciosa série de livros) deixam de fora justamente o mais importante.
Vai o próprio Eric listar suas dez bandas suecas favoritas e deixar de fora o BLAKULLA! Fico cinco dias sem falar com ele.
Vai o Raul elencar seus bolinhos de bacalhau favoritos e não incluir o do Caneco Gelado do Mário! Visto na hora minha linda camisa do River.
Vai o Paulo reunir seus locais preferidos de Niterói e ignorar o Bar do Édson! Derreto na hora uma estrelinha vermelha.
E o Gustavo? Imagina ele agrupando os gols mais bonitos da história do futebol sem incluir o terceiro do Diego Souza contra o Cruzeiro? Ponho-me incontineti a baixar todo o catálogo da Masque.
Pois grandes entendedores do rock progressivo italiano às vezes deixam de fora o REALE ACCADEMIA DE MUSICA, para mim TOP 5 fácil. Paolo Barotto listou seus 20 mais importantes, deixou de fora. O Augusto Croce, um dos maiores conhecedores do assunto do mundo, dono de um site, tampouco faz referência ao Reale em sua lista de vinte.
Pode ser que seja por eu ter conhecido há tantos anos, ainda adolescente, mas a combinação magistral das singelas músicas ímpares com as mais elaboradas e complexas músicas pares faz deste álbum homônimo uma das pérolas da cena progressiva italiana dos anos 70. Lindo demais.
E já sonhei casar ao som de FAVOLA à margem do Rio Preto...
(Este registro ao vivo é raro e mítico. Vocês acham que esta canção é par ou ímpar?)
Saturday, October 01, 2011
José (um tal de)
Troppo clichê falar de globalização, mas que otra palabra should I use quando se é um brasileiro, se está na Dinamarca, e se compra o CD de um sueco que se chama... José González? Marco Polo perde.
Quanto ao José, eis um legítimo herdeiro do Nick, não tanto pelo timbre, mas pelo ethos...
Veneer é de 2006, In Our Nature, 2007. Dizer que todas as canções limitam-se a voz e violão pode ser tecnicamente correto, mas é sobremaneira estúpido falar em limitações.
Daqueles trabalhos que dificilmente batem de prima. Requerem repetidas audições para que, o inglês aqui define bem, possam grow on you...
E alto lá. Como assim, as canções têm apenas voz e violão? Em "Broken Arrows" temos alguns segundos de trompete...
Cool bagaray...
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