Pensei em Shakespeare, mas lembrei também de um dos primeiros provérbios que ouvi: 'cão que ladra não morde'. A assafétida tem cheiro de chulé, enxofre e ovo podre, mas domá-la é fácil, fácil. Se colocamos um pouquinho na gordura já quente na frigideira, ela irá imprimir algum gosto deixando longe a meia suja e o diabo. Usamo-la na salada de repolho que nos preparou para a butter chicken. Depois, inspirado pela maneira que dizem ser a melhor de se degustar trufas brancas, fritamos apenas um ovo com ela.
Aprovamos. Só não viramos brâmanes porque ainda gostamos muito de alho e cebola.
Lembrei-me de certo episódio, e este não envolve fedor, no sul da Espanha há muitos anos. Numa loja de vinhos estava eu a procurar por um Vega Sicília, só para ver, só para dizer que já tive um nas mãos, e nada de encontrar. Já desesperançoso perguntei ao vendedor, que foi lá dentro e me trouxe uma garrafa. Por supuesto que fiquei assombrado, 'Caramba, o vinho é tão especial que nem se mistura com os demais'.
Pois.
Há poucos dias, estava eu na Roopak, tradicional loja de temperos em Karol Bagh, Nova Déli, procurando pela assafétida. Encontrei monte de coisa interessante, algumas eu procurava, outras não, e nada do tempero mais fedido do mundo, a seiva do funcho gigante que também atende pelo simpático nomezinho de "estrume do diabo". Já resignado, ia avaliando o que perdera para seguir vagaroso, de mãos pensas, quando decido perguntar à vendedora. Ela abre uma gaveta e, de dentro de uma caixa, retira a poderosa assafétida.
Comprei duas. Depois, deambulando pelo bazares sem fim, mais duas (sempre para mim e para meu amigo Raul, o da butter chicken). De volta ao hotel, em menos de dez minutos, seu fedor avassalador já dominava a mala, o quarto e (creio) todo o hotel. É muito pior que o durião (ver aqui).
Aqui em casa escondi as pequenas embalagens dentro de dois sacos plásticos, dentro de uma cristaleira, dentro do quartinho da bagunça. Porque caso contrário, é ânsia de vômito o dia inteiro. E pela casa toda. Não exagero.
Já entreguei as encomendas ao meu amigo. Restava dar uso (ou fim?) às minhas. A verdade é que o véu malcheiroso oculta um tesouro culinário. Os brâmanes usam-na para substituir o alho e a cebola, para eles tabu.
Claro que às vezes me pergunto da finalidade de seguir com essa anacronia que é manter um blog. Pois vai aí mais uma resposta: há cinco dias fiz postagem sobre nosso maravilhoso butter chicken, da série crônicas indianas (aqui). Seguindo o costume, postei link no face. Pois: não foi só uma curtida que meu amigo Raul Félix de Sousa me deu, ele foi lá, pesquisou a receita e fez a butter chicken! Naquela mesma noite! Se isso não deixa qualquer escrevente embevecido.
De maneira que nada mais me restava na vida senão chamá-lo para fazer essa maravilha aqui em casa, já que não estava conseguindo ver as fotos direito, não estava sentindo aromas e sabores só pelas fotos. Ele veio ontem, de mala e cuia, com a nigela, coriandro, mostarda em grãos, cominho, feno grego e urucum, folhas de pitanga e de tangerina, gengibre, alho. O resto já tínhamos aqui.
Camila fez seus indefectíveis lássis de manga.
De entrada, uma salada de repolho com a poderosa assafétida (post em breve), apenas um teaser para o fantástico butter chicken. Evoé, Shiva!
Assafétida, mostarda etc à beira de pipocar
Cansou, neguinha?
Todos pilotaram, copilotaram as panelas. Mas o regente foi o Raul
Claro que eu tinha que tomar uma IPA na Índia, não apenas por ser doido por elas mas porque er.... eu estava na Índia, a razão de este estilo existir, já que os colonos não podiam ficar sem sua cerveja e, para que esta aguentasse a viagem sem going off, a solução encontrada foi tacarem lúpulo. Aquelas descobertas 'acidentais' da história da gastronomia, mais ou menos como os queijos cremosos franceses ou o vinho do porto.
Não foi fácil e só consegui em minha última noite em Déli. Em primeiro lugar porque, sim, eu estava muitissimamente mal acostumado com Goa,que tem uma legislação muito mais tolerante para com o álcool. Lá esbarra-se em Kingfishers o tempo todo e, procurando, bebe-se do poderoso feni, aguardente de caju, à vontade. No norte da Índia, a coisa é diferente: entra muitas vezes aquela história de que não se pode servir / consumir álcool perto de templos e, bem, em que lugar da Índia você consegue estar distante de um altar dedicado a Shiva ou de uma mesquita?
De modo que valorizei muito cada Kingfisher encontrada. E que é, de fato, uma pilsen muito honesta.
Mas faltava a IPA.
Veio na última noite em Déli, no The Beer Café, uma rede de pubs com cervejas do mundo mais ou menos triviais. Quanto às artesanais... bem, longe de ser um nirvana, um passeio pelas estrelas com Ganesha ou que me fizesse dar pulos com Hanuman. A IPA provada foi a da Bira 91, simpática porém com muuuuito caramelo. Da torneirinha bebi uma wit, simpática também. E só.
Em minhas pesquisas descobri uma IPA em Jaipur de nome Thornbridge, que o teimosíssimo garçom do maravilhoso restaurante Handy não somente desconhecia como não acreditava em sua existência. Mesmo depois de eu mostrar-lhe a foto na internet.
se os pássaros deixassem suas pegadas
no céu seriam talvez como teus
passos em nossa casa indeci-
fráveis inapreensíveis talvez
como os passos de meu avô já velho
tentando voltar pra casa depois
da noite velha vivida no piano
ficou isso de meu avô guardei
o que minha mãe bêbada contava
o resto inventei nem pior nem melhor
do que ela levou consigo o poema
a propósito era sobre tu
e sobre pássaros
o que dá (né?) na mesmíssima coisa
Empolguei ao saber que Cortázar tinha livro sobre Jantar Mantar, os observatórios astronômicos mandados construir por Jai Singh II em cinco cidades do norte da Índia entre 1724 e 1735. Se não me equivoco, o de Jaipur é hoje o mais conhecido e nele está o maior relógio de sol de pedra do mundo, mais preciso que o mais preciso relógio suíço.
Empolguei ainda mais ao saber que o próprio Julio tirara aos fotos dos enormes instrumentos astronômicos, de modo que o livro já estava na fila de leitura antes mesmo de visitar o Jantar Mantar de Jaipur. Ao voltar de viagem, pois, foi só fazer a fila andar.
Não atendeu às expectativas. Ao tentar estabelecer relações entre suas observações do observatório de Jaipur e um artigo publicado no Le Monde em 1971 sobre os ciclos das enguias, Cortázar nos presenteia com uma prosa confusa e pretensiosa, de que a poesia praticamente se ausenta.
As fotos, segundo ele tiradas com um filme de má qualidade, mas 'consertadas' posteriormente, são até muito boas, embora a edição que tenho (segunda edição da Perspectiva, 1985) não ajude sua fruição.
Mas :
também o céu é assim nas noites limpas quando as estrelas se amalgamam numa mesma pressão, conjuradas e hostis, negando-se à contagem, às nomenclaturas, opondo uma aveludada inalcançabilidade à lente que as circunda e abstrai, amontoando-se às dezenas, às centenas num mesmo campo visual, obrigando Jai Singh a banhar as pálpebras no bálsamo que seu médico extrai de ervas enraizadas nos mitos do céu, nos cruéis, alegres jogos das deidades fartas de imortalidade.
Não tem wifi e nem cerveja. Estava um pouco frio mas as portas estavam todas abertas. Mantém-se inalterado desde 1947. Se virou rede, este é o original. Mais do que isso, foi aqui no Moti Mahal que nasceram dois pratos seminais da culinária indiana hodierna: a tandoori chicken e o carro-chefe: a butter chicken (murgh makhani). O pedido chega em menos de cinco minutos.
A butter chicken foi criada a partir de restos de frango misturados num creme de tomates cheio de manteiga. Um creme bem cremoso. Com o tempo, aperfeiçoou-se: filé de peito. Descrito como suavemente picante, fez-nos suar como se em sauna finlandesa (fazia frio?). E é impossível parar de comer.
Nosso primeiro restaurante em Déli. Fizemos quase como os gringos que aterrissavam no Galeão e, antes mesmo do hotel, encostavam as barrigas no Bracarense para provar a caipirinha. Só não fizemos igual porque chegamos de madrugada.
Dante era ainda muito pequeno quando escrevi
um poema assim:
Dante
acorda
Um
cachorrinho cego
Fareja
o mundo.
Não tinha e não tenho a intenção / pretensão
que fosse um haikai, era apenas um poema de três versos. Tampouco sei direito o
que quis dizer com aquilo. Apenas, parafraseando o Bob, escrevi o que me
parecia correto.
De qualquer modo, não faz a menor diferença.
O que passa é que Dante, agora com seus nove
anos e já entrando, para meu silencioso desespero, na puberdade, pôs-se de fato
a farejar o prever chuvas, coisa que, dizem, cachorros muitas vezes fazem.
Na primeira vez estávamos eu e ele na piscina
quando apareceu amigo meu. Dante dizendo o tempo todo que choveria. Por gestos,
claro, que ele não fala a língua verbal articulada dos homens e tampouco a dos
anjos. Intrigado com aquela insistência, meu amigo perguntou o que ele estava
querendo dizer. Quando lhe respondi que era chuva, entreolhamo-nos e ele
sorriu: não havia nuvem no céu.
Menos de uma hora depois, o amigo tendo ido
fazer outra visita, no Leme, recebo dele mensagem: “Nossa! O Dante tinha razão!”.
Chuviscava, eu e Dante já secos e vestidos, contemplativos observando.
A segunda vez foi na pracinha, no
indefectível balanço. Ele feliz, porém ansioso, passando as mãos nos cabelos e
fazendo barulho de chuva. A mãe de um amiguinho também ela perguntou. A chuva veio em 15 minutos. Pegou a todos de
surpresa.
Quase todos.
Por fim, quarta-feira passada, quarta-feira
de cinzas – May the judgement not be too
heavy upon us --, estávamos no play brincando de bicicleta (mais brincando
que andando) quando os gestos começaram. Uma cigarra, rara no verão deste ano,
começou quase simultânea. Não chove,
velho – pensei.
A chuva veio de madrugada, na forma de
dilúvio bíblico. Quando Dante a farejou, às 18:42, ela ainda se engordava nas cabeceiras da Serra dos Pretos Forros.
Quem cantou a pedra errada foi a cigarra.
Sei que você não acredita em nada disso. Não
faz a menor diferença.
Esta é uma das muitas coisas indianas que só se entende vendo, ou ao menos tem-se o início de alguma compreensão. Eu lia stepwell e me perguntava que diabos, um poço com degraus? Claro que eu poderia trapacear e guglar imagens. Resisti, mode guardar o susto.
Funcionou. Porque eu pensava well, well, bem, isso é poço, então imaginava aquela construção simples, redonda e obsoleta, onde atiramos moedinhas de costas e fazemos pedidos. Esqueci-me de que na Índia tudo é superlativo.
Chand Baori, na estrada Agra-Jaipur, é um dos mais espetaculares poços com degraus do Rajastão (e, por extensão, de toda a Índia?). Do século IX, cumpria mais do que a função de armazenar água naquela aridez, sendo também espaço de socialização e, claro, de religião. Percebe-se, em decorrência disso, uma preocupação estética: não apenas nas portas, nos pilares, nas estátuas, mas dir-se-ia que no própria estupenda geometria dos degraus. De deixar um Cortázar doido.
Assim como acontecera com o I Giganti, também a banda beat I Dik Dik, bafejada pela onda de vanguarda e experimentação que corria pelo Bel Paese, lançou um álbum dentro do estilo rock progressivo: o interessanteSuite per una donna assolutamente relativa (1972). Quando comprei, ouvi muito, chapei. O tempo ajustou um pouco o parecer: um álbum muito válido, indeciso entre a canção italiana (que é o que faziam), melosa e datada, e o progressivo com ênfase nos teclados. Ousaram menos que I Giganti.
Mas o que me faz escrever esta postagem é que as letras são de Herbert Pagani, aquela artista múltiplo e inquieto, que teve trabalhos de arte comprados por Fellini, que ilustrou Admirável Mundo Novo, do Huxley, e compôs uma ópera. Morreu cedo.
Não sem antes legar-nos uma carta aos presidentes. Que cabe bem ao temer, ainda que este poltrão usurpador filho da puta sequer mal possa ser chamado de um.
Per quella schiuma bianca che copre i nostri fiumi
per tutti i nostri pesci che vanno a pancia in su
e per la primavera che cede i suoi profumi
al superdetersivo con i granelli blu.
E per i panni sporchi lavati troppo tardi
in certe lavatrici intorno al Quirinale
che puzzano d’inganni di sangue e di miliardi
mentre la lira scende ed il terrore sale.
Per tutta la violenza che scende nelle case
dai cieli crocefissi da antenne di tivù
quando non è di turno tra Cirio e Belpaese
il papa che consiglia: votate per Gesù.
Per l’urlo del pallone che vomita la radio
coprendo altre urla nei vostri mattatoi
prima che ci stendiate sull’erba di uno stadio
signori Presidenti grazie da tutti noi.
E bravi per le belle centrali nucleari
che tutti già paghiamo e che nessuno vuole
e che circonderete di mille militari
finché non metterete un contatore al sole.
Bravi per la giustizia, che se non tace, giace
per la rivoluzione che ha i piedi gonfi e siede
e per aver ridotto la libertà e la pace
a tristi prostitute che fanno il marciapiede
Bravi per le colombe costrette a fare i falchi
perché vendete armi al meglio compratore
e per i vostri amori imposti ai rotocalchi
perché la gente creda che voi c’avete un cuore
Io vi ringrazio ancora e me ne vado adesso
la musica era bella e le parole no
ma il mondo è bello e voi ne avete fatto un cesso
e finché ci sarete, così io canterò”.
Per quella schiuma bianca che copre i nostri fiumi
Per tutti i nostri pesci che vanno a pancia in su
E per la primavera che cede i suoi profumi
Al superdetersivo con i granelli blu.
E per i panni sporchi lavati troppo tardi
In certe lavatrici intorno al Quirinale
Che puzzano d'inganni di sangue e di miliardi
Mentre la lira scende ed il terrore sale.
Per tutta la violenza che scende nelle case
Dai cieli crocefissi da antenne di tivù
Quando non è di turno tra Cirio e Belpaese
Il papa che consiglia: votate per Gesù.
Per l'urlo del pallone che vomita la radio
Coprendo altre urla nei vostri mattatoi
Prima che ci stendiate sull'erba di uno stadio
Signori Presidenti grazie da tutti noi.
E bravi per le belle centrali nucleari
Che tutti già paghiamo e che nessuno vuole
E che circonderete di mille militari
Finché non metterete un contatore al sole.
Bravi per la giustizia, che se non tace, giace
Per la rivoluzione che ha i piedi gonfi e siede
E per aver ridotto la libertà e la pace
A tristi prostitute che fanno il marciapiede
Bravi per le colombe costrette a fare i falchi
Perché vendete armi al meglio compratore
E per i vostri amori imposti ai rotocalchi
Perché la gente creda che voi c'avete un cuore
io vi ringrazio ancora e me ne vado adesso
La musica era bella e le parole no
Ma il mondo è bello e voi ne avete fatto un cesso
E finché ci sarete, così io canterò.
Altri
testi su:
http://www.testimania.com/testi/testi_herbert_pagani_10107/testi_other_32050/testo_signori_presidenti_346983.html
Tutto su Herbert Pagani: http://www.musictory.it/musica/Herbert+Pagani
Per quella schiuma bianca che copre i nostri fiumi
Per tutti i nostri pesci che vanno a pancia in su
E per la primavera che cede i suoi profumi
Al superdetersivo con i granelli blu.
E per i panni sporchi lavati troppo tardi
In certe lavatrici intorno al Quirinale
Che puzzano d'inganni di sangue e di miliardi
Mentre la lira scende ed il terrore sale.
Per tutta la violenza che scende nelle case
Dai cieli crocefissi da antenne di tivù
Quando non è di turno tra Cirio e Belpaese
Il papa che consiglia: votate per Gesù.
Per l'urlo del pallone che vomita la radio
Coprendo altre urla nei vostri mattatoi
Prima che ci stendiate sull'erba di uno stadio
Signori Presidenti grazie da tutti noi.
E bravi per le belle centrali nucleari
Che tutti già paghiamo e che nessuno vuole
E che circonderete di mille militari
Finché non metterete un contatore al sole.
Bravi per la giustizia, che se non tace, giace
Per la rivoluzione che ha i piedi gonfi e siede
E per aver ridotto la libertà e la pace
A tristi prostitute che fanno il marciapiede
Bravi per le colombe costrette a fare i falchi
Perché vendete armi al meglio compratore
E per i vostri amori imposti ai rotocalchi
Perché la gente creda che voi c'avete un cuore
io vi ringrazio ancora e me ne vado adesso
La musica era bella e le parole no
Ma il mondo è bello e voi ne avete fatto un cesso
E finché ci sarete, così io canterò.
Altri
testi su:
http://www.testimania.com/testi/testi_herbert_pagani_10107/testi_other_32050/testo_signori_presidenti_346983.html
Tutto su Herbert Pagani: http://www.musictory.it/musica/Herbert+Pagani
Per quella schiuma bianca che copre i nostri fiumi
Per tutti i nostri pesci che vanno a pancia in su
E per la primavera che cede i suoi profumi
Al superdetersivo con i granelli blu.
E per i panni sporchi lavati troppo tardi
In certe lavatrici intorno al Quirinale
Che puzzano d'inganni di sangue e di miliardi
Mentre la lira scende ed il terrore sale.
Per tutta la violenza che scende nelle case
Dai cieli crocefissi da antenne di tivù
Quando non è di turno tra Cirio e Belpaese
Il papa che consiglia: votate per Gesù.
Per l'urlo del pallone che vomita la radio
Coprendo altre urla nei vostri mattatoi
Prima che ci stendiate sull'erba di uno stadio
Signori Presidenti grazie da tutti noi.
E bravi per le belle centrali nucleari
Che tutti già paghiamo e che nessuno vuole
E che circonderete di mille militari
Finché non metterete un contatore al sole.
Bravi per la giustizia, che se non tace, giace
Per la rivoluzione che ha i piedi gonfi e siede
E per aver ridotto la libertà e la pace
A tristi prostitute che fanno il marciapiede
Bravi per le colombe costrette a fare i falchi
Perché vendete armi al meglio compratore
E per i vostri amori imposti ai rotocalchi
Perché la gente creda che voi c'avete un cuore
io vi ringrazio ancora e me ne vado adesso
La musica era bella e le parole no
Ma il mondo è bello e voi ne avete fatto un cesso
E finché ci sarete, così io canterò.
Altri
testi su:
http://www.testimania.com/testi/testi_herbert_pagani_10107/testi_other_32050/testo_signori_presidenti_346983.html
Tutto su Herbert Pagani: http://www.musictory.it/musica/Herbert+Pagani
Num dos muitos bazares de Déli entramos na loja de instrumentos: pequena e entulhada. O vendedor amável foge à regra ao não querer empurrar-nos cítaras, tampuras e sarods goela abaixo. Paciente, aproveita para ensinar, teoria e prática.
Depois descobrimos que a santa cidade de Varanasi é ideal para a aquisição de uma cítara e, com efeito, esbarramos em lojas de instrumentos e escolas de música quase com a mesma frequência com que esbarramos em vacas e em cadáveres a caminho do Ganges.
Aí, Camila, que ficara quieta em Déli, enfia na cabeça que quer uma cítara, ideia tão despropositada e desregrada quanto maravilhosa. As visitas às lojas se amiúdam, aliás, agora já há mesmo mais lojas que vacas. Camila senta, conversa, indaga, ajeita os lindos instrumentos em seu colo e sonha, mas aí dá-se cousa curiosa: invertemos os papeis. Como escrevi, ela, geralmente o Sancho Pança do casal, sonha; eu, não raro o cavaleiro desmiolado, pondero. As cítaras, as tampuras, os sarods, os surbahares queimam-nos as mãos, as vozes melífluas dos vendedores / luthiers nos confundem: levem logo (ou também) uma elétrica, todos que compram uma cítara acústica depois voltam para a elétrica.
A visão da cítara linda a pegar poeira no alto do nosso guarda-roupa, porém, é um choque de realidade. Pior: imaginar o sufoco que passaríamos nos aeroportos, onde teríamos que enfrentar a diabólica burocracia indiana, é o soco de realidade que faltava. Que infelizmente faltava.
Aquele louco infeliz (e que tanta infelicidade causou) Charles Manson ouvia o Álbum Branco com a certeza de que os Beatles estavam se comunicando com ele. Eu tinha certeza semelhante, e que as analogias parem por aí, quando eu ouvia "Luz e Mistério" e "O medo de amar é o medo de ser livre": Beto Guedes está se comunicando comigo, eu devo superar a timidez e conquistar a Estrela da Manhã, epíteto que inventei para a Fatinha, colega de turma que tanto bouleversou comigo no 3o ano do Ensino Médio.
Claro, trata-se de identificação tão comum em arte, quando se percebe que sentimentos às vezes confusos e difusos estão ali tão claramente expressos.
Para todos os efeitos, Amor de Índio (1978), segundo disco de Beto Guedes, foi das coisas que mais ouvi naqueles 1985, 1986.
O disco envelheceu muito bem, ao contrário do próprio Alberto de Castro Guedes: quase uma coletânea, de tantos clássicos. Além das duas citadas que ele compôs para mim: a faixa-título, "Feira Moderna", "Gabriel", "Novena", "Só Primavera". Para fechar, a indefectível música de seu pai: "Cantar". Todas maravilhosas.
Beto, então com 27 anos, para além de escrever a maioria das canções, canta, toca violão, guitarra, bandolim, baixo e bateria. E tem a little help from some friends: o Milton, o Toninho, o Wagner. Difícil que desse errado. Não deu.
Oh! meu grande bem Só vejo pistas falsas É sempre assim Cada picada aberta me tem mais Fechado em mim
És um luar Ao mesmo tempo luz e mistério Como encontrar A chave desse teu riso sério?
Quanto custa a lenha? É preciso queimar, o mais rapidamente possível, o morto. A quantidade da lenha dependerá do tamanho do corpo, ora inerte à espera do fogo e, uma vez cinza, da água que o libertará para sempre da samsara. A qualidade dependerá do poder aquisitivo da família do corpo: da mais comum e barata mangueira ao sândalo. Esquisito? Não se dá algo parecido com os caixões?
Cerca de 300 quilos de madeira. Cerca de 300 cremações diárias. Cremações que acontecem ali, no Manikarnika Ghat, há coisa de 3.000 anos.
Tudo fica a cargo dos Doms, uma subcasta dos intocáveis, que carregam nas costas e na alma o peso do opróbio de terem nascido assim. Dizem que os pais Doms choram quando lhes nasce um filho. Só eles podem tocar os corpos, supervisionar a cremação, quebrar-lhes os ossos para que esta se dê a contento. Acreditam ser a morte contagiosa e ninguém quer morrer. O parente mais próximo do morto, do sexo masculino, desempenha algumas partes do ritual, como espalhar almíscar sobre o corpo e, depois, acender a pira. As mulheres ficam de fora da área de cremação. Emotivas, podem chorar e 'atrapalhar tudo'. As mulheres também elas a carregar nas costas e na alma o opróbio de terem vindo ao mundo mulheres. Imagine as mulheres Doms. Woman is the slave to the slaves, the slave of the slaves.
Agora, para todos os efeitos, os Doms estão a cavaleiro da situação e podem aproveitar-se disso. Aproveitam-se. São acusados de extorquir o valor cobrado da madeira. Vimos o palácio de um deles à beira do Ganges. Se o pagamento não é integral, a madeira não é suficiente e algumas partes ficam por queimar. Imagine: um pé direito em meio às cinzas. Talvez melhor não imaginar Os mais pobres, sem dinheiro para a madeira, usam apenas estrume de vaca.
De longe se vê a fumacinha
Proibido tirar fotos. Estes poucos registros foram de dentro do Ganges. Proibidos anyway.