Tuesday, January 26, 2021

MINHA NAMORADA CADUVEO I


Camila conseguiu, em meio a esses dias de reclusão e ela sempre consciente a isso, dar um pulo em Bodoquena,de onde foi ter com os caduveo.

Os caduveo são uma das etnias estudadas por Lévi-Strauss para o Tristes Trópicos, pedra angular do estruturalismo e da antropologia.

Sempre foram meus capítulos preferidos, junto aos dos nambiquaras, afinal, estes tinham por lema "Fazer amor é bom" que jurei ter por divisa da minha casa. Depois esqueci, agora lembrei.

Voltando ao livro, reencontro passagens que marquei, em leitura de 1997, somadas às marcações de meu pai no ano anterior. Releio tudo e faço novas marcações. Sobre o idioma (linda passagem, me lembrei do Paulo Rónai em seu primeiro contato com o português), sobre as "solenes bebedeiras", sobre as pinturas. 

As pinturas, literalmente capítulo à parte, o vigésimo "Uma Sociedade Indígena e seu Estilo". Lévi-Strauss reuniu quatrocentos desenhos em 1935. Não encontrou dois semelhantes.

Thursday, January 21, 2021

MEU TIO O IAUARETÊ ::: ACENDI A CASA INTEIRA

 

Reli ontem "Meu Tio o Iauaretê", do Guimarães Rosa, publicado postumamente em Estas Estórias dois anos seguintes à sua morte.

Terminada a leitura, a minha sensação de pavor, assombramento, excitação foi tamanha que, estando sozinho, acendi todas as luzes da casa. Não sei bem o porquê, mas não será difícil adivinhá-lo.

Há pouco mais de trinta anos assisti à peça, muito bem falada na época, em Copacabana, creio que no Gláucio Gil. Até hoje ouço aquele tiro, seco, no final. Até hoje lembro do narrador falando da cachaça 'Gosto, gosto muito'.

Enjoado que tornaram Rosa um frasista. 'O sertão é dentro da gente', 'Viver é muito perigoso' e tantas outras. Quase autoajuda. Rosa pode ser muito muito terno e doce, como ninguém. Escrevi aqui. Mas não enxergar a violência brutal aqui é, como me disse minha amiga Cristiane Brasileiro, tentativa de domesticá-lo. E ela fala também na Cecília Meireles, na violência do Romanceiro da Inconfidência, que ninguém vê.

Fiquei e ainda estou chocado, perturbado, como talvez só ficara com A Cidade e os Cachorros, do Llosa, quando, terminado a leitura, fiquei meia hora de olhos esbugalhados para a parede. Ontem acendi as luzes

A violência. Maria Quirinéia tem marido doente mental, e o acorrenta para receber amantes. Outro é degolado e seu sangue é bebido, be-bi-do, o próprio narrador, filho de branco com índia, absurdamente às margens de tudo, por todos desprezado, um 'serial killer' (lembram da Flausina de "Esses Lopes"?) de onças e homens. Uma de suas rememorações, em que ele extermina uma família, inclusive a dentadas, lembra o filme australiano The Chant of Jimmie Blacksmith. Mas, ah, o sertão está em toda parte

Milton Nascimento tem música "Yauaretê", em disco de 87. Parece que Tom Jobim o chamava assim, mas a canção é, sim, sobre o conto do Guimarães, basta ler a letra. Não gosto de falar assim, mas Milton não entendeu nada! Ele quer dançar com a lua no céu, dance, mas do conto não entendeu p.n.

E é essa ideia domesticada do Rosa que vive por aí