Sunday, June 19, 2022

De "Torto Arado", Jarê & Outros Atabaques

Gostei de Torto Arado, de Itamar Vieira Júnior. Não amei. Tudo bem que nem todo livro / disco / filme tem que mudar sua vida, mas é que achei pobre o trabalho com a linguagem, por vezes me lembrando mesmo alguns livros que éramos obrigados a ler nos anos 80 no Colégio São José, como Justino, o Retirante. No Ensino Fundamental

Mas a trama é muito boa, a história das meninas, da faca. Muito bom também o teor de denúncia e de desromantização do que foi o ciclo do diamante no sertão baiano. Ótimo também o último capítulo, "Rio de Sangue", em narrativa que se dá em torno do Rio Santo Antônio e do Rio Utinga, pela mudança de ponto de vista, o que nos faz lembrar O Som e a Fúria, do Faulkner. O ponto de vista deste capítulo cabe a uma encantada!

Repensando assim, gostei, gostei bastante, a leitura como que coincidindo com minha viagem à Chapada. Pois fui conhecer o famoso terreiro de jarê, o Palácio de Ogum e Caboclo Sete Serras, na Capivara. Dois dias antes, conheci Mussum, que foi desse terreiro e hoje tem o seu próprio 


Eram famílias que depositavam suas esperanças nos poderes de Zeca Chapéu Grande, curador de jarê, que vivia para restituir a saúde do corpo e do espírito aos que necessitavam.


Para chegar à Capivara, só moto, mototáxi. Eu apavorado. Como ficara para visitar os Pankararu em 2019 (aqui), como ficara para chegar ao Céu, em Marajó (aqui). Apavorado na ida, destemido na volta. Atravessamos areais, atravessamos dois rios. No segundo, da Capivara, pedi para parar na volta, mergulhei e tive a certeza de que a Chapada é dos lugares mais bonitos do mundo. Melhor dito: a Chapada Diamantina é o lugar mais bonito do mundo. Empatada com muitos outros (nem é competição), mas second to none

No Palácio de Ogum fui recebido por Sandoval, babalorixá filho de Pedro de Laura, a grande influência do jarê na Chapada

Muito bem recebido, na enorme casa, no grande silêncio. Ele e seu filho me deram uma canja dos poderosos atabaques. O grande, segundo ele, faz-se ouvir em Lençóis. A dez quilômetros 













Mussum


Saturday, June 18, 2022

Nos 80 anos do Paul

Pra ficar na vibe do 8, esse numerozinho que virado é o infinito, talvez por isso o preferido de Pampi: comprei meu primeiro disco dos Beatles aos 8 anos. Paguei 88 cruzeiros. Numa loja na Rua Farias de Brito, número 8.

E hoje, dia 18 de 2022, Paul McCartney completa 80 

Escolhi 8, poderiam ser 80, poderiam ser infinitas


1) What you're doing (1964)

2) Eleanor Rigby (1966)

3) I Will (1968) (ele toca baixo com a boca)

4) Oh Darling (1969)

5) Maybe I'm Amazed (1970)

6) "Live and Let Die" (1973) (as apresentações a que assisti ao vivo não estão nas melhores experiências musicais da minha vida, estão entre as melhores experiências da minha vida)

7) "Heather" (2001)

8) "Angeles Chorale" (2006)



 


 








Sunday, June 12, 2022

De Certa Forma, um Reencontro com os Jenipapo-Kanindé

Para além do reencontro com o coco (aqui), esta rápida viagem ao Ceará me fez, de certo modo, reencontrar os jenipapo-kanindé, etnia que habita a Lagoa da Encantada, entre o Iguape e Pindoretama. Explico

Coube muita coisa na viagem de 1992, coube amizade com Regina, que me levou para conhecer a Lagoa da Encantada. Me lembro de ter adorado, lembro de tirar fotos de pessoas por lá pensando 'Como parecem índios', mas achando que não poderiam ser, eu dentro ainda daquelas noções de que indígena só no Amazonas, Pará e Mato Grosso e sempre pintados e de cocar. Lembro que uma amiga da Regina, acho que carismática, se / me perguntava 'Meus Deus, será que essas pessoa já ouviram falar em Jesus Cristo?' e eu tentando explicar que existem outras maneiras de se viver, de ser religioso (pelo menos aqui dei uma dentro)

Pois

Agora em 2022 fui de Uber para o Iguape e logo o taxista me falou que quando queria corrida para lá, para levar remédios para seus pais, nunca aparecia. Voltei com ele e perguntei pelos pais. Moram na Lagoa da Encantada, são jenipapo-kanindé. Liguei os pontos, Meu Deus! Então aquelas fotos que fiz há 30 anos!... Em casa, peguei as fotos, enviei-as para o grupo da etnia no Instagram. O responsável pelo grupo amou e logo identificou a mulher como a Dona Branca, sua filha Cláudia no colo. Não têm ainda certeza quanto ao menino do cavalo. Mandei-as também para Inácio, o taxista, que também adorou. E eu, um tímido sem-vergonha, como o Drummond, já combinando com ele de voltar à aldeia em novembro, mode tomar banho na Encantada e me encharcar de mocororó




Saturday, June 11, 2022

Minha Lista de Discos Brasileiros :: Top 15

Há coisa de quase dois meses rolou por aí lista dos 10 melhores discos de música brasileira de todos os tempos. Examinei com interesse, achei a lista boa e me senti motivado para fazer a minha. De cara, já vem a questão: é de MPB ou disco feito no Brasil por brasileiros? Tentei não me aprender ao "estilo" MPB, por elástico que seja. 

Adianto que esta não é a minha praia como o são, por exemplo, rock progressivo italiano da primeira metade dos anos 70, rock progressivo sueco, Beatles, The Who, música erudita russa da primeira metade do século XX, coco de praia cearense. Mas por isso mesmo talvez tenha alguma relevância

Ordem cronológica

 Os Afro-Sambas (1966) – Vinícius de Moraes e Baden Powell

Construção (1971) – Chico Buarque

Clube da Esquina (1972) – Milton Nascimento & Lô Borges 

Paêbiru (1975)  – Lula Côrtes e Zé Ramalho 

Página do relâmpago elétrico (1977) – Beto Guedes

Amor de Índio (1978) – Beto Guedes 

Coco do Iguape (1978) – Grupo dos Jangadeiros de Iguape

Circense (1980) – Egberto Gismonti 

De Novo Olá (1980) – Grupo Olá 

Influências (1981) --  Marco Antonio Araújo 

Depois do Fim (1983) – Bacamarte

Brincadeiras de Roda, Estórias e Canções de Ninar (1983) – Solange Maria, Antônio Nóbrega, Elba Ramalho 

Egberto Gismonti (1984) – Egberto Gismonti

Sagrado (1984) -- Sagrado Coração da Terra

Terceira Terra (2015) – Supercordas 

 

 
















Rever Iguape, Ceará

Conheci o Iguape, sua praia, suas dunas e seu coco em 1992. Voltei em 2013, passagem rápida, mas  suficiente para justamente ir ao Bar O Evandro (meu xará, já falecido, é pai da Klevia, do coco!). Lembro de muitas mulheres fazendo renda de bilro na frente de suas casas, muitos meninos brincando de bola de gude.

Bem, se o mar, as dunas e o coco continuam lá, bilros só vi na Associação de Rendeiras (é bonito ver as almofadas ali, mas é, digamos, menos espontâneo). Bruguelos brincando de gude vi nenhuns









Os Cocos do Iguape, Ceará, 30 Anos Depois


No final de 1991, com 23 anos, eu estava tão devastado por uma paixão que, relevem o clichê, pensei fosse ficar doido


Esse caso era já uma recaída de algo que dera errado há dois anos e que então dava errado novamente, só que muito pior. Lembro um dia num mercado, meados de dezembro, minha vista embaçou, tive tonturas e eu sabia que era isso
 
Dezembro se arrastou, as férias chegando sem alegrias

Em janeiro fui para Fortaleza, visitar o amigo Felipe, amigo feito em Chicago em 1986. Não fiquei apenas na capital do Ceará, conheci cocos e coquistas em Iguape e Majorlândia, atravessei o estado para conhece o Cariri, de onde trouxe minhas oito máscaras cariris queridas. Ainda estão aqui na parede, já fizeram tantas mudanças, tanto já viram
 
Essa viagem marcou também porque levei o Grande Sertão, que então lia pela primeira vez. Lembro tanto das leituras intensas na rede da casa do Felipe na Rua do Catavento, em Mucuripe, que depois, de noite, nos sonhos, todos falavam como os personagens do Rosa, eu inclusive
 
Resumindo: fui de um jeito, voltei completamente diferente. Saí do Rio moribundo e desesperançado, achando que amor não era pra mim. Voltei cheio de vida, sonhos e planos. Quando em fevereiro reencontrei a girafa de duas cabeças no trabalho e ela me disse que ia procurar outro emprego, apenas respondi indiferente "É?". Eu não fingia indiferença. Não fazia mesmo diferença para mim. Há dois meses atrás essa notícia me levaria ao jejum por uma semana, agora eu apenas dizia "É?"
 
Então em 1992 começo enfim a estudar Letras na PUC, com os cocos do Iguape e Majorlândia ainda ecoando na minha cabecinha fresca. Essa viagem mudou muito
 
Passados trinta anos, volto ao Iguape para reencontrar as mesmas pessoas e as que mantém o legado do "Maneiro Pau", "A Chuva Choveu", "Andorinha Branca" e tantas outras. Volto munido das históricas gravações que fiz naquela noite de 1992, volto munido das fotos, que amaram como relíquias
 
O coco mais do que vive no Iguape. Em meu retorno, encontro não um, mas dois grupos, maravilhosos, vigorosos, arrebatadores: o Coco de Praia do Iguape do Mestre Chico Casueiro, dirigido pela Klévia e pelo Fal, e o Coco de Praia do Iguape, dirigido pelo Paulo Sérgio. Neste, o irmão, filhos e netos do Raimundo Cabral, que era o embolador e tocador de ganzá na época. Ambos os grupos tributários do Raimundo e, claro, do mestre dos mestres, o Zé Paulino
 
Em 1992 tirei fotos, poucas, e consegui gravar numa fita cassete. Desta vez, tirei muitas fotos e filmei, claro. Mais importante: cantei, pedi cocos, pedi esclarecimentos sobre alguns cujas letra me eram de difícil entendimento, bati palmas. Bati um pouco de cajon e me arrisquei, muito mal, no triângulo. Da próxima vez, fica aqui a promessa, darei meus passinhos
 
Uma experiência inesquecível
 
Uma pena uma postagem sobre música sem música, mas não consegui fazer o upload nem dos vídeos mais curtos